REFLEXÕES EM TORNO DE PESSOA
|
falar de e sobre a obra
pessoana
é mergulhar
em um universo de vera fé
na cidadania
como se a cada instante do todo humano
a divina alquimia
reapareça com diversas máscaras
e nesta leitura que faço sobre a letra cheia e os ocultos dizeres
dos espaços entre elas
sobrevive a mística do eco que cada poeta é
dos outros em si-mesmo
e deste meu encontro com a heteronímica
do portuguesíssimo poeta lisboeta
eis a fala do estar
do ser
o heideggeriano conceito do sobreviver espacial
com a mescla telúrica-cósmica
bebida na taça esotérica em contato de grau especial
como se um picasso e um freud no limiar do todo
e eis-me
eu
cantando esses ocultos dizeres
da obra pessoana
como leitor e como criador
e acredito que
as interpretações do eu que sou
são linhas transcendentais da portuguesa universalidade
sempre além do umbigo
ora este estar-sendo é o esteio filosófico
que me faz cidadão do mundo
e me deixa cantar a obra pessoana |
O
sonho é ver as fórmas invisíveis Da
distancia imprecisa e, com sensiveis
Movimentos da esprança e da vontade,
Buscar na linha fria do horizonte
A arvore, a praia, a flor, a ave, a fonte
Os beijos merecidos da Verdade.
in Horizonte
REFLEXÕES EM TORNO DE PESSOA
Os silêncios da criação
Salazar
Um maçon? Ou um ser de apetência espiritualmente
ocultista?
Crônica de um fax algo estranho
O tradutor-intérprete d'ele mesmo
O empresário-administrador de vôo rasante
A visão pessoana em torno de Fernão de Magalhães |
 |
Os silêncios da criação
a linha cósmica criadora de uma poesia que revive nas novas
gerações
o criador do espelho envenenou a alma humana
- Bernardo Soares
A admirável presença do silêncio é o mais completo e complexo
instante de Criação que o Ser Humano pode atingir.
E o que é a admirável presença do silêncio?
Um espelho? Não. É o pensamento e o sonho dinamizando uma Existência
particularíssima - talvez, uma conjugaçao astrológica definidora de um Algo humano; de
um outro ser/dever em exposição que não a habitual...
A linguagem do silêncio é uma língua-eixo: a partir do pensamento,
lúdico ou não (mas quase sempre lúdico porque em Criação), a personalidade
multiplica-se transformando e transtornando positivamente um todo (o Eu e o que lhe é
exterior).
É a Criação do intelecto em plena Liberdade!
Como naquele dizer aristotélico, o homem cria os deuses à sua imagem
e, digo eu, os manipula sempre levianamente.
Quando nos deparamos com o Tempo e o Espaço - que só o são para a
humaníssima realidade! - no existir de um Algo chamado Fernando Pessoa, somos assaltados
por uma língua-eixo que nos transporta para um jogo cujo espectro "fornece um
retrato de nós mesmos onde até mesmo o nosso meio é representado como função em
potencial do nosso ser. Através desse instrumento, podemos reconhecer como somos
estruturados, inclusive partes importantes do nosso meio, o que poderá nos levar
gradativamente a uma maior liberdade" (1); há, pois, uma concepção de Vida
alimentada no (re)conhecimento da simbologia ocultista e da astrologia... Fernando Pessoa,
ao repudiar o espelho físico - o espelho vulgar - adquiríu uma dignidade diferente ante
o seu Eu instruindo em Si-mesmo uma Existência, também ela diferente porque exterior ao
compacto anti-filosófico do comum ir-vivendo.
E como pode o poeta fingir diante de um espelho?
Se o companheiro e poeta Mário de Sá-Carneiro víu num espelho a
Verdade da hora fatalmente física, ele - Fernando Pessoa, já muito antes disso havia
determinado que a sua vivência seria reflexo de "uma maior liberdade", tendo em
conta a admirável presença do silêncio balizado por um Tempo e um Espaço tão
mistificados quanto Ele-mesmo.
Sabemos que "Nossa consciência normalmente não se encontra no
centro, mas na periferia. Experimentamos a nós mesmos da forma mais drástica e intensa
através do contato com o mundo externo" (2), permitindo isto, ao intelectual e ao
poeta, mas particularmente a este, uma viagem surpreendente no Cosmo: porque no Cosmo
estão as referências que nos atravessam o pensamento e o sonho -, daí à ampla
liberdade de Criação é um descer de estação em estação provando/provocando cada
nova personalidade admitida em nós, como acontece(u) no existir do Algo pessoano.
Na heteronímica de Fernando Pessoa, "Entre a linguagem simples de
um Alberto Caeiro e a metafísica de Ricardo Reis até à linguagem complexa de Álvaro de
Campos, os mundos se cruzam" - como diz Ione Menegolla (3), e "Caeiro, Reis e
Campos sonham e assim vêem as formas invisíveis (...) Ricardo Reis e Álvaro de Campos
remetem a Caeiro. Um próximo questionamento carrega as bases de um anterior. Cada
problema remete a outro, e assim sucessivamente. Tudo deve servir como uma nova
aprendizagem". Eis a linguagem-eixo, aquela que renega o espelho fácil de Nós e da
Vida para nos interpretar face ao Cosmo e aos Outros, e deixando continuamente uma margem
para outras especulações, como o fez Fernando Pessoa ao se interpretar como um Algo
total no Cosmo, e entre Nós...para nos presentear com os reflexos filosóficos e naturais
d'Ele-mesmo - isto é: o pensamento e o sonho são, por esta mostra, o espelho-Verdade de
Nós enquanto linhas de Criação.
Esta questão não esconde a face messiânica e intimamente aventureira
do Algo pessoano, bastando recordar aqui que, para ele, "...o português seria o
instrumento mais do que possível para serenar a Besta diversa colocando n'...a proibida
azul distância, o Tempo e o Verbo do cristianismo" (4). Ele era/é o interprete fiel
da Língua portuguesa e não pode(ria), assim, se desviar do efeito histórico e do sonho
lusíada medieval, provocando com isso uma nova concepção de História e de presença
humana diante da sua geração e das vindouras. Porque a Poesia é uma arte singular e
plural - para homenagear um título feliz do pessoano João Alves das Neves (5) - da mesma
maneira que o Poeta o era, ou é!
