O ORÁCULO CÉLTICO E A ETERNIDADE À LUZ DO ESPIRITISMO

Palestra Segunda

O
Peregrino

 

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os que do Eu fazem a vera

voz do Espírito

são o Oráculo divino

a fonte dos agitos

e dos caminhos

somos a morada d'O Peregrino

somos corpos d'Espírito

caminhos renovados da cósmica era

e o Eu que não sabe d'agitos

tais não sabe da Vida nem sabe da estrada

que o espera

 

Eu não sei!, é uma exclamação forte, ácida, que nos soa anti-natural. É como olhar as pedras e as árvores e as águas, o fogo e as terras, e não enxergar a Energia que as compõe - por isso, formam com as plantas um organismo cósmico variável de micro e macro-sistemas viventes em seu sobreviver. Enxergar esta realidade é sentir que a Humanidade e os Animais fazem parte da mesmíssima Energia. O que leva muita gente a exclamar Eu não sei! é o fato de se desconhecerem como Energia - partículas elementares unidas naquilo que denominamos como Espírito, porque o Corpo é somente um meio onde muitas moradas são possíveis: e veja-se que o Sonho e o Êxtase são apenas dois exemplos dessas moradas.

A exclamação Eu não sei! é tão corrosiva quando o desconhecimento do Corpo que somos, do tecido visível que habitamos. Quando perguntamos Quem és? e ouvimos como resposta Eu não sei!, estamos diante da Ignorância pura, porque diante de um Espírito não-revelado a Si-mesmo em razão de uma vivência entre o fisicamente supérfulo... Ignorância pura que é fruto, na maioria dos casos, da não consciência da Filosofia Espiritual!

Tudo o que nos rodeia são fenômenos do Cosmo, e as experiências marítimas dos povos célticos (nas quais se inclui a mais tarde Odisséia Portuguesa), como as experiências cosmonautas de norte-americanos e russos (no Séc. 20), mostram-nos que somos, sim, uma Energia, ou Luz, de um vasto e eterno Espectro.

Mais de dois milênios antes daquilo que chamamos como Era Judeo-Cristã, os povos Celtas (estruscos, vascos, celtiberos, vikings, bretões, francos, e outros) já tinham como práxis espiritualizada a essencialidade cósmica do dia a dia, com seus deuses sazonais, sacerdotes e

sacerdotizas, tendo como meta a valorização da Energia que era, ou representava, a pura veiculação da eterna encarnação. Daí a pujança telúrico-cósmica dos seus rituais; um deles (para citar somente um exemplo), a famosa Modra Nect (=Noite Mãe), ritual que foi rebatizado pelo Cristianismo como Noite de Natal, era o culto da primeira noite do Solstício de Inverno para pedir por boas colheitas e purificar o Ano Novo que chegava. É claro, para o Conhecimento histórico-científico que transportamos hoje, que aqueles povos Celtas não tinham como codificar os fenômenos cósmicos que lhes alimentavam o Espírito naquela que foi a primavera comunitária embasada no fraternalismo de um sistema mais matriarcal do que patriarcal... Por isso, para cada fenômeno mais forte criaram um deus protetor ou uma deusa protetora - e aqui bebeu, e ainda bebe, a teologia cristã com o seu leque de santos e santas, mais aqueles do que estas..., na disseminação (catolicismo=universalismo) de uma igreja patriarcal e mercantil contrária ao verbo eucarístico de Jesus!

Embasado naquela pujança telúrico-cósmica, o escritor francês Léon Hippolyte Denizard Rivail (Lyon, 1804 - Paris, 1869) sistematizou os códigos daquele primevo Espiritismo céltico. Talvez por isso, e em homenagem aos Celtas (de quem descendia, pois, a França tem origem nos Francos - um povo céltico), adotou o pseudônimo literário e espiritual Allan Kardec - nome de um antigo poeta celta.

Se os ancestrais tiveram a Luz suficiente para lerem na Natureza e nos Seres, e particularmente através das árvores e das pedras, as respostas àquele Eu não sei!, a velha questão, o intelectual francês foi mais longe: codificou um sistema espectral que deixou, e deixa, as igrejas mercantis (discípulas do fundamentalista sistema judaico) como opositoras radicais -, igrejas que pregam "o Espiritismo não é uma Ciência", logo elas, que contra as evidências científicas do conceito real a Terra é redonda, investiram fanaticamente com a Santa Inquizição...

