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LEITURA
SOBRE MÁRIO SCHENBERG
À LUZ DE UM POETA ECOLOGISTA
por
Tereza de Oliveira
Conheci o trabalho do cientista brasileiro Mário Schenberg
através das suas pesquisas sobre partículas elementares, apresentado na cidade
japonesa de Kyoto, nos Anos 60; mas foi nos Anos 70, em função das bienais de arte e das
causas ecológicas, que o conheci melhor.
Estou dentro de um avião, e voando para Viena; as estrelas rodeiam-me
como partículas cósmicas numa sinfonia transcendental. Enquanto isso, leio o ensaio (que
é também palestra) Mário Schenberg - a ousadia do Ser que sabia Estar. E bebo um
gole de porto. Sorrio. Pelo subtítulo nem seria preciso perguntar quem é o autor.
O meu amigo e mestre JB... Sempre envolvido numa engenharia literária, como
escreveu sobre ele o professor Francisco Igreja, o mestre João Barcellos
foi buscar um personagem da História brasileira que o apaixonou pelos aspectos
filosóficos envolvidos.
É o que sinto ao acabar de ler Mário Schenberg - a ousadia do Ser
que sabia Estar. De tão belo e profundo, espero que este texto de João Barcellos
chegue rápido às mãos da Juventude brasileira.
Um texto tão apaixonante quanto o personagem estudado. É um pouco
como ler o próprio João Barcellos no seu poético, amoroso e muito
particular existir. Além da pesquisa - coisa que JB sempre faz informalmente, e
que sempre impressiona outros pequisadores pela profundidade que ele atinge, e por isso
vira referência - ele toma como alicerces paralelos os poetas Sidônio Muralha,
companheiro de Schenberg, Thiago de Mello e Fernando Pessoa, além de
um cântico anônimo extraído dos Manuscritos do Mar Morto. E não poderia ser de
outra forma, porque a universalidade da obra schenbergiana, como ele escreve, é
como a Ciência ecológica: Tudo se relaciona com o Todo. Traçando (e permito-me utilizar
aqui esta expressão - traçando - tão cara ao meu amigo e mestre) o perfil
schenbergiano embasado na apetência filosófica de pôr a Ciência, no geral, como
instrumento do Progresso e não da voracidade destruidora das política bélicas e
econômicas. Existimos e transportamos em nós os deuses que a sobrevivência nos
impõe, por isso, de alguma maneira, somos espirituais e somos políticos. Esta é a
belíssima homenagem de JB à humanidade tão vivida e tão exemplarmente oferecida
ao mundo por Mário Schenberg.
Às vezes, as pessoas perguntam-me a idade do meu amigo e mestre João
Barcellos, e eu digo, rindo: 40 anos mais novo! Eu tenho 83, estou em 1997, e continuo
aprendendo com esses jovens que, como ele, fazem da Poesia a ponte para o Progresso que
deverá ter como base a Mentalidade Aberta e Crítica. Por isso, repito: a leitura de Mário
Schenberg - a ousadia do Ser que sabia Estar é também uma leitura sobre o
próprio João Barcellos. Aliás, é fácil avaliar isto pela leitura da Carta
Eco-Política De Um Poeta Amoroso um dos melhores textos de JB entre os muitos
que li ou analisei.
Bebo mais um gole de porto. Apetece. Um prelúdio ao concerto da
Vida que nem sempre nos aguarda em cada esquina, em cada aeroporto. Sinto este gole
espiritual como um brinde a Schenberg e ao jornalismo cultural de João
Barcellos (que é o que ele mais faz e prestigia), um mestre respeitado por muitos
mestres. E como é bom ter amigos assim... (Tereza de Oliveira, poeta e crítica de
arte) |
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O Poeta, O Cientista E Eu
Habituada à escrita técnica, nem me atrevo a olhar uma página em
branco, a não ser que se trate de uma curta reportagem ou de uma breve opinião e na
maior parte dos casos à margem dos relatórios de pesquisa.
