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INTRODUÇÃO
O esoterismo poético pessoano perseguia a essência de um
império onde a força matriz seria a Língua dos portugueses agregada à mística do
evangelho das palavras de Jesus - o Cristo, enquanto que a não menos esotérica ação
intelectual d'olivetiana demandava unicamente o fundamento histórico da Humanidade no e
entre o Cosmo. Quando penso naquele poeta luso e neste historiador francês lembro-me que
um velho pescdaor de Cabo Frio, no litoral fluminense, disse: os animais, a terra e as
águas que a cercam e penetram, formam um ciclo de vida e de sobrevivência - eh, a pura
ecologia!... Assim como as palavras de um pastor, também idoso, na portuguesíssima
Serra do Gerês: no momento em que os humanos cresceram e povoaram a terra, a vida
tornou-se um inferno terreno -, é que eles não tinham, nem têm, o instinto animal da
preservação do sistema ecológico; e era, como é, um predador dos seus próprios meios
sociais!... Diante disto continuo apregoando o que aprendi na vida - isto é: a
religião e o mito têm as suas raízes na desesperança do Ser Humano que, em suas
ânsias sanguinárias de escapar dos próprios pesadelos tenta, até, se produzir como
deus-pássaro!
Tornando ao pastor, que nas madrugadas geladas se abrigava nos velhos
percursos dos celtas e dos visigodos (no fundo, troncos de uma mesma linhagem da Raça
Branca que crescia após se desembaraçar da Raça Negra...), e depois dos romanos, e
outros, até aparecer, dessa miscigenação bárbara a saga que lhe deu origem e o fez se
embrenhar na História naturalíssima dos portugueses... E adiante. Num dia que eu fui
fazer uma reportagem fotográfica sobre os cavalos selvagens do Gerês encontrei o pastor
fazendo uma fogueira no centro de um monumento céltico. Lembrando-se de umas perguntas
que eu lhe havia feito (e até o comparei ao pastor pessoano), logo atirou: Ah,
meu jovem da cidade!, eles esqueceram a lição maior da vida: os animais não constroem
igrejas nem distinguem água da água benta...ora, são animais!!
E me deu um naco de pão e uma pequena sardinha, avançando na sua
filosofia: Os humanos, meu jovem da cidade, são a bandeira de tudo o que destrói o
equilíbrio do Cosmo, ou da Terra com o Cosmo. Sim, tornaram-se tão sofisticados (é
assim que se diz, não é?...)a ponto de fazerem outras nações...olha, os portugueses
destruiram nativos para erguerem um Brasil falando português, igualzinho ao que os celtas
e os romanos e os lusitanos fizeram, pois, da sua auto-destruição nasceu Portugal...
Sim, os humanos, na sua evolução, são o começo e o fim da Humanidade - e, desse
começo e desse fim nasceu a religião!... Nascido e criado nos credos sofisticados da
cidade, fiz do velho pastor mais um mestre.
Foi a Poesia que me levou à História universal e esta à Filosofia: um
triângulo de reflexões amorosamente contínuas que me faz ver o animal que sou em meio
à Humanidade aparente que a alma respira, socialmente...
Eis-me fragrância vivendo o Ser que sou, porque o sou Estando fazendo
de mim um veículo do Cosmo neste telúrico existir. Espero que Outros encontrem o caminho
da Luz ao perceberem em si-mesmos o odor da Vida.
Aqui não tem Graal. Tem nada. Sou filho de velhos portugueses e com
eles aprendi que viver a vida é a única religião que tenho no meio da cultura-da-fome
que cerca a gente!, disse-me, há tempos, o pescador da brasileiríssima Cabo Frio.
Sim, muitos povos desapareceram para darem lugar a continentes como a Europa e a América
depois de terem atravessado meio mundo; ora, a lição que retiro daí é simples: a
Humanidade tem o seu fim inscrito nos seus atos, aqueles que a leva(ra)m a quase destruir
a Terra transformando-a no penico das suas necessidades egoístas. certo, muito certo
está o pescador quando, desesperado, diz aqui não tem Graal. E é. O graal
somos nós. Como podemos constatar nas coisas pessoanas, vieirianas, ou nas entrelinhas
poéticas das coisas filosóficas d'olivetianas ou heideggerianas, mesmo, ou nas
borgianas.