O sistema espectral, hoje mais conhecido como kardecismo, é o Espiritismo na sua profunda experimentação científica, cada vez com mais adeptos que nele encontram a Paz necessária para a Vida que hoje é o Amanhã que foi Ontem - uma filosofia espiritual embasada no Fraternalismo e não na exploração materialista das crenças religiosas!

 

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O Espírito repousa, pois, menos sobre o maravilhoso

e o sobrenatural que a própria religião.

Allan Kardec

(in O Livro Dos Espíritos)

 

As concepções apocalípticas existem desde que a Humanidade se propôs ser o Animal-diferente, na sua evolução naturalíssima, i.e., a Inteligência face à fenomenologia que faz da Terra seu berço e sua estrada de peregrinação. Todos os outros animais vivem in natura, o Ser Humano não -, ele é o que faz da água que leva ao rosto um santo elixir (=água benta) e, por isso, vive fora da Natureza cósmica, devasta a Terra e os Animais premeditando, aí, a própria extinção como espécie, pois, nenhuma espécie sobrevive sem habitat próprio. E no entanto, as igrejas mercantis abençoam esse tipo de cruzada porque alimentam-se da Ignorância dos que não vivenciam o Espírito...

O grande mérito do Espiritismo está, e aqui os seres conscientes não podem exclamar Eu não sei!..., na pregação de uma vera eucaristia que não é mais do que a Ecologia Humana -, eis que a Bondade emana do Espírito livre dos preconceitos e que, em Paz, gera em si o Amor.

Isto verifica-se na generalidade dos estudos que envolveram o Espiritismo, mais no Sec. 19, como na Teosofia balavatskyana, de fortíssimas influências orientais, e na Antroposofia steineriana, de influências greco-egípcias: ciências da humana e espectral essência poética que somos, muito próximas da hermenêutica que o kardecismo fez da práxis espiritualizada dos Celtas.

Antoine Fabre D'Olivet, em sua História Filosófica Do Gênero Humano (Paris, 1905, Libarairie Générale des Sciences Occultes), lembra-nos o seguinte: "Os cristãos, convencidos de que somente eles conheciam o verdadeiro Deus e somente eles lhe prestam o culto perfeito (...) víam todas as outras religiões não só como desprezo, mas também com horror, fugindo das suas cerimônias como de abominações execráveis", e no entanto, esqueciam, como continuam esquecendo historicamente, que Jesus "...nasceu entre os mesmos hebreus a quem a guarda do Séfer de Moisés fora confiada havia quinze séculos e, entre esses homens de carácter inflexível, na seita dos nazarenos, a mais rígida de todas" (idem, op. cit.). Ora, a Humanidade mais dotada de um Espírito livre e consciente da Liberdade precisava de ir contra tais dogmas, como Jesus, o cristo d'Os Nazarenos, foi contra o mercantilismo e o poder absurdo dos sacerdotes hebreus (que beberam essa magia no sistema tebano). Entretanto e sem Jesus, o Cristianismo absorveu o mercantilismo e poder institucional, sobrepôs-se a outras Culturas e Nações e, estrategicamente, adquiríu para si e alterou os ritos célticos, e abominou a magia, esquecendo

que a postura da própria igreja institucional tem origem na magia e no poder bélico (de onde, mais tarde, da sede no Vaticano, saíram a Santa Inquizição e a Sociedade Jesuítica)! E se a Reforma Luterana, autêntico levante anti-papal, iluminou o mundo medieval que os bispos do Vaticano haviam mergulhado nas trevas, só no Séc. 19 viria a resposta mais concreta aos dogmas cristãos fanatizados: quer na narrativa de Christian Rosenkreuz, intitulada Fama Fraternitatis, mostrando que os ritos religiosos impostos não eram formas únicas de Idéias e de Espiritualidade, quer O Livro Dos Espíritos, obra fundamental do pensador e escritor francês Allan Kardec.