A sua Obra nos afeta admiravelmente, como se ele fosse uma linha
telúrica-cósmica criadora de uma Poesia que (re)vive nas novas gerações sob a
simbologia do silêncio transformador.
Ele - o poeta da Lisboa romântica, não nos manipula levianamente:
deixou-nos, isso sim, um endereço cósmico para o diálogo eloquente e (i)mortal da Obra
vária; não queria que Nós fossemos guardadores de rebanhos estupidamente cilindrados
por um cotidiano vulgaríssimo... O contrário é isso mesmo: viver o silêncio entre
orgias sá-carneirianas interiores dentro do Tempo e do Espaço que somos, visivelmente!
(1) e (2) - BRUNO e LOUISE HUBER in As Casas Astrológicas/Uma Abordagem
Psicológica Do Homem e Do seu Mundo, Trad. Karim Daar; Totalidade Edit/SP-1989
(3) - MENEGOLLA, Ione M., in A Metamorfose Em Fernando Pessoa, Ediç.
Caravela/RS-1985
(4) - BARCELLOS, João in Aquel'Outro Fernando Pessoa, palestra, SP-1990
(5) - NEVES, João Alves das, in Fernando Pessoa/O Poeta Singular e
Plural, Edit. Expressão, SP-1985 |
 |
Salazar
sob o olhar crítico pessoano
todo o mundo é composto de mudanças
- Camões
A certa altura da sua vida, o lisboeta e mundano (...porque
universalista na sua raiz filosófica) Fernando Pessoa víu cair a Monarquia e subir a
República,
entre um e outro gole de café
ali, bem no centro de
tudo quanto era, e ainda é, o Poder. Ao fundo, tinha ainda o som luxurioso de uma
revolução permanente chamada Tejo.
Um pouco mais tarde, o mensageiro da velha-nova História, poeta e
marujo-de-miragem, haveria de falar de um "tiraninho", aquele que
Não bebe vinho,
Nem até
Café.
Apelidado, por alguns homens e mulheres das Letras e outros ilustres
intelectuais, de retrógrado, egoísta e fascista, Fernando Pessoa fazia um percurso muito
particular de identificação d'Ele-mesmo com a época,
querendo mesmo encher a alma com toda a parafernália idealizante
apanhada em cada esquina da Vida, sobretudo a do cotidiano lisboeta. Alguns dos seus
críticos não percerberam, e creio que ainda não percebem,
essa nítida jogada em que ía ensaiada, também
uma travessia política
cujos contornos
ideologizadores não definiam um corpo partidário - sim, o corpo d'ação cultural e
social, aquele cuja amplidão de subsídios individuais possibilita a formação de uma
corrente autónoma de opiniões!
Sob o olhar crítico pessoano foram analisadas as questões monárquicas
como as republicanas e, no meio, a cavalgada rumo ao Poder de um homem simples -
politicamente falho mas ideologicamente muito forte: António de Oliveira Salazar. Esse
mesmo, o que era
...feito de sal e azar.
Se um dia chove,
A água dissolve
O sal,
E sob o céu
Fica só o azar...
Assim foi identificado pelo poeta-filósofo aquele que subíu ao Poder
para acabar com a anarquia económica de entre a Monarquia e a Primeira República e que
se esqueceu de governar Portugal como um país... Este poema pessoano foi primeiramente
publicado no Brasil e depois levado ao público português por Sena (1). E a constatação
da religiosidade ideológica de Salazar em relação ao Poder não impedíu o poeta de
apoiar, por instantes, o Estado Novo enquanto meio de pacificação do país que vivia o
caos sociopolítico. Nem o poema Mensagem, premiado pelo SNI (2), foi um ato patriótico
culturalmente servido para aquela época; basta observar que o poeta trata de um outro
Portugal, um outro que nunca agradou nem a Salazar nem à Igreja católica romana e
muito menos à sociedade castrense que forjava os pilares do Estado Novo. E isto, apesar
de Ferro (3) ter sido um companheiro do poeta... Pelo que, apelidar o poeta da vasta
heteronímica de fascista não passa de uma brincadeira de mau gosto. Bom, e se ele o
fosse? Deixaria de ser o poeta maior?...
Entre um e outro gole de café
a febre pessoana de enxergar
tudo conseguíu penetrar o mundo delicado do homem de Santa Comba, esse excelente
professor universitário - porém, esse político incapaz de se mover para lá do umbigo
sacralizado pela Igreja católica romana.
A concha fechada e intolerante do pensar salazarista, naqueles Anos 30 e
40, deixou um traço amargo no olhar pessoano que logo pintou um quadro psicologicamente
lírico:
o que não faz sentido
É o sentido que tudo isto tem.
Isto é, o poeta achava
também que ela - a Ditadura (ou o Estado Novo) e o seu Chefe político deveriam ser
tolerantes o suficiente para abarcar as mudanças vividas pelo mundo moderno. E isto não
é um principio, mesmo que simples, de contradição sociopolítica? É. Mas também é o
regime de contradições e ambiguidades da qual se alimenta
toda a Arte e toda a Cultura -, das quais (re)nasce um país livre. Ou
não. Ao sufocar tal percurso, naturalmente humano e ideológico, António de Oliveira
Salazar permitíu que Portugal deixasse de ser um país para ser só apelido: o Portugal
salazarista e não o Portugal dos portugueses. Claro que para constatar isto ninguém
precisa ser marxista: basta ser-português. Eis a razão pela qual a obra
poético-histórica Mensagem, face à questão, passou a ser uma pedra de toque do
Portugal que deveria ser Portugal; uma obra que era/é
uma travessia política
dentro do olhar crítico
pessoano, almejando o poeta ser-português na sua identificação de Portugal com o Tempo,
e não a identificação simples e absurda com o regime
...de sal e azar!