Em conversa telefônica com o escritor e conferencista João
Barcellos, em São Paulo, soube, em linhas gerais, de seu trabalho acerca de um
cientista e crítico de arte muito querido: Dr. Mário Schenberg. Um mestre
uspiano. Fiquei entusiasmada. Em razão do meu trabalho raramente vou em minha casa, na
Granja Viana, onde tive vários e bons momentos de erudita conversa com João Barcellos,
por isso, quando recebi a sua ligação fiquei contente. Ao saber do trabalho sobre o
Dr. Schenberg, ainda mais. Parecia que dentro de mim renascia o espírito do
jornalismo internacional que fez de meu pai um militante da imprensa investigativa. E dei
comigo a escrevinhar uns garranchos. Como?! Foi uma conversa de cinco minutos... Me dá as
informações sobre a palestra porque nessa noite estarei ocupada com meus alunos, pedi. E
eu, Joane dAlmeida y Piñon, tomada por uma raríssima febre: escrever,
escrever, escrever. O engraçado é que não era só sobre o Dr. Schenberg, senti
que havia muita coisa pelas palavras do João Barcellos, esse intelectual luso que
conheci em uma conferência que ele dirigiu sobre Poesia, na PUC, em São Paulo, com
recital poético de Fernando Muralha. Fui lá convidada por uma amiga muito
querida, aliás, contemporânea de Mário Schenberg: a artista plástica Tereza
de Oliveira, que foi minha professora de artes. No dia da palestra recebi, por fax, o
texto do escritor, e no dia seguinte as informações sobre o evento. Enquanto dissertava
sobre Física Teórica, para meus alunos, lembrava-me do Dr. Schenberg e da pintura
literária que o escritor luso produziu em seu texto. Escrever, escrever, escrever. Era
uma ordem dentro de mim. Li, para mim, e depois para os dezesséis alunos que estavam em
meu apartamento, o texto Mário Shenberg a ousadia do Ser que sabia Estar. E
eles, os alunos, aplaudiram. Queremos cópia disso aí, professora, pdiram eles. Era isso.
Aquela profundidade que eu tinha sentido na curta exposição que o meu amigo escritor fez
para mim ao telefone. Não era um texto qualquer: é a análise e um intelectual habituado
ao non sense das coisas precárias (aprendi com ele a usar este tipo deb
expressões). E ele utilizou na pesquisa o mesmo processo que pude apreciar na palestra Os
Celtas e no opúsculo O Peregrino, ou seja, a dimensão humana do "todo
cósmico" que envolve a todos nós. Disso, o Dr. Schenberg foi um paradigma. O
poeta João Barcellos sabia que ía encontrar isso na "obra
schenbergiana", o que eu não poderia imaginar é que ele iria produzir em uma dúzia
de páginas o que muita gente faz em cem ou mais páginas!
Escrevo com a caneta-tinteiro que meu pai me ofereceu há dez anos,
quando entrei para o Clube dos Quarenta. E escrevo, escrevo, escrevo. Será verdade? Só
mesmo um trabalho sobre Mário Schenberg sob a ótica poético-filosófica de João
Barcellos para eu saudar, assim, meu velho e bom pai. Ele, que me dizia: natal é
todos os dias. Esta minha escrita, de agora, talvez seja mesmo um natal: os meus alunos
aprenderam mais sobre o Dr. Schenberg, na minha leitura do texto de João
Barcellos, que em anos de universidade. Mas poucos sabem mexer tão fundo com o
Pensamento dos outros... Obrigada, João! Joane dAlmeida y Piñon
(física/psicóloga). |
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I
Daquela antiguidade que conhecemos
como o início daquilo que somos,
já os homens,/ como cantava Sidônio Muralha,
não falavam de saudade,/ mas simplesmente
levantavam/ uma canção à liberdade.
(in Companheira Dos Homens)
Há anos atrás, lembro-me, alguém falava que entre a loucura de
cientistas e militares sempre há poetas espreitando o futuro, porque cientistas e
militares também são poetas... Lembro, também, que um dos primeiros poemas que
escrevi tratava da distância que o som do trem sobre a estrada de ferro transmitia em
minh'alma. Distância que ecoa até hoje... E por isso continuo espreitando entre a
indústria pesada das marias-fumaças e a indústria leve da coisa virtual -
um atrevimento que me custou caro algumas vezes, pois, a Sociedade não tolera o poeta que
revoluciona-se revolucionando...!
Pensei em tudo isto quando o ecologista W. Paioli apresentou-me
ao físico e também ecologista Mário Schenberg.
Era uma fotografia. Pior: um desenho a bico de pena!
Estavamos nos primeiros tempos dos Anos 90 e a Terra era o centro das
atenções na Conferência do Rio. Ali, ninguém lembrou a pessoa (nem os atos) de Mário
Schenberg, mas para W. Paioli e a Associação Mundial de Ecologia (AME)
- em Cotia, na Grande São Paulo -, Mário Schenberg não é somente lembrança: é
referência e incentivo para estudos científicos e culturais.
II
O que é viver? Repito a vocês que ... é ter o gosto da vida,/
amar o furtivo, e o claro/ é achar doçura nos lances/ mais triviais de cada dia... Assim
canta(va) o poeta Thiago de Mello (in Faz Escuro Mas Eu Canto, Edit.