Somos todos esotéricos e buscamos a essência de um Poder que não
precisa de ser literário ou filosófico: só Poder - de Ser e de Estar. E as religiões
existiriam se os seus precursores pensassem assim?...
Somos uma aquarela de nadas e mesmo assim achamos as nossas sombras
refletidas em espelhos sociais, por isso, a piedade é uma piada de mau gosto só
comparada à anti-humanidade de quem afaga um bichinho d'estimação enquanto ordena a
morte de um(a) semelhante. O que precisamos não é pidedade, é Fraternidade!
Somos uma aldeia global de tribos e cada uma se defende como pode, e
dentro de cada tribo, cada um é senhor enquanto pode. Sim, que a Igualdade é a Utopia
maior. Lutar pela ecologia humana, creio, pode ser o único caminho para chegarmos
à Fraternidade - porque, da re-engenharia social só teremos êxito se com ela
contemplarmos o respeito ao sistema ecológico que nos é berço.
Temos sempre que ir ao Nada que existe em cada Eu para ganharmos a
verdadeira dimensão da Vida que é o poético e cósmico Todo humano.
Um dia, a humaníssima fragrância da flor que somos renascerá para dar
outros mundos a este mundo...em Amor! |
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LITERATURA E
ECOLOGIA
o eixo Ser Humano-Terra entre o sonho, o ódio e a
morte
O olhar de um alguém pousado suavemente sobre a Beleza de um jardim, de
um pantanal no alvorecer primaveril, ou de uma pequena gota d'orvalho no vidro de uma
janela, pode ser interpretado de múltiplas maneiras, uma vez que esse pousado
suavemente pode significar tanto o sonho, como o ódio ou a Morte. A imaginação do
poeta ou do artista, diante de tal quadro, é logo espantosamente fecundada; mas... só o
é quando esse poeta ou esse artista vivem (melhor: sabem viver) o drama de ser alguém
ante um quadro que os sujeita à construção de vários ambientes ficcionais, e tendo por
base a simples observação.
Os autores mais marcantes da Literatura, os de ontem e os de hoje, são
poetas e romancistas cujas concepções de Escrita têm como ponto de partida a
naturalidade das coisas e dos seres entre imagens sutilmente dramatizadas na percepção
imediata dos objetos, ou das sensações. Carrear o conjunto da Natureza para a ficção
literária, seja ela poética ou narrativa, sempre foi (e o é) atributo que honra o
artífice da Escrita direcionada para a alta recreação intelectual. E por quê?,
porque ao colocarem a Natureza como palco e sujeito de uma peça literária, os escritores
se definem como seres vivos respeitando as variantes daquel'outro palco que os sustenta...
É o valor da Ecologia, não como ciência mas como modo de ser-estar no seio da Natureza
no espírito de uma das mais belas criações do Ser Humano: a Escrita!
Se atendermos ao fato (dentro da Era da Industrialização) de que a
sociedade, para ser abstratamente eficiente, apela ...à frivolidade, à vaidade e à
ânsia de simbolizar status fictício, criando estupidamente necessidades fúteis e
artificiais que em nada contribuem para a verdadeira felicidade humana e que, muito ao
contrário, estão na base de muita frustração (1),
vamos encontrar no cotidiano um ódio geral que preconiza a Morte; um
estádio humano horrorizante que, por sua vez, encontra na alta recreação intelectual
matéria de oposição eficaz, como nos versos da seguinte ode pessoana que nos mostra que
...Tudo é tão pouco!
Nada se sabe, tudo se imagina.
Circunda-te de rosas, ama, bebe
E cala. O mais é nada
(2)
sendo importante, ainda, esclarecer que toda a poesia pessoana é uma
íntima dramaturgia onde o sonho e o natural (que quase sempre encontra a maresia cósmica
do sobrenatural...) são um só palco - em cada poema e em cada verso temos a
visualização filosófico-astrológica dos não-limites do Ser Humano.