Com isto não pretendo diminuir a força ideológica de Salazar, que foi
(e bem forte...) um caso histórico na Europa, mas somente chamar a atenção para a
negação política que impedíu o desenvolvimento de uma nação tradicionalmente forte
dentro dos aspectos socioeconómicos - tão bem (re)tratados por intelectuais como
Ferreira de Castro. Porque, ser-salazarista é uma coisa bem particularizada no íntimo de
cada correlegionário ideológico, e ser-anti-português é impedir uma Política de
aberturas ao mundo e respeitando, inclusive, esse mundo em mudança constante: foi o que
fez Salazar. O salazarismo (4) nasceu da miopia de uma Igreja intolerante e politicamente
obscena. O mesmo caso se deu com o franquismo, em Espanha... Daí a importância do estudo
poético e crítico de Fernando Pessoa em torno do homem que durante quase meio século
remou contra Portugal. Sem dúvida que o estudo pessoano foi ousado: vivia(-se),
entre um e outro gole de café
a não-universalidade do
pensamento salazarista. Uma época de chumbo. E, humildemente, criando
uma travessia política
dentro do oásis de uma Cultura
muito própria, Fernando Pessoa ía deslumbrando a Política com a sua lírica de cidadão
atento, muito atento, e apaixonado pelas coisas portuguesas...
(1) - SENA, Jorge de, ensaista e poeta que fez publicar aquele texto
pessoano no lisboeta Diário Popular
(2) - Serviço Nacional de Informação
(3) - FERRO, António, foi o homem forte da fachada cultural salazarista
(4) - o salazarismo, enquanto regime político do Estado Novo, foi
derrubado em 25 de Abril de 1974 |
 |
Um maçon? Ou um ser de apetência espiritualmente
ocultista?
I
Que as forças cegas se domem
Pela visão que a alma tem!
in Quinto Império
O ocultismo, ao contrário daquilo que muitos pensam (e assim pensam
porque a Ignorância manda, ainda...), não é nem uma aventura de sensações
momentâneas nem uma demanda do Poder. O ocultismo é a espiritualidade do Ser
comprometido com o Mistério que ele mesmo transporta.
Em sua humildade doutrinária, Lao-Tsê legou-nos uma máxima para ser
pensada e repensada: Quem se conhece a si mesmo é sábio. É, na realidade, uma
exaltação à percepção do Eu enquanto pólo central do questionamento que pode levar
ao Todo religioso. E, pensando assim, o Ser é uma Potência...
Ao escrever sobre O Quinto Império (poema de Mensagem), Fernando
Pessoa diz o seguinte: Para o destino que presumo será o de Portugal, as colônias
não são precisas. A perda delas, porém, também não é precisa para esse destino.
Um destino iminentemente religioso e intelectual, tanto que O Quinto Império
pessoano - que seria Portugal, após os da Babilônia, Pérsia, Grécia e Roma -
não é mais nem menos que a capacidade imperial da Língua Portuguesa. Um
pensamento destes tem de estar no centro, ou sob a influência, de uma fortíssima
espiritualidade. Porque se para escrever sobre o seu próprio desassossego é capaz de
transmitir a máxima Minha Pátria É A Língua Portuguesa, o Poeta incorpora
universalmente o drama português e parte daí para elaborar o percurso intelectual do
novo português - um português capaz de ser Portugal e Universo total , então, o Poeta
demonstra não ser um Ser comum, mas um Ser já iniciado na imensidão do secretismo
cristão que o torna uma Potência humana, intelectualmente criativa, renovadora e de
visão superior.
Em carta de 13 de Janeiro de 1935 dirigida a um crítico literário luso
(1), Fernando Pessoa define assim a sua anti-divindade: Nunca me propus
ser Mestre ou Chefe-Mestre, porque não sei ensinar, nem sei se teria o que ensinar.
Ora, e o que é isto senão um manifesto da Humildade? É o Ser e o Poeta que mergulhados
no Mistério da alma, descobrem a força da espiritualidade oculta e se lhe entregam
completamente, configurando-se aqui (não a perda da personalidade, pois é o
anti-Fanatismo e a anti-Tirania que estão em jogo, mas...) o ganho de identidade que
supera o Nada (da Filosofia de abandono vivencial) descobrindo-se Deus, humildemente!
Na mesma carta, o Poeta revela que o que fiz por acaso e se completou
por conversam fôra exactamente talhado com Esquadria e Compasso, pelo Grande Arquiteto.
Eis a grande viagem (e os fato sobre ela Fernando Pessoa não permitíu publicidade
aos amigos) cujo grau de iniciação nos revela que o Templo sagrado só existe quando,
exaltado o Mistério total, o Ser pode pedir Que as forças cegas se domem / Pela
visão que a alma tem! O que, por outro lado, revela um Ser capaz da Humildade para
ser Mestre sem o ser, enquanto veículo do diálogo e do misticismo ou, por outras
palavras, sendo Potência espiritual.
A carta de 1935 é um documento histórico que permite avaliar a
qualidade espiritual e social de Fernando Pessoa.
Na sua Tábua Biográfica - a d'ele-mesmo, define a sua posição
religiosa da seguinte maneira: Cristão gnóstico e portanto oposto às igrejas
organizadas e, sobretudo à Igreja de Roma, Fiel (...) à Tradição Secreta do
Cristianismo em Israel e com a essência oculta da Maçonaria. Não é de estranhar,
pois, que a sua iniciação na Maçonaria tenha sido simplesmente intelectual, não mais
do que isso (e para ser basta querer ser, religiosamente); até porque o Poeta diz(-nos)
da necessidade de Ter sempre na memória o mártir Jacques de Molay, Grão-Mestre dos
Templários, e combater, sempre e em toda a parte, os três assassinos - a Ignorância, o
Fanatismo e a Tirania; o que está(va) em consonância com o sonho imperial
d'ele-mesmo se tivermos em conta que este sonho não igual ao de Nabucodonosor - o
pessoano coloca(va) O Quinto Império como sendo Portugal concluindo a
espiritualidade do primeiro que foi a Grécia; o segundo, Roma; o terceiro, a Cristandade
e o quarto, a Europa... já que a visão/sonho de Fernando Pessoa materializa na
Língua Portuguesa as virtudes do Saber, do Bem e da Religião.
Esta concepção estética e filosófica e religiosa pode ser atribuída
a um maçon?
Não seria Fernando Pessoa apenas um Ser de apetência
espiritualmente ocultista?
Talvez sim, talvez não.
O mais certo é que o Poeta adentrou na Maçonaria para aferir da
Potência que pressentia n'ele-mesmo, o que nos demonstra a riqueza dos quadros
psicológico e psiquiátrico das personalidades por ele geradas literariamente e em torno
da Vontade estática de se implodir (veja-se a magistral peça de teatro O Marinheiro...),
intelectual, mística e artisticamente.