Civilização Brasileira - 1966) para alertar-nos que Sou: estou e canto. Acho, sem
querer entrar na gratuidade dessa vã filosofia do achismo, que estes versos
homenageiam Mário Schenberg.
III
Mas, quem foi Schenberg?
Nasceu em Recife (1914) e morreu em São Paulo (1990). Catedrático na
disciplina de Mecânica Superior e Celeste, na Universidade de São Paulo (USP), operou
pesquisas sobre Eletromagnetismo e Gravitação; desse trabalho nasceu o grupo de Física
da Matéria Condensada, na USP, como recorda Henrique Fleming (in revista Estudos
Avançados, Vol.8, Nº22, Pág.529 - USP), que muito viria a contribuir para a
Ciência brasileira. E não só: Mário Schenberg está na galeria dos cientistas
internacionais, assim considerado pelos seus pares.
Casado com a artista plástica Lourdes Cedran, o cientista
observava a Arte com o mesmo compromisso social e cultural que exigia de si mesmo em
relação à coisa exata: o abstrato e o poético estavam na sua quotidianeidade
filosófica. Se nos Anos 60 era já um cientista tido como referência mundial, no mesmo
período virou também crítico d'Arte formando opinião no quadro do objetivismo
naturalíssimo.
Schenberg era, como afirma o amigo e companheiro W. Paioli,
humanitarista e defensor das questões ecológicas, propagador de princípios um tanto
raros em cientistas modernos e quase totalmente inexistentes nos políticos faraônicos (in
Gazeta De Cotia, Nº307, Out.1997).
Lutzenberger afirma, quanto à percepção de harmonias,
que ...necessitamos inverter a dessacralização da Natureza. Nossa cultura atual
alicerça-se num erro filosófico ( ) Enquanto que no idioma hindu não existe palavra
para designar ( ) "profano", para o silvícola animista tudo é sagrado e, para
o budista, Deus e Natureza são a mesma coisa - nós, na Cultura Ocidental, fazemos
questão de excluir de nossa ética tudo o que não se relaciona com o Homem (in Manifesto
Ecológico Brasileiro, José A. Lutzenberger, pp 78 e 79; Ed. Movimento, Porto
Alegre/RS, 1976). Dentro desta visão, Schenberg foi um agitador: um sereno
agitador... A arquitetura dos índios também é monumental ( ) nenhuma arquitetura no
mundo é tão ligada ao corpo, disse o cientista e crítico d'Arte em entrevista (in Pau
Brasil, pp 35 a 42, Jul-Ag/1984) no mesmo instante em que denunciava publicamente o
acordo para uso de energia nuclear entre alemães e brasileiros.
Mário Schenberg era um cientista atento à História e à sua
Quotidianeidade.
... a tecnologia nuclear ( ) pode conduzir à destruição da
Humanidade ( ) os cientistas começaram a estudar novos aspectos disso, como a
alteração das condições ecológicas. O problema foi levantado por um soviético nos
Estados Unidos, tanto que o Vaticano convocou uma reunião da Academia Pontifícia de
Ciência ( ) Falaram sobre o chamado "inverno nuclear", um perigo que ( )
ninguém tinha compreendido claramente. Se houver uma guerra nuclear em grande escala
haverá uma alteração climatológica total com a formação de cinzas e outras
partículas ( ) Não vai ser a radioatividade o elemento da destruição. Serão as cinzas
e partículas que irão impedir a entrada da luz do sol ( ) Por isso, o fenômeno se chama
"inverno nuclear" Calcula-se que a temperatura vai cair a -50ºC. No Brasil ( )
cairia para -25ºC liquidando florestas, fauna e agricultura... ( ) em 1815, houve uma
grande queda de temperatura na Europa e coincidiu com grande erupção vulcânica. A
temperatura caiu a -25ºC... Mas há outras coisas aparentemente menos visíveis que
impressionam menos, como o Efeito Estufa..., alertava ele na mesma entrevista. Não
foi por acaso que os governantes reuniram-se no Rio de Janeiro, em 1992, e em Kyoto, em
1997 - Kyoto, a mesma cidade japonesa onde ele representou o Brasil em 1965 na
conferência sobre Partículas Elementares - discutindo precisamente a emergência destes
assuntos!
Desta massa intelectual e humanitarista era feito Mário Schenberg.
Conhecia como poucos o seu mundo - que é o nosso mundo atual, porém,
mais triste, mais azedo... - e opunha-se às pancadinhas nas costas porque o Ser é
quando sabe Estar fazendo do meio em que (sobre)vive um lar de Felicidade e de
Cultura. Devemos dizer sim e não quando as circunstâncias assim o exigem. Assim era Schenberg.