 

 

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o cântico que m'eleva

é um Saber que sei me é anterior

poética ancestralidade

contínua potencialidade

de uma Luz superior

enérgica paixão que m'eleva

 

A fase mais crucial da práxis espiritualizada dos Celtas aconteceu cinco milênios antes das primeiras palavras de Jesus - o nazareno, batizado por João segundo o rito essênio, como informam as crônicas mais velhas -, quando as diversas comunidades célticas se dispersaram pela Europa, a África e a Ásia; e, nessa diáspora, difundiram o culto espírita da reencarnação tratando a Morte como meio e não como fim da Vida. Ou,

vive-se o que somos hoje

porque já estamos no amanhã

que ontem fomos

Esta práxis espiritualizada é tão séria que vive até hoje em outros sistemas esotéricos e religiões, incluindo a católica!, e Allan Kardec submeteu-a a uma vigorosa e científica hermenêutica.

Em sua luta contra as trevas, o escritor e pensador português Manuel Reis, questiona: "...Por que não se esforçam por ter e alimentar uma saudável capacidade de interiorizar e encorporar a crítica (hétero e auto-crítica), - o único salvo-conduto para uma necessária e indispensável renovação?!..." (in Não Apaguem As Luzes, Estante Edit. - Portugal, 1990). Eis aqui, e numa cotidianeidade atualíssima, o ancestral conflito entre os poderes instituidos, os pseudo-benefícios do viver-sem-Espírito e a práxis espiritualizada, esta última, uma característica dos intelectuais que vivem hoje o amanhã, porque sabem que são o que foram; e, de alguma maneira, re-interpretam ou espelham a História que é, em si, a Inteligência humana. Foi isso que fez escrever Jules Michelet, o famoso historiador e pensador francês: "Os papas aprovam a

medicina, cercam-se de médicos judeus, mas proibem a anatomia, a química, os meios da medicina (...) adotam-se velhos textos para apoiar a ciência frívola, bizarra, de imaginação" (in A Agonia Da Idade Média, introdução aos Volumes 7 e 8 da História de França, 1855), dando-nos uma visão história real das trevas reinantes naquele Séc. 14 de cristianismo ignorante e soberbo. Por que os cristãos, ou melhor: o Vaticano, comporta-se assim? Para esconder as dificuldades que tem de se adequar à Ciência, seja ela tecnológica ou esotérica. Seria o mesmo que o atual Estado de Israel deixar os árabes da Palestina ocupar todos os territórios já colonizados por judeus: se isso acontecer (eis aqui o quê desta guerra santa e amantíssima...), em pouco tempo a miscigenização acabará com aquele Estado implantado no histórico espaço palestino. Da mesma maneira que os portugueses, de braço dado com os jesuitas, introduziram a sua Língua no falar Tupi-Guarani dizimando a Cultura dos nativos que encontraram na Insulla Brazil - um ato de miscigenização intelectual. Destruir tudo o que representasse e represente a energizante ação do Espiritismo, e em particular (depois do Séc., 19), o sistema kardecista, é a bandeira dos bispos mais retrógrados que habitam o Vaticano.

Como diz Michelet, na obra citada, uma "única gota d'água, bebida no amor e na simplicidade na taça do porvir, é um mar" - e eu completo: na maresia de uma gota d'água bebida como se fôra o nosso próprio Espírito está a condição sine qua non da Existência que é eco da Eternidade!

Tem razão Manuel Reis quando afirma que "É próprio das Religiões (...) tomarem como verdadeiro (...) o objeto ou conteúdo das suas crenças e dogmas. Daí que a suposta objectividade, com que elas pretendem trabalhar, não só resulta sempre estruturalmente restrita por força de um imperativo categórico intrínseco (...), como impensável à experimentação científica" (in A Falsa Questão Ateísmo-Teísmo, Estante Edit. - Portugal, 1992). É que para os religiosos fanáticos a Vida é simplesmente a circunstância física que vivenciam entre vontades institucionalizadas, nada além disso, e mesmo que acreditem (porque dizem) que "há algo mais além do corpo" só o Materialismo os move, não o Espírito.

Quando o Séc. 19 trouxe à luz da Inteligência aquela ancestral práxis espiritualizada, vertida no texto da Filosofia Espiritual, eis que o Espírito "retomou" a sua posição de quint'essência e eco da Imortalidade.