Não interessa aqui, sequer, o grau iniciático suposto por ele: o Poeta
quis as informações do Oculto Estar para enformar em sua espiritualidade e
Vontade os traços definidores da sua Humildade e do próprio Grande Arquiteto...!
Eis-nos, assim, diante da magia que uma Potência humana é capaz de
gerar em prol da Paz no seio da Comunidade global que somos. Realmente, Fernando Pessoa
não é apenas o Poeta português...
II
Existe no ser Humano algo que se pode chamar de espírito religioso
para com a vida, como escreveu Mário de Andrade (2); porque A pessoa é
essencialmente cósmica, segundo Teilhard de Chardin (3). Na verdade, quando o Ser
Humano se torna peregrino, olha o Agora, o Hoje, se determina, e, em ato de consciência
na sua íntima Vontade, parte para fazer a sua estrada e saber que é imortal enquanto for
capaz de cantar o Eu - e, nesse salmo da Liberdade, louvar a Deus na simples Existência
(4), o mundo se renova espiritualmente. Aliás, como (nos) ensina Baptista Cepellos no seu
poemeto A Derrubada. Mais: Nessa estrada não há igrejas nem há seitas, há
somente o peregrino e a sua Fé, e a sua cósmica essência na poética que é sentir
Deus! (5).
Não há como colocar a ação pessoana fora deste contexto. Não há
como separar Fernando Pessoa do vero Cristianismo como não há maneira de o ligar
à soberba imperial e mercantilista do papado católico e romano que se diz imagem do
Cristo...
Para o Poeta interessava somente viver a Vida e saber que consolidar a
Sabedoria é o maior brilho que uma Cultura pode ter.
Há no viver pessoano toda uma indiferença ao cosmopolitismo e ao
mercado dos dinheiros; e na simplicidade de cidadão esclarecido é claro um espírito
religioso para com a Vida no mais profundo sentido que se pode conceber pelos ensinamentos
do puro Cristianismo - aquele bebeu em essênios, em judeus e em nazarenos como na força
de celtas e outros povos; isto porque a universalização do Cristianismo, ou Catolicismo,
se deu por influência da própria Humanidade em expansão diante do Mistério das coisas.
Existe no Poeta o espectro judaico-cristão e céltico que esteve na origem de ordens como
as do Templo, Rosa-Cruz, e outras: com isto quero dizer que a Maçonaria tem a ver com o
sentir socio-religioso ao beber no puro Cristianismo as luzes acesas pelo Grande
Arquiteto; e nessas luzes foi Fernando Pessoa buscar as linhas de força que o
iniciaram na esotérica mensagem da presença humana. Sabedor da influência da Cultura
Céltica nas literaturas, e particularmente na européia, e que foi carro-chefe na
expansão do Cristianismo na sua primeira fase Ocidental, como explico n'As Crenças Da
Era Céltica (6) - pois, veja-se, quase todos os cultos célticos foram incorporados
na expansão cristã. Navegando com sensibilidade por um mundo onde a simplicidade era/é
uma afronta aos cretinos ignorantes, aqueles que se acham a última flor do existir e tudo
fazem de nariz no ar... ora, Fernando Pessoa exerceu no seu dia a dia o vero
ministério cristão: a Fraternidade. Assim, e porque ele se sentia cavaleiro-marujo
espiritual, tomou para si-mesmo as coordenadas socio-religiosas de rosa-cruzes e de
maçons...
Saudando uma Poeta amiga, escrevi
Dão-nos um Tempo para
A Morte florescer
Lavrada em Vida
Inda nem sabemos morder e
Lavam(-nos) o Eu -
Ai, como é falso este viver! (7)
e o mesmo poderia (como posso) escrever sobre Fernando Pessoa.
Ele o escreveu: não queria ir no rio das coisas... E nenhum Poeta que nasce Poeta vai por
aí nas águas de todos os santos. Não! Poeta é aquele ou aquela que se demonstra Poeta
no simples viver a Vida com o Saber e a Espiritualidade na labuta pelos gestos livres e
fraternos. Porque,
Poeta é a Irmã, é o Irmão. No gesto desinteressado da poética
humana está o reflexo da cósmica essência - essa, a do Amor!
Enquanto todo o mundo vivia a perspectiva da guerra e a guerra, Fernando
Pessoa era o ser-que-está(va)-nas-ruas-para-entender-ele-mesmo no âmbito desse
cotidiano. Isto só é permitido a um Alguém cujo grau de percursos
filosófico-esotéricos é da mais alta Potência espiritual! Para entender Fernando
Pessoa é preciso conhecer a História de Portugal e da Europa, mas isso não é tudo:
quem não tiver a Vontade de ser diferente, de embarcar nos percursos pessoanos esquecendo
a banalidade do dia a dia para se sentir um Alguém com a mão no leme... não vai
conseguir ler o ideal telúrico-cósmico da predestinação que envolvia Poeta e seu
Mi(ni)stério estático. Mas, nem todos podem ser cavaleiros-marujos... Por
outro lado, para o ideal pessoano os gananciosos papas do Vaticano institucionalizaram
uma religião contra o gesto peregrino de Jesus - o Cristo; ou, como afirma Manuel
Reis, precisa-se de um Cristianismo autenticamente comunitário e inspirador e fundador
de Comunidade (8). A essência filosófica do Poeta não suportava o vexame mercantil
da anti-poética e da anti-fraternidade que construíu o Vaticano; e, suportar isso, seria
o mesmo que dizer sim a Salazar e à mesquinhez das suas atitudes mercenárias contra a
Maçonaria!, ora...
o Poeta era/é um Alguém diferente!
O que chamamos de Ecologia Humana vivia/estava em Fernando Pessoa
como a única pista globalizante que permiti(ri)a a formação da Justiça pela
Fraternidade em Igualdade.
Esta apetência espiritual fez dele o Irmão de todas as sociedades
místicas secretas e, particularmente, dos maçons!
(1) - CASAIS MONTEIRO, Adolfo
(2) - ANDRADE, Mário de -(1893/1945)
(3) - DE CHARDIN, Teilhard (1881/1955)
(4) - BARCELLOS, João - in O Peregrino (SP/1995)
(5) e (6) - Palestras proferidas em 1995, com publicação reduzida dos
textos.