Meias palavras ou meias medidas não faziam parte do seu universo
humaníssimo.
A professora Elza Ajzenberg, que coordena o Centro Mário
Schenberg, na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo
(USP), diante do perfil de cientista e de crítico d'Arte diz que ele era um ...um
pensador de longas e ricas correlações (...) um planejador de um mundo de raizes
arcaicas, e ao mesmo tempo vanguardistas e, acima de tudo, muito próprias. Ao lado desta
trajetória, é o promotor de artistas (...) o devoto descobridor de talentos (in Mário
Schenberg - Arte e Ciência, p. 148, edição Centro Mário Schenberg de
Documentação de Pesquisa em Artes, USP-1996).
Nesta particularidade, mais uma vez o cientista mostra-se como o Ser
que sabe Estar assumindo o seu meio sociocultural, mesmo que opondo-se às fachadas
ideológicas - as mesmas que, em 1947, lhe cassaram o mandato de Deputado Estadual com o
qual representava o Partido Comunista, em São Paulo. Acusado de subversão, foi preso em
1948. Era já o professor catedrático de Mecânica Racional, Celeste e Superior, da USP,
e também o cientista que, em 1941, havia criado com Chadrasekhar o famoso Critério
Schenberg-Chadrasekhar sobre a evolução estrelar na sequência principal... A
sua prisão e consequente exílio - ele retornou em 1953, da Europa - significaram um
atraso considerável na Ciência e na Crítica d'Arte brasileiras: o que só não foi
pior, porque ele, que se considerava um exilado no próprio país, continuou as
suas pesquisas no estrangeiro! É interessante notar, ou anotar, que em 1962 elegeu-se
novamente Deputado Estadual, pelo Partido Trabalhista Brasileiro, mas foi novamente enxadrezado
em 1964 durante o Golpe Militar ultramontado.
Democrata, anti-fascista, Mário Schenberg foi o Ser Humano
amplamente vivido sob um roteiro mais filosófico que ideológico, mas genuinamente
político na sua auto-condução cuja Liberdade lhe impunha um único limite: jamais ser
vencido! A sua Vida foi uma proposta que poucos aceitam: Viver vivificando e, aí, fazendo
da Luz que nos anima um passo mais na Arte que somos ou podemos ser...
Em seu discurso, na passagem dos 70 anos de idade, em 1984, afirmou que
...As pessoas estão acostumadas a pensar apenas na coragem física. Mas não existe
só a coragem física, há também a coragem intelectual, pois sem ela é impossível
fazer uma ciência de alta qualidade. É preciso ter coragem de fazer uma coisa que
pareça absurda, que aparentemente contradiga as leis existentes (...) tudo que é novo
aparece aos olhos dos antigos como coisa errada. É sempre nessa violação do que é
considerado certo que nasce o novo e há criação (in Perspectiva Em Física
Teórica, Org. do Prof. Alberto Luiz da Rocha Barros, IF-USP/1997). Ora, foi
isto que os seus tenazes perseguidores políticos não aceitaram: eram e são velhos de
mais para encararem o novo que o espírito intelectual livre transporta em todas as
ações, mesmo na rotina do dia a dia. Nunca os nazi-fascistas iriam tolerar que um Ser
Humano de importância cultural e científica, como Mário Schenberg, se tornasse
bandeira da Liberdade do Pensamento!...
IV
Não quis saber de panelinhas políticas e sociais, ou mesmo
universitárias: opôs-se ao Acordo Nuclear Brasil-Alemanha, coisa de interesses
internacionais, como opôs-se à instalação de um Aeroporto na Reserva Florestal de
Morro Grande, em Cotia, coisa de interesse regional.
E tudo isso ele tratou na sua característica de sereno agitador.
Mário Schenberg tinha consciência plena da Terra que habitava
e do sentimento de preservação que era e é preciso inserir na Cultura de Massas que
serve o Poder.
Não era um tecnocrata. Era, sim, um cientista de consciência
democrática, um coração aberto às causas sociais que tanto precisam da parceria dos
que partilham a natural humildade do Saber. Ora, ele sabia que os povos das florestas
resistiram a tudo ao longo de milhares de anos não porque tivessem uma Cultura artificial
mas por viverem, integralmente, a Cultura da sobrevivência na harmonia com a Terra. Por
isso, Schenberg não se permitíu pôr os conceitos mercantis do seu tempo à
frente do espectro social do Saber. Não poderia ser um tecnocrata ou um mero investigador
universitário. Foi, na plena concepção do termo, o cientista!
