|
Opinião: COTIA: A VELHA ESTRADA Poesia: UM NOVO OLHAR Nota: JB um dos intelectuais mais acessados na internet
COTIA: A VELHA ESTRADA de João Barcellos
Olhar a região do antigo sertam carapocuybano onde os filhos do Povo Carijó instalaram uma aldeia na campina do Caiapiã, muito antes de portugueses, alemães e castelhanos ousarem o sertam, é olhar a História através de um documento único: a Natureza. Quando cheguei e olhei Cotia, no início dos Anos 90, vindo do Rio de Janeiro e depois de muitas andanças Mundo afora, vi a Cotia instalada no sertam itapecericano - i.e., a Cotia já desenraizada do núcleo carijó e "puxada" para o ponto alto além do Rio Cotia. O que vi e senti? Uma comarca mal urbanizada e ainda socialmente dependente de favores administrativos. Uma paisagem física e humana grave. Eu conhecia Cotia apenas pelo nome e em função da leitura dA Derrubada, um poemeto eco-místico de Baptista Cepellos (a leitura foi feita em Santiago de Compostela - Esp., no início dos Anos 70). Ainda hoje, relendo A Derrubada (livro que ajudei a reeditar, em Cotia, 1991), sinto que piso um território humanamente árido - digo, desumano. Quase uma década depois de ter pisado na "aldeia" cepelliana o que vejo e o que sinto é essa paisagem desenraizada... porque de um lado está o Povo e do outro está o Governo e uma convivência precariamente assumida desde 1703, quando os Camargo (a favor de Castela) assumiram a orientação da "paróquia" contra as disposições mais populares dos Pires (a favor de Portugal), Camargos e Pires cujas linhagens estão muito distantes da generalidade dos Camargo e Pires de hoje. E assim vem "acontecendo" Cotia: um Povo explorado até às últimas consequências pelo(s) Governo(s) e ainda obrigado a "dialogar" através dos impostos sobre os quais não tem o direito de opinar! Por isso, ler e interpretar A Derrubada é ler e interpretar a Cotia desenraizada. Foi observando criticamente a sua "aldeia" que Baptista Cepellos fez-se Poeta e, por ser isolado e às vezes humilhado, fez-se Advogado, Promotor Público e Capitão da Guarda Metropolitana. Ele foi o primeiro a intelectual a olhar Cotia com olhos-de-ver. Até hoje, virando a página do Séc. XX, raros têm sido os intelectuais que, aqui residindo, tomam posição social e política sobre a Cotia de duas margens. Uma velha canção da resistência portuguesa face à ditadura salazarista ensina(va): "não há machado que corte a raiz ao pensamento". Foi o que aconteceu com a vivência cepelliana: quiseram vendar o seu olhar, calar a sua voz, recusaram-se até a recolher-lhe o cadáver - hoje, têm seu busto na Câmara Municipal e na Prefeitura, mas ainda não tiveram a coragem de o honrar como único cotiano que levou o nome Cotia mundo afora! Quando, um dia, os cidadãos da Cotia olharem em volta e não virem nem sentirem Cotia, estarão vivendo o que viveu Baptista Cepellos - também, o que eu vejo e sinto. Mas, por que isto acontece? Porque a urbanidade cotiana não existe como essência humana, sim, como depósito de desejos, de poderes... por isso, Cotia não tem um Museu, não tem um Centro Cultural, não tem Imprensa engajada àquela essência humana e sim aos detritos daquele depósito - pior: Cotia tem uma rede escolar que não ensina como acontece(u) Cotia e que prefere dar às crianças não um ensino mas a Ignorância curricular que as trata como "bucha pra canhão" ou "sardinha enlatada"! Fora do círculo do poder autárquico (ou municipal) as manifestações culturais têm ocorrido, desde 1991, sob as ações de uns poucos intelectuais e artistas que não precisam dos políticos para sobreviverem. Através desses intelectuais e artistas a saga cepelliana continua viva em Cotia. É a Cotia da velha estrada enraizando outros desejos, outras sensações, outra Cotia... (João Barcellos - autor de dois livros sobre Cotia, com edições esgotadas)
Vai no sertão, vai e sobe o morro. Ouvi do velho cujo olhar era um ai. Soube que quem vai precisa dolhar, ouvir o som do morro e suspirar o mesmo ai!
Pisei no sertão, ouvi do povo as mesmas queixas doutrora. Pisei no sertão, vi as figuras de sempre eleitas e senti o choro do povão.
Até n África ouvi aquele ai, na Europa e na Índia. Cheias as mãos de uns, miséria no olhar de todos. E em Cotia vai o povo cantando morro acima "chorai, que é este o nosso cantar dalmas cheias, inda um dia direis: avançai!"
Ouvi este ai em Cotia, sentindo o morro. Aprendi neste novo olhar a canção de quem vai à ponta da vida e não cai! Tinha razão o velho do olhar cor do morro: vai no sertão, vai...
João Barcellos (Cotia/SP, 1999) um dos intelectuais mais acessados na internet O escritor, editor e pesquisador (mas, acima de tudo, pensador) João Barcellos, 45, tem na Internet uma das mais preciosas páginas culturais. Se você acessar www.cotianet.com.br/joao_barcellos (cujo e-mail é jb@cotianet.com.br) irá encontrar a História luso-brasileira ("Brasil 500 Anos", ensaios, e "Exuberância e Folia No Mar-de-Longo", poesia) tal qual ela é. Os seus artigos sobre Educação, Ecologia, Cinema, etc, são pesquisados por muita gente. Este intelectual, filho de família portuguesa ligada ao labor ceramista e serigráfico, editor do Jornal dArtes e do jornal O Serigráfico, membro do selecto Grupo Granja, tem 17 livros publicados, e os romances "O Outro Portugal" e "Rio, Romance Na Cidade" estão na cotianet com enorme sucesso. Os seus ensaios sobre "Mário Schenberg", "Saramago", "Pessoa", "Baptista Cepellos", "O Povo Celta" e outros, formam uma galeria lítero-cultural cuja diversidade engrandece a rede mundial através da cotianet. (de Buenos Aires, Arg., Março de 1999 - Joane dAlmeida y Piñon, física e psicóloga) |