(7) - ...Minha Vida Inteira/a Dalila Teles Veras (SP/1996, Ediç de
amigos)
(8) - in Crítica Necessária a José Saramago, Estante Editora/Portugal
- 1993 |
 |
Crônica de um fax algo estranho
ou, a redescoberta do Eng. Álvaro de Campos
Hoje, que é 1990, sinto algo palpitante no escritório da Fábrica
De Confabulações Cibernéticas & Outras Coisas,
mas não sei exatamene o que é.
Cientista há muitos anos, sempre tive aquele desejo forte de empreender
uma viagem para lá dos laços visíveis e dos não-visíveis que me unem ao Todo que sou
e ao que me rodeia - os Outros e as Coisas. Bom, na realidade - e escrevo isto na minha
agendinha que é um computador de bolso - faz algum tempo que estou fabricando em mim
a mola que vai me catapultar para a realidade dessa viagem.
Hoje, que é 1990, e são 13h30 do dia 15 de Outubro, a
secretária-cientista...Hum, que máquina d'esbanjar graciosidade esta secretária!, bom,
ela me traz um fax acabadinho d'implodir nas entranhas eletro-eletrônicas do aparelho
telefónico:
r-r-r-r-r-r-r-r.................eterno!
diz o texto. E anoto a coisa na simpática agendinha para lhe dar
uma olhada depois. Estou até um tanto surpreendido com esta mensagem louquinha da silva.
Eh, logo verei...
Quem será o engraçadinho?, pergunta-me a secretária-cientista com o
seu olhar d'azeitona raiado de verde, depois de eu ter anotado a coisa. Não, digo
para mim, é agora que eu tenho de saber o que é isto.
Quem será?, murmuro olhando a data do fax.
...Ah!!!, exclamamos em uníssono.
Ficamos sabendo que a coisa teve origem em Tavira. Sei que Tavira
fica lá no Algarve, na portuguesíssima porém Cultura mourisca. Mas ela, a
secretária-cientista do olhar d'azeitona raiado de verde (ah!, é ela que aqui trata do
Estar e do Ser navegando pela cibernética), ela, apenas conhece Tavira por um
mapa antiquíssimo...Estamos longe, no tropicalíssimo Brasil, e
paradoxalmente a Fábrica De Confabulações Cibernéticas & Outras Coisas
está situada numa encosta entre os verdes e a calma que os bravos bandeirantes
(re)descobriram conduzidos pelos nativos filhos do sol.
r-r-r-r-r-r-r-r-r.........................eterno!
leio de novo. Suspeito de uma dinâmica explosiva e absurdamente
apocaliptica. Estarão os ET's convidando a gente para um cafezinho nas fronteiras do
Todo? Bom, não sei. Eles podem usar os nossos equipamentos para nos saudar, não é
mesmo? Talvez sim, ou talvez não. Ai!, a assinatura. Pois é, diz ela, o fax está
assinado por um tal A de C. Quem será?
Eng. A de C
é a assinatura que observo. Que mistério! E será possível que os
ET's usem a nossa linguagem técnica? Bom, aí já é demais, penso. E enquanto penso, ela
vai até os botões da nossa Máquina do Tempo e tenta saber tudo sobre este
engenheiro A de C... Ôba!, ela descobre algo.
E então?
A nossa Máquina do Tempo diz que esse A de C está
umbilicalmente ligado a um fulaninho FP, a um AC e a um outro RR; tudo isto, veja bem,
mestre, dentro de um sistema estranhamente estático.
Habituada ao Estar-viajando nos limiares do Todo, ela fica perplexa e
questiona: mestre, será que este tal A de C existe mesmo?
...ou é uma brincadeira, penso. E estamos nisto quando um novo fax
jorra da maquineta de fazer comunicação escrita e diz:
Canto, e canto o presente, e
também o passado e o futuro,
Porque o presente é todo o passado
e todo o futuro
assim, sem mais o quê. Pela leitura sinto que há aqui, no fax, como
que um triunfalismo calculado; uma força bruta que é contemporânea e é moderna, mas
que, ao mesmo tempo, não é contra-Cultura...sim, talvez a verificação histórica e
filosófica das questões universais colocadas ante a Humanidade
...o que me parece, corta a secretária-cientista, uma viagem
interrompida, ou, direi mesmo, uma viagem finalmente solucionada no contexto de uma
identificação pátria - isto é (eu explico, eu explico!, diz ao olhar o meu espanto),
este tal de Eng. A de C tomou como rota sua uma rota antiga, daí a viagem estática que
transmite aos Outros.
Hum, emendo eu, e o Todo estático que o une ao movimento do espectro
universal e aquel'outro estático formado pelos sicraninhos FP, AC e RR; então,
caríssima e simpática assistente, estamos diante de um jogo de vivências cênicas sobre
o drama da Existência e tendo por base, essencialmente,
o ruido maquinal da marcha do Tempo em seu próprio Espaço.
É isso aí, bicho! (ai, mestre, perdão, perdão...) Mas quem é este
Eng. A de C? Pelo que estou verificando a nossa Máquina do Tempo nos dá informes
de até cem anos atrás, e além disso, nada!
Olho para o primeiro fax e raciocino sobre o período de cem anos.
Busque aí na Máquina do Tempo, peço para ela, algumas
referências acerca do tal engenheiro no ano de 1890.
Se por um lado os dois fax são algo estranho, o dado 1890 nem
tanto assim... E se tem ET nisto o ET sou eu!
15 de Outubro de 1890, 13h30, Tavira, nasce, segundo testemunho vivo de
FP, o Eng. A de C, anuncia ela vindo até mim com o resultado da pesquisa. Ela vem tão
volátil quanto o perfume de flores espaciais que espalha. O seu anúncio me faz ver que
é possível realizar a minha viagem sem sair de uma base. E no entanto, o cântico
triunfalista deste Eng. A de C é estático enquanto fonte, mas um universo de
especulação positiva quando força retransmitida no espectro dos Outros. Inteligente o
gajo, penso.
Eu posso ir ao Todo utilizando o Todo que sou e fazendo dos Outros os
meus veículos periféricos!, digo quase gritando de alegria.
É isso aí, bich..., engasga ela.