Opôs-se à consciência tecnocrática, que é a menos ideológica de
todas as ideologias, porque o fito daquela, como escreve o português Prof. Manuel Reis
...é precisamente o de eclipsar e abafar as últimas questões práticas que poderiam
constituir o rastilho da subversão (in As Máscaras De Deus..., p. 133,
Estante Edit. - Portugal, 1993). O que se entende, aqui, por questões práticas?
Precisamente o gesto e o ato de artistas, cientistas e escritores que, sem pantufas,
dimensionam a partícula que somos do Cosmo e expõem as verdades - essas verdades
que em si carreiam a subversão social e cultural! Por isso, um tecnocrata é um alguém
quase sempre situacionista. Mário Schenberg, como crítico que se alimentava da
crítica e do experimentalismo (científico e social) não poderia conviver com essa
mediocridade...
Dos grupos em que se inseria, recordo aquele onde passaram W.
Paioli, Piero Luoni, Dalmo Dallari, Sidônio Muralha, José A. Lutzenberger, Ernesto
Zwarg, Aziz Ab'Sáber e outros, e de onde nasceu a semente que ergueu a Associação
Paulista de Proteção à Natureza, em parte, raiz do atual Manifesto do
Fraternalismo, obras sempre inacabadas porque a Humanidade e a Terra são um eixo em
permanente mutação.
A Ciência não pode consertar o mundo, dizia ele, mas poderá,
e muito, ajudá-lo na conscentização para a problemática Terra-Humanidade, digo eu. E
foi precisamente neste enquadramento sociocultural, científico e político, que Schenberg
atuou.
O seu trabalho não é um exemplo só para a Ciência e a Política
brasileiras, é um exemplo para o universo humano, por ter transformado questões da
Ecologia em peças didáticas para uma estratégia pedagógica que tem como oposição a
Tecnocracia bestial alimentada pelo Poder instituido... Espera-se que não seja preciso um
holocausto nuclear para que entendam a palavra e a ação de Mário Schenberg!
O religioso D. Helder Câmara, em sua veia poética e vieiriana,
diz-nos, cantando: ...sou cidadão (...) ligado a todas as estrelas, a todas as águas,
a todas as pedras, a todas as plantas, a todos os animais. Aos espaços e aos vazios, à
luz e à sombra, ao ruído e ao silêncio. Neste cântico telúrico encontramos o Ser
e a Obra schenbergianas, porque como ele mesmo sabia do poema de Sidônio Muralha,
... esquecer não esqueço,/ Se caráter custa caro/ pago o preço!
Destas realidades do sobre-viver fez Mário Schenberg as
fontes de referência onde bebeu o humanitarismo que lhe foi tão peculiar, e
sempre saudado por seus companheiros de luta ecopolítica, artística e científica.
Somos o que queremos ser nas circunstâncias que nem sempre nós
fabricamos, ou formulamos, daí que somos a pedra do cais da Humanidade em busca do humanismo
que parece perdido no binômio bem-mal. Na essência da Obra schenbergiana
encontramos a demanda sociocultural pelas luzes do progresso humano.
Ele passou a ser, na sua busca de novos talentos artísticos, um
Crítico d'Arte que expunha e se expunha com toda a nudez do Pensamento. Era o analista
que personalizava o Amanhã nos atos desenvolvidos no Hoje, porque ele simbolizava aqueles
dois instantes e o Ontem - ou, como ele dizia: A crítica tem de mostrar o que não
pode ser idealizado agora, que a próxima geração idealizará (...) importante (...)
não é julgar no sentido comum, quer dizer, comparar uma coisa com as idéias existentes
e ver se essa coisa é boa ou ruim à base das idéias existentes - isso é castração de
coisa nova (...) o processo, de certo modo, é contrário, é não julgar, é aceitar a
coisa e pensar como é que ele poderá ser idealizado depois (in entrevista à Folha
de S. Paulo, Dez.-1977). Eis aqui aquele pensador de largas e ricas correlações,
como constatou Elza Ajzenberg.
No vivenciar a Vida encontrou a Magia da intuição que, em todo o
percurso, lhe foi a chave e a visão pelo Descobrir dos mundos científico e artístico e
humano que o rodeavam.
Aquilo que hoje denominamos como Ecologia Humana deve-se muito
aos poucos seres que, como Mário Schenberg, dimensionam e redimensionam a
Humanidade no seu berço cósmico - a Terra.
Por isso, a Obra schenbergiana não pode ser lida à luz do
Brasil mas à luz do Universo.
Por isso, Encorajando - aquele poema de Sidônio Muralha, cai
como uma luva no perfil schenbergiano...
e a quem tiver sede oferece a canção
do futuro sem grades e dos homens sem dono.
