1 Velhas eram
as cartas
como velhos eram os marujos
oh lisboa
terreiro de passos mil
a ti chegaram os antigos as rotas
as cartas da sobrevivência
e do mundo tomaste ciência
oh lisboa
em tua mercantil essência
marujos riram à toa
II
peitos fartos d'esperança
desde que da espada d'o conquistador afonso
o lusíade estar se fez portugal
no embalo do novo reino
que os cruzados ajudaram a levantar
mandando pra áfrica os mouros
eis a europa na força dos célticos touros
do porto a portugal
raiaram ouros
no escarlate da morte feita arraial
III
terra nobre de pão e frutas
de mar à mão
eis que um príncipe
tomou as cartas e os saberes
e do restelo se fez
à ponta de sagres
pra lançar ao mundo outros olhares
era o tal d'henrique
o navegador dos mares
antes navegados por outra élite
IV
dos velhos povos celtas
que eram de mui e confusos nomes
teocratas pagãos
etruscos e vascos e vikings e fenícios
e outros nômadas e marujos
soube-se em lisboa de um mar-de-longo
d'amazonas e muito ouro
clãs
ousados no ousar o longo
caminho da terrível paz
V
tempo é aquilo que se faz
no desejo de preservar o estilo
do ser e do estar
um espaço de pensamento
arte e ação
e os sangues celta e romano e grego e lusitano
e outros mais fizeram do português um ousado bravo
ser e estar
português é viver o bravo
abraço do mar
VI
henrique navegou com o seu coração
de sonhador
as correntes d'água e sal
ventos e tempestades
fez um tempo
da madeira aos açores soube que embarcações chinesas
navegaram a costa d'áfrica sob estrelas
o príncipe de portugal
criou em sagres outras velas
para a cruz de cristo ir em correntes d'água e sal
VII
a fortuna dos templários
era da cavalaria da cruz de cristo
e o príncipe o geral
as cartas e as ordens eram mistérios
como pergaminhos escondidos nos desertos d'oriente
mas mistério maior era ser português
independente e ter o mundo como freguês
de cientista a pirata e tal
sorria o coração d'henrique como o do camponês
que da terra alimentava portugal
VIII
somos o tempo novo de um antigo mundo
que nas marés nos seduz à brava travessia
dizia o príncipe encantado
as naus e as velas novas com a cruz
diziam da ordem e não do pavilhão pátrio
que a ordem pagava
e portugal só navegava
pelo desejo do encantado
era preciso ir e vir na marítima jornada
que iria romper o místico quadrado
IX
um ir e vir
de penosas batalhas contra o mistério d'além-mar
que as cartas lidas em sagres e lisboa
dizem ser d'especiarias muitas
preciosas pedras e ouros
de peito aberto e bravo
o português dobrou mistérios e na esperança o cabo
oh lisboa
e tu choraste os idos em lágrimas de sal talhado
sob a tua estrela boa
X
se foi um dia o encantado príncipe
na mortalha doce da onírica presença em vida
ficaram naus e caravelas
a cruz de cristo
o povoamento da madeira e dos açores
os ouros da mina d'áfrica
e uma raça de titãs na busca da graça
ilhas belas
surgiram entre neblinas além d'áfrica
era chegado o velho mundo ao bojo das caravelas
XI
já a mercantil élite do clero dividira o mundo
descoberto e a descobrir
entre portugueses e castelhanos em tordesilhas
américo vespúcio e colombo viajaram depois
com uns e outros no mar-de-longo
todos queriam as índias das especiarias
quase todos caíram por ninharias
pois que em tordesilhas
só os portugueses sabiam d'índias e d'especiarias
como de outras ilhas
XII
amazonas e ouros queriam
todos e todos caíram na exuberância
que era toda aquela folia
de coisas antigas e raças e vegetações
outros reis e rainhas
deuses e mais deuses no redondo
mundo que havian visto no mar-de-longo
caíram na folia
d'escravizar nativos no abraço vergonhoso
da destruição que também os engolia
XIII
era cheio o velho sonho d'henrique
colombo e magalhães
e cabral
mudaram crenças e estórias
na conquista dos mares
mas eram prisioneiros de um outro querer
a vontade do poder
portugal
tomou posse enfim da ilha das antigas cartas
a ilha brazil que fez sorrir cabral
XIV
e a língua dos portugueses era a diplomacia
dos comércios de terra e raças
a conquista do sonho
fez um império que os jesuitas quiseram para si
na ilha brazil
nobres aventureiros e outros se fizeram bandeirantes
alargaram as terras e escravizaram um império d'antes
na maresia do sonho
chegou vieira pra cantar a bandeira d'antes
e alargar a língua do sonho
XV
entre a espada d'o conquistador afonso
e as cartas d'o navegador de sagres
um vero portugal
ficou em ruínas na sombra das conquistas
do restelo partiam desesperados e degredados
e até fidalgos pra ilha brazil
queriam outra pátria e um porto seguro no brasil
dizimaram jesuitas e nativos e fizeram arraial
na ilha brazil
nascia o outro portugal
XVI
em terras d'áfrica dominaram e escravizaram
mas não venceram nem convenceram
e em terras d'oriente
comerciaram os ouros que eram pimenta e eram cravo
como se sabia da ciumenta veneza
brazil era a terra grande escrita pelos povos celtas e outros
nas cartas que henrique lera como coisa de loucos
e eis que antes d'henrique
o mar-de-longo dera a terra grande aos loucos
ousados que não íam pra oriente |