Pelas 17h de hoje, que é 1990, recebemos na Fábrica de
Confabulações Cibernéticas & Outras Coisas um sinal novo: na tela gigante do
escritório uma figurinha esquisita, direi famélica..., caminha (ainda caminha!) em
linhas rápidas de composição analista, e leva em uma das mãos uma velha valise. Eu e a
minha assistente ouvimo-lo dizer (a voz ecoando) que
o Almada E Tudo fez-me assim. Eia pá,
meu nome é Álvaro de Campos - o sensacionalista
íntimo do Pessoa.
Estou aqui hoje, que é 1990, como tu dizes,
para te dizer que...Eia pá...
........r-r-r-r-r-r-r-r-r-r-r-r....................eterno!...
e logo depois um zunido quase besta, bestial mesmo, e a figurinha
esquisita e famélica desaparecendo, como se o tira-linhas do Almada E Tudo não
tivesse, subitamente, mais tinta.
Ah, ah, ah, ai...ai, mestre, olhe o chapeuzinho dele! Aquilo é chapéu
mesmo?! Ah, ah...ri ela.
No emaranhado das linhas que se desfazem na tela o chapéu do Eng. A de
C - esse, ao que percebo, artífice do cotidiano eterno - vai pulando no vento
bombástico; uma implosão dramática.
Ah, ah, ah,, mas fez a sua comunicação!, diz ela. Sim, penso eu, ele
só quis dizer que o presente é todo o passado e todo o futuro.
Enquanto isso, no fax, um novo papel exibe
r-r-r-r-r-r-r..............eterno!
com uma determinação futurista que só um jogo mental fantasticamente
calculado pode expôr aos Outros - os que lhe são íntimos e os que lhe são
periféricos.
E agora entendo por que quis logo colocar os primeiros dados em minha
agendinha eletrônica. Foi algo automático. Era a linha de força de Álvaro de Campos, o
engenheiro, me puxando para a viagem que sempre desejei fazer, apesar de a ter tido sempre
ao meu alcance...
Olho para a secretária-cientista do olhar d'azeitona raiado de verde e
decido que chega, por hoje, que é 1990!
ps: Hoje, que é 1990 e ano do centenário do nascimento de A
de C |
 |
O tradutor-intérprete d'ele mesmo
O sentimento que nos leva achar a presença da Virtude nos passos e
nas coisas - em que nos projetamos a cada instante - tem a ver com essa Vontade
indomável que envolve os homens e as mulheres que vivem no Hoje todos os tempos do
calendário que é a Alma.
As estações da Vida assim tão completamente absorvidas por um Ser
inteligente, a cada passo seu, em cada coisa tocada ou observada por si, formam um
conjunto (ou, um mundo) tão apaixonadamente criativo que a só a genialidade de um
intelectual lúdico, brincalhão, mas ao mesmo tempo sério, pode(rá) exprimir.
Não é preciso pesquisar muito para se achar um Alguém assim
que, ao exprimir a sua Alma criativa torna-se a um tempo tradutor e intérprete
d'ele-mesmo: Fernando Pessoa.
Quando alguém traduz para outra Língua os tempos e as coisas da sua
Pátria, esse alguém interpreta também a sua maneira de ver e sentir esses tempos e
essas coisas, seja como guia de turismo seja como correspondente comercial ou jornalista.
O mesmo se passa com o intelectual que, em um momento de tempestade (interior) criativa se
vê cheio de imagens (cuja ficção e poesia e ciência têm a Virtude de lhe mostrar
caminhos outros)... aí, o intelectual assume a tradução das imagens e as interpreta
colocando o Eu e o sentimento do vário nesse trabalho.
Habituado à peregrinação que o levava de escritório em escritório -
que, no caso d'ele, é o mesmo que dizer de cenáculo em cenáculo segundo um roteiro
astronómico próprio (e até porque os escritórios foram cenário da escrita pessoana),
em sua qualidade de correspondente comercial, o Poeta viveu as tempestades criativas que o
isolaram frequentemente com a serenidade profissional adquirida nessa peregrinação de manga
d'alpaca pelas ruas de uma Lisboa que, às vezes, lhe negava o sustento. Mais do que
outros, Fernando Pessoa conhecia o ritual da tradução e da interpretação, daí
a facilidade com que se desdobrava nas estações que a Alma lhe ditava: e se numa
daquelas tempestades se sentia no centro do Todo e do Nada, ei-lo traduzindo isso
mesmo e dando personalidade independente a cada algo ou alguém na sua Vontade de
ser vário.
Quer como Álvaro de Campos, Ricardo Reis ou Alberto Caeiro, Bernardo
Soares ou Ele-mesmo (...e Outros tantos), o Poeta teve a singularidade de achar em si
a presença da Virtude e logo se nortear n'Ela para uma iniciação social e criativa que
o levaria àquela Vontade de pluralidade intelectual. Se é Ele-mesmo na
fantástica aventura que o fez traduzir a Alma do ser/estar português interpretando isso
à luz de idéias espiritualmente em ascenção (como em Mensagem, e mesmo em O
Livro Do Desassossego), também o é enquanto localizado - ou melhor: traduzido e
interpretado como Campos, Reis ou Caeiro - acontece aqui que Fernando Pessoa
não pode(ria) ele-mesmo ser o portador de todas as imagens absorvidas em seu vulcão;
então, dando vazão à lava incandescente da sua criatividade e à Vontade de nunca
perder a personalidade de cidadão lisboeta, optou pelo trabalho de desdobramento em
uma belíssima heteronímica literária que lhe deu a oportunidade de se rever (como em Lisbon
Revisited) enquanto intelectual imbuído d'Outros e d'Ele-mesmo, bricalhão e
sério no ritmo dos passos e das coisas que era e das que o rodeavam.
Deixou-nos o Poeta uma imagem de solitário, o que é falso. Vejamos: todo
o poeta é um solitário e ao mesmo tempo um solidário com todos. Ora, se não fosse
assim, como poderia ele se traduzir e se interpretar tão magistralmente? Até por esta
imagem ele foi lucidamente lúdico, fingindo...