V
Nos manuscritos encontrados
nas cavernas de Qumran, no Mar Morto,
nos Anos 40, há um poema que diz
E vós, filhos dos homens, ai de vós!
Pois ele (o homem) brota de seu solo como a grama,
e sua graça floresce como uma flor.
Sua (gl)ória voa para longe...
e o vento carrega sua flor...
(in The Dead Sea Scrolls In English, de Geza Verme - 1995)
Há uma poética na trajetória vivida pela arte schenbergiana
de Ser e d'Estar que transcende a contemporaneidade sociopolítica. O seu espírito
companheiro está na ação dos poucos cientistas que tratam a Ciência como
ferramenta do Progresso de todos, e na ação dos ecólogos, que tratam a Ecologia como
horizonte de luta cultural pela preservação da Terra.
É a poesia da Vida!
Ninguém nunca pensou no que há para além/ Do rio da minha aldeia,
canta(va) Fernando Pessoa (in Athena, Nº4, Portugal-1915). Pois, é
o que apetece dizer do mundo moderno quando faço uma leitura breve, mas apaixonada, sobre
o gênio e o humanitarismo de Mário Schenberg.
Como poucos, ele sabia que a flor telúrica que a sua vivência
representava era feita do mesmíssimo e belo pó cósmico das estrelas que
pesquisava, e quis, em humilde humanidade!, não ser a vã glória da flor esquecida em
seu próprio existir - quis, isso sim, viver a Vida, ter a graça da Natureza que lhe era
nave no caminhar pela Luz cósmica.
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MÁRIO
SCHENBERG
breve tábua cronológica
1914 - Nasce em Recife (Pernambuco), a 2 de Julho.
1926 - Dá apóio à movimentação polimil da Coluna Prestes.
É um "sereno agitador".
1934 - Publica "Os Princípios Da Mecânica", pesquisa
científica (USP).
1935 - Forma-se Eng. Eletricista pela E. P. da USP.
1936 - Publica na Il Nuovo Cimento (Itália) o seu trabalho
acerca da "Eletrodinâmica Quântica". Nasce o físico
teórico.
1937 - Pesquisas em Astrofísica, com G. Gamow.
1941 - É criado o "Critério Schenberg-Chadrasekhar" sobre
evolução estelar.
1947 - Deputado estadual, eleito em São Paulo pelo PCB, e logo
cassado por ser um político de idéias livres.
1953 - Retorna do exílio na Europa.
1958 - Primeiras manifestações em Crítica d'Arte.
1961 - Inicia suas atividades junto da Bienal das Artes
e representa os Artistas.
1962 -Elege-se novamente deputado estadual mas é logo cassado
pelo T.E. acusado de ser "comunista".
1964 - Cassado pelo Golpe Militar ultramontano.
1965 - Representa o Brasil na conferência de Kyoto (Japão)
sobre Partículas Elementares.
1969 - Os militares afastam-no de toda a atividade política e
universitária.
1977 - Participa de atividades contra o uso indevido de Energia Nuclear
e denuncia o Acordo Alemanha-Brasil. Ativista ecopolítico da APPN.
Denuncia, com a APPN, o projeto de instalação de um aeroporto
na Reserva Florestal de Morro Grande (Cotia-Grande São Paulo).
1979 - É reintegrado à USP.
1983 - Prêmio de Ciência e Tecnologia.
1986 - Cidadão Paulistano.
1987 - Professor Emérito da USP.
1990 - Dia 10 de Novembro: morre em São Paulo o "sereno
agitador" e
cidadão do mundo Mário Schenberg.
1990 - É criado, pela Escola de Comunicações e Artes (ECA), da USP, o
Centro Mário Schenberg de Documentação da Pesquisa em Artes.
1997 - (Novembro) - A Associação Mundial de Ecologia (AME), o
jornalista W.Paioli e o
escritor e editor português João Barcellos, prestam homenagem a
Schenberg
durante o lançamento doManifesto Ecopolítico
"Fraternalismo",
em São Paulo, no auditório da Cetesb e com apóios da
Secretaria de Estado do Meio Ambiente e da American Mobile Medical
Assistance.
1997 - (Dezembro) - Palestra de João Barcellos sob o tema
"Mário Schenberg - a ousadia do Ser que sabia Estar", junto
com W. Paioli,
no Espaço Mizar Cristal (Cotia-Grande São Paulo). |
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FRATERNALISMO
Cultura e Sobrevivência
entre Nós e a Terra
01
Diante do esboço da mais nova doutrina
ecopolítica encontro-me sob uma questão que é pedra-base da Ecologia, no quadro
social e filosófico do Brasil e do mundo: Fim Do Futuro? Ora, este foi o título
escolhido pelo cientista José Lutzenberger para o Manifesto Ecológico
Brasileiro.