 

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sei de Mim

nos rastros de um Ontem

que provo no instante do Amanhã

que Hoje vivo

sei de Mim

porque Outros me fazem vivo

em minh'alma está

o Peregrino que os Outros acolhem

ai de Mim

 

Para muita gente a busca de um mistério parece ser um elixir máximo e, na maior parte das vezes, a imagética passa a camuflar a busca espírita do Eu.

Todos querem ser detentores do algo secreto e que os outros acreditem estar aí a verdade única. Essa tendência não tem nada de Filosofia ou de Teologia, é uma perigosíssima inclinação que leva ao fanatismo - que, diplomaticamente, muitos denominam como fundamentalismo!

Todos quantos buscam a Paz e o Amor, que eu chamo de Guerreiros Espirituais, opõem-se a essa tendência travestida de dogma. Não é com a criação de sociedades secretas e templos que a Vida torna-se menos complexa, é com o Espírito livre de tudo isso...

Precisamos, sim, de vivenciar O Peregrino que temos em nós buscando-o nas linhas condutoras do Espectro Cósmico que não é mais do que o Divino existindo através da Eternidade em nossas Almas!

 

Quem decide sobre o Eu?

Eu, por acaso? Ora, nem sempre.

Outros tentam decidir dos outros o Eu,

quase sempre!

Eternamente,

decido sobre o meu Eu!Fala-se que o instante em que uma Mulher ou um Homem interrompem a Vida corporal cometem um ato de lesa-Humanidade. Mas, isso é Verdade?

Acerca desta questão ouço muita gente dizer Eu não sei! e, no entanto, a maioria ainda determina a hipocrisia do Isso é errado!... criando um tabu que tenta manter como mais um "mistério ou segredo dos deuses".

Ora, que limites temos Nós? Somos ou não somos Espíritos determinados a uma Vivência? Somos, sim. E então, devemos ter o direito de dizer Eu não quero mais! para nunca exercer o suicídio contínuo e bobalhão dos que vão no rio de outros pensamentos e proclamam Eu não sei!, por não terem coragem de Viver o próprio instante.

Somos o que somos diante do Espírito que é a nossa Circunstância vária e cósmica, por isso, devemos Viver o instante e saber dizer Basta! conflitando com a hipocrisia socio-religiosa que impõe regras-tabus violentadoras da Liberdade individual.

Intelectuais como Ernest Hemingway e Mário de Sá-Carneiro, ou políticos como Getúlio Vargas (entre muitos e muitos exemplos), não tinham o direito de fazer o que fizeram porque a Sociedade "acha e decreta" o instante do sacrifício individual um "crime"? E então, não é "crime" viver d'esmolas, sem teto, sem terra, sem direito ao trabalho e à educação?!...

Se neste instante Eu determinar que o espaço físico não me é mais necessário, quem vai impedir-me de passar para o estágio incorpóreo? Que "crime" cometo Eu?... Ora, a decisão de Viver a práxis espiritualizada no Corpo é una: é uma Questão-Eu quando a Circunstância no-lo diz Vai!

Creio que o auto-Conhecimento do Eu e da sua Circunstância Espiritual é a chave da Liberdade e do Cosmo em cada Espírito encarnado e sua própria eucaristia. Além disso, só existe a hipocrisia dos que somente conhecem aquele Eu não sei! e impedem, com essa Ignorância amantísssima, aquela Liberdade!

Alguns podem dizer: essa tese é a defesa da Anarquia. Bom, e daí? Talvez que um Anarquista como eu possa fazer mais e melhor do que a bobalhada daqueles que se auto-afirmam "filhos de deus" atuando na sombra de meia dúzia de supostos "iluminados"... E então,

prefiro ser o Eu em Liberdade e em Paz com o Espírito que Sou!

 

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a pedra que as raízes da árvore beijam

vive amorosa aventura

como as águas e as areias se beijam

o nosso Espírito é uma aventura

d'Eternidade e da Vida é a árvore que nem todos

celebram

deixem voss'Alma ser aventura

deixem crescer em Vós a árvore

deixem que os Outros apareçam

 

Sabemos que a Vida é um instante de perpétuo movimento de torna-viagem através da Morte. Alguém escreveu, ou disse: "cuidado, vê onde pisas, pisa conscientemente, podes estar pisando os olhos do teu irmão!" Tal é a amplitude espectral das partículas elementares que somos, ou representamos, no Cosmo.