Hoje, conhecido e pesquisado em todo o mundo, Fernando Pessoa é
traduzido e interpretado à imagem de cada um, de cada Cultura, de cada Língua, mas a
verdade é que todo o mundo está construindo em torno da sua estátua viva o império
tão sonhado por ele: cada tradutor-intérprete pessoano, depois da base por ele deixada,
é um tradutor-intérprete da Língua portuguesa...!
Que outro alguém poderia almejar a disntinção de imperador
da Língua portuguesa que não fosse esse lisboeta e cidadão do mundo chamado Fernando
Pessoa? |
 |
O empresário-administrador de vôo rasante
O CONSUMIDOR É, NO FIM, QUEM PAGA O QUE DEIXA DE
PAGAR.
O esquema mercantil da oferta e da procura, afinal aquele que levou o
Portugal Quinhentista a dobrar o Novo-Velho Mundo para se impôr ao capitalismo asfixiante
da soberba Veneza - apesar da Cruz de Cristo! que não representava Cristo mas a
cristandade imperial do Vaticano... -, não é um veículo habitualmente conduzido pela
intelectualidade das Letras,
mas há excepções violentas!
Para muitos, Fernando Pessoa é somente aquela figurinha estranha
de poeta difícil, talvez-maçon pela magnitude anti-romana da sua vigia
espiritualmente cristã, e para uns poucos é, também, o ensaísta de Literatura e...
imagine-se!, de Economia... Isso, Ele-mesmo...
Pensar que este lisboeta ligado e vivendo do comércio, enquanto
correspondente e tradutor, ou editor e publicitário, mas sobretudo poeta, era um
intelectual vivendo de e para a lua, é um erro de análise social. As incursões
pessoanas nos domínios da Filosofia, da Política e da Economia, sugerem-nos não só
o ser humano preocupadíssimo com a situação transitória em que Portugal se encontrava
(agonizava a Monarquia e surgia a República envolta em romantismos), mas também o ser
humano que apalpava terreno para lhe servir de Futuro próximo, já que o Presente era/é
uma ação de expectativa e de estudo; assim, e a par de "Páginas De Doutrina
Estética", "A Nossa Crise, Seus Aspectos Político, Moral e Intelectual",
e outros estudos e panfletos, Fernando Pessoa funda a Revista de Contabilidade E
Comércio depois de ter experimentado o gosto de empresário informal na Empresa
Íbis - Tipografia Editora-Oficina a Vapor; naquela revista publicou a sua teoria
económica em torno da Economia de Estado e do Mercado Livre e, sobretudo, os Textos
Para Dirigentes De Empresas. Quer isto dizer que, se por um lado existe um Fernando
Pessoa totalmento absorto pelas linhas filosóficas e místicas do
Nada e do Todo, por outro temos um Fernando Pessoa preocupadíssimo com o Futuro
político, social e económico na contemplação crítica do Hoje.
Entre a vasta produção literária e a panfletagem política e
esotérica (e até poética - e a esta poderíamos denominar como panflertagem
dadas as características de especulação positiva aí transmitidas), a ação de
ensaísta económica impressiona vivamente,
porque há uma ruptura brutal
com o intelectual das Letras, o Poeta heteronímico e, ainda assim,
insuficiente!
A doçura do Poeta que é capaz de brincar expondo a belicosa História
de Portugal e a psique do ser-português, propondo aos leitores futuros uma outra visão
histórica e filosófica, é a outra face da moeda pessoana, é o argonauta
questionando e expondo outros mapas para a geografia filosófica; ora, a outra face -
a do calculista político e e economicista abala a mais conhecida (a do terreiro
poético), projeta um Fernando Pessoa frio e capaz de enveredar por um golpe
para deixar bem claro - em Si mesmo e nos Outros - o seu traço de empresário-administrador
de vôo político rasante!
Eis-nos diante de um Fernando Pessoa que intervém publicamente
contra a proposta salazarista de extinção das sociedades secretas, particularmente a
Maçonaria, que escreve artigos irreverentes que lhe valem uma vezes o apóio e outras
vezes o repúdio dos amigos (inclusive do íntimo Sá-Carneiro), que edita panflos
(também de poesia) nos quais coloca a sua posição ideológica e política em relação
ao pdir (processo de imposição da República) e, mais tarde, ao próprio e
todo-poderoso Salazar. Nesta atividade que lhe ferve a Alma vai ele coletando dados
e escrevendo as teorias económicas para concluir, já em 1926, que A administração
do Estado é o pior de todos os sistemas imaginados, observando que os riscos, e
pois os prejuizos, da administração do Estado estão evidentemente na razão direta com
que essa administração intervém na vida social espontânea, para logo atribuir
méritos à Economia Livre: o regime de liberdade, determinando e estimulando a
concorrência, força cada concorrente a aperfeiçoar seus serviços comerciais e
industriais, para levar vantagem aos outros.
A coisa pública não é assim tão estranha ao Poeta, uma vez
que ele analisa politicamente o mundo que o rodeia - recordemos o Ultimatum, de
1917, sob o heterônimo de Álvaro de Campos -, com particular incidência no seu
velho Portugal, combatendo os cartéis e os abusos do Poder estatal também no campo
sindical.
Um dos raciocínios mais sutis deste analista económico glorificado nas
poesias, é o seguinte:
o que o Estado lhe dá com a mão direita,
terá fatalmente que tirar-lho com a esquerda.
O consumidor é, no fim, quem paga o que
deixa de pagar
isto ao se debruçar sobre os incentivos com que o Estado acena ao
contribuinte sem lhe dizer que o déficit já prevê o retorno por via de outros impostos.
E se entendermos que Fernando Pessoa, além de empresário
gráfico, ou editor, foi também publicitário, compreende-se que ele pisava terreno
seguro em suas teorias.
Enquanto publicitário, basta lembrar que o primeiro anúncio para
venda de Coca-Cola no Portugal dos Anos 20 foi escrito por FP, e dizia: Primeiro
estranha-se, depois entranha-se!, slogan que viria a ser proibido por relacionar a
Coca-Cola com a Cocaína -, e Portugal teve de esperar muitos e muitos anos para
provar a doce pinga yankee.
As opiniões pessoanas em torno da economia, pela sua acidez,
sugerem o típico empresário-administrador de vôo político rasante, aquele que
não se permite ajoelhar, aquele que não vai no conchavo mas balança para o entendimento
geral, ou pátrio.