Ele sabia, como sabiam Mário Schenberg e Waldemar Paioli
e Aziz Ab'Sáber, entre outros - sempre os mesmos poucos que fazem a força-motriz da
Consciência Humana!, que a Humanidade não sobreviverá ao holocausto da anti-Cultura
que fundamenta os crimes contra a Natureza.
Considerando que os processos civilizacionais mais não fazem
que arrancar os seres humanos à Natureza para os projetar e implantar na cultura, como
observa o português Manuel Reis, professor e pensador (no seu livro As
Máscaras De Deus...), eis que, diz José Lutzenberger, ...a economia humana
é um aspecto parcial da economia da Natureza.
Os governantes, e isso não é de agora!, gostam de brincar de
esconde-esconde nos assuntos referentes ao berço que sustenta a Humanidade - isto é: a
Terra. Por outro lado, a maioria dos intelectuais e artistas - e coisas como a
fascização da Sociedade têm fonte aí, também - calçam pantufas diante e sob esta
problemática tão ligada à Cultura quanto a fome à má administração dos recursos:
julgam-se, tal como os governantes e demais políticos, acima da Natureza, porque a
sobrevivência é-lhes mais forte do que a preservação da Terra. Esquecem que a Terra é
berço e é estrada, condição sine qua non para aquela sobrevivência.
Atualíssima, a questão Fim Do Futuro? é tão socialmente uma
questão de Cultura como a mais bela obra artística.
Por um lado, e já nos lembrava o cientista Mário Schenberg, a
ciência não pode consertar o mundo; por outro lado, o ecologista e jornalista Waldemar
Paioli sistematizou no Fraternalismo - uma doutrina social para a Eco-Democracia
em gestação desde os tempo da Associação Paulista de Proteção à Natureza (APPN),
que virou Associação Mundial de Ecologia (AME) - a Verdade nua e crua que o filósofo Matin
Heidegger por várias vezes expôs: ninguém é sem saber estar. Assim, como
afirma aquele ecologista, ...o escopo ( ) do Fraternalismo ( ) é o equilíbrio total,
a paz, a justiça, o bem estar físico e espiritual dos povos, porque o
desenvolvimento material é apenas parte do todo!
02
Nos finais dos Anos 60 o escritor e pensador latino-americano Silo
(Mário Cobos) fundou o Movimento Humanista tendo por base o Ser
Humano e suas possibilidades de mudança pessoal e de transformação da situação de
sobrevivência dentro do conceito oriental da não violência ativa; era e é a
luta contra a estupidez do salve-se quem puder. No caso do Fraternalismo,
que nasceu dos ideais humanitários lançados nos Anos 70, está em jogo tudo o que o Movimento
Humanista defende, mas vai mais longe: defende a conscientização social através
do ato cultural ativo como forma mais eficaz de levar o Ser Humano a saber de si e do
Todo numa correlação fraternal de conhecimentos que não deixa a Terra em segundo ou
terceiro planos, sim, em plano de igualdade.
A disputa da supremacia territorial e humana é tão antiga que, dos
Celtas, originou-se o herman (o chefe guerreiro). Mas, estamos no Brasil. Recordo,
pois, a guerra secular, entre outros exemplos, que destrói os nativos Carajás e Caiapós
- uma guerra de vida e de morte promovida por esses inimigos irreconciliáveis que
propagam um ódio profundo e inextinguível ( ) de geração em geração, como
comentou J. A. Leite Moraes no Apontamentos de Viagem - livro que retrata a
sua expedição à Amazônia em 1880. Muito antes dele, em pleno Séc. 16, ainda as velas
enfunadas nas caravelas quinhentistas..., o alemão Hans Staden descreve(u) esse
ódio no livro primeiro sobre a Insulla de Brazil, ou Brasil, publicado em Essen, e
tratando particularmente dos nativos Carijó que ajudaram os colonizadores
brancos, assunto que eu recordo em meu ensaio e livro De Costa A Costa Com A Casa
Às Costas. Por tais razões Waldemar Paioli diz, no Manifesto do
Fraternalismo, que A morada Terra é o nosso lar transitório ( ) Organizados em
grupos, tribos, povos e raças, somos compelidos a viver e a conviver de acordo com
sistemas e convenções. Sem dúvida, a cidade-estado surgiu na África
embasada nesse conceito, mas a Humanidade transporta em si algo da barbárie, da
submissão ao egoísmo e à luta do poder pelo poder; daí que esta doutrina
ecopolítica denominada Fraternalismo tenha no seu escopo uma vertente d'ação
primordial: a Cultura!