Era esta a preocupação fundamental do Lam e seus seguidores (Lam=Cordeiro, guia espiritual celta) ao afastar-se do Ram (=Carneiro, guia bélico-espiritual sob o Thor) e iniciando a diáspora pela Paz e o Amor como forma única de vivenciar a Eternidade e provar o divino Estar, que é Ser fora do corpo, i.e., vivendo a Morte como outro (e o mesmo) estágio da Energia.

E então, o instante em que Léon Rivail iniciou a celebração do Espírito eterno, vivenciando o sistema esotérico Celta através da entidade ancestral Allan Kadec, dando origem ao Kardecismo, a Humanidade voltou a vivenciar aquilo que o filósofo grego Aristóteles chama de aether - ou, a quint'essência do existir, entre o Ar, a Água, o Fogo e a Terra - e que os Celtas tinham como o algo-além-de-nós tão propagado no Oráculo das druidinas. Por outras palavras: as sacerdotizas célticas eram a voz das entidades invisíveis (=Espíritos) que falavam, e falam, através de objetos, incluindo o nosso corpo, e assim ligam-se no post-mortem às vidas anteriores.

De experiência em experiência, aquele escritor e pensador francês reviveu o Oráculo céltico dos ermos e grutas e registrou essa vivência entre espíritos (in O Livro Dos Espíritos) não como uma verdade única, ou como um mistério, mas a Vida que é, foi e será no Universo cósmico. Por isso, o Kardecismo não é um fim, é um veículo que leva a Humanidade à auto-conscientização da filigrana cósmica que é.

Da percepção que Eu tenho do que Sou e dos Outros que em Mim moram, pela linha ancestral, o Espírito é Eternidade cósmica em si. Somos pura Energia, essência poética onde não há Tempo nem Espaço - só Nós: o Peregrino na sua práxis espiritualizada!

 

 

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As aves cantam um namoro,

Entre elas e nós há um morro.

Situação delicada esta onde o sorrir

Não significa o bom que há de vir.

O riso é às vezes um choro

De tartufo sitiado num morro.

Enquanto escolhemos o que dividir

as aves cantam a reunir.

João Barcellos

(poema Natureza, in V Antologia de Poetas e

Escritores Brasileiros - Brasília, 1990)

 

O verso do poeta brasileiro Drummond de Andrade "no meio do caminho há uma pedra" é algo que considero como a síntese do Saber embasado na práxis espiritualizada; como aquel'outro verso, de Mário Quintana, "só se deve morrer de puro amor". Se o Amor é o fluído de um sentir d'Eternidade em um determinado instante, o obstáculo é sempre o algo que temos de decifrar, de ler, e às vezes de revelar, para prosseguirmos como Espírito livre de dogmas.

Não sendo uma sociedade secreta - esse tipo de seita que alimenta-se da Ignorância, fomentando-a entre os simples -, o Espiritismo, e neste caso, o Kardecismo, é um veículo do Saber que leva ao Todo e não mexe com o materialismo dos dinheiros: o Espírito não tem preço porque a Vida é uma doação, uma graça da Luz no espectro cósmico. Somos uma Poesia que purifica quando transformamos o Saber, simples e humilde, em força geradora da Vida. E então, o Oráculo céltico era versejado pelas druidinas embelezando o rito da práxis espiritualizada.

Como veículo, o sistema kardecista é um gerador de Luz que ilumina a Humanidade: tudo o que precisamos é deixar que os obstáculos se iluminem nessa Luz que percebemos e vivificamos sendo O Peregrino na sua totalidade energética e energizante.

Não podemos permitir que entre uns e outros se faça divisão, somos um Todo - ora, o mal só torna-se aquele obstáculo quando O Peregrino deixa-se vencer pelas dificuldades do seu caminhar: é preciso perceber o cântico das aves que em si reunem o som vário num sorriso musicalmente celestial; é preciso deixar que as asas da Paz se abram sobre o nosso caminhar peregrino...

Ninguém faz o Caminho de Santiago por causa do templo, ninguém vai a Meca, a Fátima, a Jerusalém, ou aos lugares que intimamente considera sagrados, para simplesmente adentrar um espaço físico: é o chamado da ancestralidade no seu Fado renovado que nos leva ao Oráculo amtigo - e, aí, sentimos o Espírito daquel'Outros que fomos, sendo, porque Tudo que é símbolo e templo foi outrora

Oráculo de civilizações que encarnaram O Peregrino,

práxis espiritualizada,

pela benção cósmica dos Espíritos.