Das experiências como empresário e publicitário ganhou Fernando
Pessoa a consciência da liberdade político-económica e no-lo diz assim:
Se temos (...) a liberdade de escolha, por que não
escolher a atitude mental que nos é mais favorável,
em vez daquela que nos é menos?
Eis a essência da psicologia do ser comerciante no que ao empresário Fernando
Pessoa diz respeito. Mas, o que também é válido para a Economia em geral, pois
sabemos que, por exemplo (e estas são idéias d'Ele-mesmo),
O primeiro passo para uma regeneração, económica ou
outra, é criarmos um estado de espírito de confiança
- mais, de certeza - nessa regeneração!
o que hoje, um pouco mais de meio século depois, chamamos de espírito
de corpo em torno de uma estratégia.
É interessante notar, ainda, a preocupação deste particularíssimo
teórico de Economia com a questão sindical, quando nos lembra que O princípio
sindical - propriamente reacionário ou retrógado, pois que é uma reversão às
corporações medievais - emergíu nas classes operárias, e de aí galgou para todas as
outras (...) Acresce que o espírito de Classe ou de profissão, que ele tende a criar,
tem também efeitos de rigorosa especialidade, onde esse espírito não seja apenas
político; e ao nos lembrar este princípio sindical básico, Fernando Pessoa,
toca(va) no ponto nevrálgico d'a questão sindical - o ponto da ação política
onde se ressuscita o quê da Sociedade, essa que é um sistema de egoismos maleáveis,
de concorrências intermitentes. Cada homem é, ao mesmo tempo, um ente individual e um
ente social. Como individuo, distingue-se de todos os outros homens; e, porque se
distingue, opõe-se-lhes. Assim, entre sindicatos e empresas a melhor política é o
entendimento dentro da livre negociação...
Fernando Pessoa não foi, como se pode aferir no painel aqui
traçado, apenas o Poeta; ele soube buscar na Política cotidiana as vertentes de uma
Cultura de raiz que lhe possibilitaram partir para o questionamento das duas
pedras-de-toque que movimentam a Sociedade moderna: Liberdade e Economia Livre.
Como ensaísta literário e economicista, e mais como economicista, Fernando
Pessoa era um desconhecido ilustre, mas aconteceu que as teorias expostas em Textos
Para Dirigentes De Empresas tinham, como têm ainda!, uma atualidade gritante.
Já conhecíamos o génio literário, aqui temos a outra face do homem
que luta(va) para ser livre em meio às ambiguidades existenciais - a do
empresário-administrador de vôo político rasante! |
 |
A visão pessoana em torno de Fernão de Magalhães
Anda uma sonda espacial fotografando a Via Láctea, mas o argonauta é
um titã de controlo remoto vivendo de e entre super-computadores...
Que diria o Poeta desta coisa?
Por certo não ficaria pasmado. Fernando Pessoa questiona - não
digo questionava porque a sua obra Mensagem (1)é uma coordenada
histórico-literária sem Idade! - dizia, questiona o feito da ciência náutica e da
Vontade humana (em Fernão de Magalhães), como o abraço único que catapultou o
mundo velho e distante e Violou a Terra para tornar o nosso chão uma simples
aldeia.
À intensa Vontade do argonauta-titã Fernão de Magalhães (2) se
juntou o Destino soprado pelos titãs espirituais, aí, a Terra (mesmo na morte do
argonauta-titã) e os Homens souberam dos espíritos e da alma ousada/ Do morto que
ainda comanda a armada. E era completa a Viagem de Circum-Navegação que se fizera
no sonho de Fernão de Magalhães, a serviço da Espanha depois de praticamente expulso de
Portugal!
Desse feito marítimo se fez da Terra uma comunicação humana só...
Assim o entendeu o Poeta, que sentíu o Pulso sem corpo ao leme a
guiar; vislumbrou assim a amplidão do Futuro que os Titãs, os filhos da Terra
haviam alcançado ao unirem os mares e os povos.
A esta visão do Futuro, em Fernando Pessoa, foi agora acopulada
uma sonda espacial que perscruta, em nome do argonauta-titã Fernão de Magalhães, a
imensa Via Láctea. Depois da Inteligência, do Acaso, da Ciência e dos Bravos Braços
terem vencido as Sereias e levado o Argo de uma ponta a outra da Terra redonda, um titã
de super-condutores (dentro do emaranhado dos vasos comunicantes da eletrônica e da
aeronáutica) está em busca, não da Esfera ou do Tosão d'Ouro, mas do Mistério que
todo o argonauta gostaria de penetrar e desvendar para lá da Terra azul e redonda, para
lá Dos mudos montes; o que também podemos interpretar como sendo a continuidade
da amplidão do feito marítimo através de uma nova ação náutica: a espacial.
Já n'Ocidente (poema do livro Mensagem) Fernando Pessoa
nos diz foi a alma a Ciência e o corpo a Ousadia / Da mão que desvendou, para
(nos) explicar Os Descobrimentos; e neste poema, que está junto daquele dedicado a
Fernão de Magalhães, encontramos a gênese, ou a fonte espiritual, d'o Futuro
engajado na visão pessoana. Na verdade, só um Poeta ousado iria buscar aquele que Na
praia ao longe por fim sepulto, dito (pelos reis lusos...) traidor e escorraçado!, e
colocá-lo no panteão dos heróis portugueses. O gesto histórico e social e político de
Fernando Pessoa foi/é de louvar a ação da humana ousadia naquele navegador; mas, o
mais importante no Poeta é
o Horizonte percorrido em torno de uma Visão moderna da História
dos povos e suas gestas!
Se o Poeta entendeu isso tudo, Ontem, já os titãs d'Hoje souberam
homenageá-lo (a Ele e ao argonauta-titã da Circum-Navegação) enviando para a Via
Láctea uma sonda espacial que (nos) mostra, pouco a pouco, o que há no Mistério - a Sonda
Magalhães.
Uma vez mais, e isto não espantava o Poeta, está provada a aldeia que
somos!
(1) - é o grande poema de FP no âmbito da sua redescoberta da
História de Portugal, e foi escrito em 1934.
(2) - Nasceu na província de Trás-os-Montes, em 1480, e morreu nas
Filipinas (Cebu), em 1521, um pouco antes de terminar a Viagem de Circum-Navegação a
serviço dos reis castelhanos. |
|