O escritor Balzac disse que a resignação é um suicídio
cotidiano. Ora, é contra esta resignação que dá poderes aos medíocres que pululam
nas políticas, nas culturas e nas igrejas, que o Manifesto do Fraternalismo
expôe-se como advertência e como ferramenta de um novo ideal.
E retorno ao português Manuel Reis para vos dizer que Nunca,
historicamente, tanto se terá falado de Democracia... nunca tanto o cidadão anônimo se
víu afastado e repelido, pura e simplesmente ignorado pelos centros do poder instituido (
) Pulverizou-se toda a espécie de transcendência. Quando consegue estar vigilante, dirá
que Democracia, para si, não passa de ilusão, miragem e embuste!... Isto põe-nos
diante do sistema ordem-desordem que edifica a nossa Civilização - um sistema anti-Fraternalismo.
Por isso, defender e divulgar um ideal e uma ação como os propostos pelo
Fraternalismo é, antes de tudo, exercer a Cidadania assumida sob uma conduta de Cultura
consciente!
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e um ecossistema simples pode ser formado, por ex., pelo
conjunto árvore-meio, já aí sabemos que a árvore assume a energia que
recebe do sol e combina-a com os minerais do meio, isto é, do solo, produzindo a fotossíntese
que lhe forma os tecidos da sobrevivência - e, deste conjunto, liberta-se no espaço, ou
no meio, uma outra energia: a da respiração da própria árvore. Então, energia
e fluxo de nutrientes são a plataforma de tudo o que vive e sobrevive na Terra. Ora,
aqui nasce, vive, sobrevive e morre o Ser Humano... Nós!
A interação entre as espécies, o meio e o processamento da
energia pelo ecossistema, é ainda algo muito obscuro para o Pensamento humano, em
geral. Daí que o conservacionismo, enquanto práxis de uma Política mais
avançada, não seja ainda a linha d'ação fundamental para a defesa da Terra.
É preciso que a esse precário esforço político junte-se uma ação
de Cultura ideologicamente balizada entre a Ciência e o Desenvolvimento Sustentado, mas,
a partir da microeconomia e não da macroeconomia, como vem sendo feito!
É preciso que os moradores de um bairro, em uma determinada cidade,
saibam que os seus atos ecoam em outros bairros - na cidade como um todo - e daí até
esferas mais altas da administração local e global; mas, isso só acontece se esses
moradores souberem que deles depende, em ações conscientes, o Desenvolvimento Local
Sustentado.
Que adianta falar de Ecologia entre ministros e universitários e
cientistas se na escola do bairro nem os professores sabem que uma árvore também
respira?...
É preciso que, no âmbito de uma Cultura desengajada dos sistemas
politiqueiros, forme-se um sistema de Educação e um Professorado que
realimentem a Ciência do sobreviver através do Desenvolvimento Local Sustentado.
Eis aqui a importância da cidade-ecológica (ou eco-cidade),
talvez a grande bandeira do Pensamento e da Cultura que poucos souberam expressar até
hoje...
É preciso dizer ao mundo o que somos, que ninguém conserva a Natureza
quando não se sabe o que é a Natureza e que dela depende a Humanidade. Aqui, Fraternalismo
é a palavra-chave. Se a árvore sobrevive do impacto harmonioso em determinado meio,
Nós existimos em função dessa harmonia físico-química, porque temos todo esse ecossistema
como berço e como alimento. Desiquilibrar agressivamente esta relação, como vem sendo
feito, é aplaudir a morte lenta no seu efeito mais cruel: o fim da Humanidade!
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É preciso que nesta ergonomia, isto é, neste desenvolvimento
integrado de meio, seres e tecnologia, consigamos ser poetas o suficiente para
sonharmos com o Futuro - e o sonho, essa quimérica essência da Humanidade, só é
possível hohe, porque o ontem e o amanhã são estágios do que foi e do que será: e
Nós estamos aqui, hoje, e somos!
É preciso dizer que outra Ecologia: a Ecologia Humana, porque
das circunstâncias várias que formam os tecidos da nossa cotidianeidade resultam a Bestialidade
da ação anti-Terra ou a Harmonia entre Nós e as condições (físico-química e
biótica) do meio que respiramos.
E tudo isto é, antes de mais, Cultura!
Defendemos a ética da Terra pelo equilíbrio dos ecossistemas
naturais e o equilíbrio social estável; o Fraternalismo é uma doutrina ecopolítica
que deseja o eixo Terra-Humanidade como centro da partícula que somos no Todo cósmico.
Entender isto é entender, culturalmente, que só somos quando sabemos estar...! |
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