 

 

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"...os druidas não aceitavam a dualidade

de bem e mal, mas viam suas próprias vidas

e o universo sendo orientado

por um movimento interno único"

Ward Rutherford

(in "The Druids", 1978)

 

Considero que a Eternidade é aquilo que somos no instante em que sentimos o-algo-que-é-estando, i.e., o Ser rumando para a consciêncoa cósmica, como afirmava Huberto Rhoden.

Houve uma época, bem longe do que considero ter sido a primavera da práxis espiritualizada, na qual os Celtas, já dominados pela Teocracia druídica (=doutrina da Imortalidade da Alma; Transmigração da Alma de um corpo para outro = Metempsicose), substituiram a intuição espiritual pela análise mental, e entre o panteão céltico surgíu aquele conceito do "movimento interno único" - ou, Deus.

Sendo inteligência incorpôrea, o Espírito povoa o espaço que para os materializados é o-algo-invisível, embora a sua ação seja uma ação do pensamento.

Foi talvez isto - e vários historiadores da Antiguidade no-lo expressam, também - que levou o Sacerdócio mágico-esotérico dos Druidas a considerar o-algo-único como deus; e, por essa perspectiva teológica, a maioria dos povos Celtas foram facilmente absorvidos pelo pré-Cristianismo. Percebendo, na evolução teo-social do Oráculo orientado pela druidina, que o Eu é um pequeníssimo limiar, os Celtas buscaram na auto-educação a chave do eu-sou-o-que-não-sou, pois, descobriram que o-Eu-é-corpo-e-é-moradia-de-Outros e, então, sujeito à visitação dos Espíritos.

Dárcio Dezolt, um pensador metafísico e escritor brasileiro, diz-nos que "...quando reconhecemos que Deus É, ficamos cientes de que o 'bem' e o 'mal' não existem", que estamos "identificados com a Mente única" (in "À Luz Do Despertar", Vol.I, Ed. M.Y.S., SP-1996), e isto revela-nos que o Sacerdócio druídico, além de ter influenciado Tebas, deixou marcas profundas nas sociedades européias que se miscigenaram nos velhos mundos africano e americano redescobertos pelos marujos dos Séculos 15 e 16, milênios depois de os povos célticos terem navegado esses mesmos mares

E então, no Séc. 19, aquele "movimento interno único" proporcionou estudos espíritas e, aí, o reencontro com a História de um povo - que era uno e era vário na mesma intuição cósmica: os Celtas. História ainda não totalmente assimilada, apesar dos breves relatos dos antigos e da fabulosa pesquisa d'olivetiana. Só as linhas gerais do ser céltico e do sacerdócio druídico nos foram revelados... não por uma questão de ocultismo, de secretismo, nada disso: os Celtas viviam o-que-é-agora por se saberem ligados aos Espíritos. Com o sistema kardecista melhorou o nosso Conhecimento, porque o Espiritismo é o sistema esotérico enquanto práxis espiritualizada, o que nos permite

Estar-sendo o Oráculo da Divindade que o é em Nós!

No poema Poeta (in Poesia e Seis Contos Dum Baralho Só), que escrevi e dediquei a Drummond de Andrade, duas semanas antes de ele partir para outra peregrinação, refleti: "Esquecer o belo / movimentado no quotidiano é esquecer a vida. Por isso / o poeta não se cansa de cantar as ondas novas que lhe agitam / o pensamento jovem... Yah, ele sabe..." Isso mesmo. Tudo é um instante na Mente que se faz jovem renovando-se n Eternidade do seu Espírito, porque é a "...vida uma aventura errante / De repente, não mais que de repente", como canta(va) Vinícius de Moraes. Eis, pois, que a Vida é uma onda energizante de uma cósmica poética, e ela define o

Estar-sendo o Oráculo da Divindade que o é em Nós!

 

 

(Esta Palestra Segunda foi elaborada entre Novembro de 1997 e Janeiro de 1998,

sob o título o Oráculo céltico e a Eternidade à luz do Espiritismo)