O real e não-real assumem, entre os poetas e os artistas comprometidos
com a essência humana, uma proposta de tábua indicadora de uma Luz ainda possível em
cada um; da mesma forma que, entre os celtas, a druidina (sacerdotiza) dizia do Oráculo
ritmando cada palavra, cada frase, até acontecer a Poesia; portanto, uma Luz que
significava o Futuro vivido no Presente. E, que adianta
...cantar o campo, as selvas,
As tardes, a sombra, a luz;
Soltar su'alma com o bando
das borboletas azues
(3)
se, no mesmo instante, se pode escutar o canto do ódio que encanta a
Morte?, esse murmúrio que corrói e destrói, qual bomba nos implodindo lenta,
lentamente...
Assumir o real corporal que somos enquanto seres vivos implica saber
preservarmo-nos, olhar o Futuro com os olhos do Presente e, neste olhar - como
naquel'outro olhar de um alguém pousado suavemente na arquitetura do instante -,
observam-se dois Tipos de Reação: o da Perplexidade Paralisante (que define um Todo
anti-natural apontando, às vezes, para a auto-destruição) e o da Perplexidade Criativa
(que faz bulir no cérebro a genialidade das propostas de vivência plena da Vida
re-criando cada instante).
Será tudo mesmo assim?
Eu e vós, partes do mundo?
Ou o mundo, parte de mim?
Assim canta o mais alquimista dos poetas portugueses: António Gedeão-,
autor do famoso poema Pedra Filosofal. Depois destes três versos ganhamos a
dimensão dos limites... Sabemos que muitos intelectuais, que fizeram progredir sua
genialidade pelas Letras e abrindo caminhos novíssimos para a Estética e a
Inteligência, acabaram sob a Perplexidade Paralisante (como Camilo Castelo Branco, Mário
de Sá-Carneiro, Baptista Cepellos, Ernest Hemingway...), embora neste
caso uns poucos (como o da serenidade e da alegria do Ser e do não-Ser ante a Morte, na
concepção sá-carneiriana que assim quis se imortalizar, qual grego, na Obra instalada
na memória) procurem propositadamente essa abordagem abissal, enquanto outros - que,
mesmo conhecendo as vicissitudes da Vida acham na Natureza, humana e física, forças para
se dizerem presentes - chegam ao limiar do Existir corporal e, criativamente perplexos,
assumem o real para o
dissecar, em drama, e mostrarem que há sempre o outro Belo
aguardando..desde que o eixo Ser Humano-Terra seja preservado e dele se tire um proveito
de vivência em Fraternidade! Quando um Castro Alves canta a naturalidade das cores do
campo e da alma sem esquecer que a Humanidade precisa de Liberdade em-concreta-ação para
se exprimir dizendo de si mesma, ele é o pota da luta inteligente aproveitando o real
para o colocar, ante os outros, como chave para a Fraternidade e o Amor; e, ao fazê-lo,
vai buscar toda a carga onírica que implode no Cosmo e nos atinge - dessa Luz,
recebemos o difuso espectral do não-real capaz de deleitar e de exaltar as almas ainda em
busca de um caminho. Esta atitude intelectual também pode ser tida como um dos instantes
mais preciosos da Escrita quando lemos, de um Octávio Paz, metáforas assim
...Enlaçam-se e desenlaçam-se os reflexos,
as chamas, as ondas. Sombras trêmulas sobre o espaço
que respira
como um animal, sombras de uma borboleta dupla que
abre, fecha,
abre as asas. Nús. Sobre o corpo estendido do
Esplendor
sobem e descem as ondas. Sombras de um animal
bebendo sombras entre as pernas abertas da mulher.
A água: a sombra; a luz: o silêncio - A luz: a
água:
a sombra: o silêncio
(4)
que nos dão não só a reflexão sobre a própria Escrita, também, nos
levam à reflexão sobre o equilíbrio Ser-Natureza: um retorno espetacular às antigas
civilizações para as quais a Natureza era o Bem maior.
Toda essa Natureza hoje (...hoje e no ontem recente) muito esquecida que
leva aqueles que a usam criminosamente para o fomento odioso da Morte sobre aqueles outros
que a têm como Bem universal. Os homens e a natureza transformaram-se em simples
objetos do processo social. A produção do valor de troca dirige a lógica do sistema. Se
os homens ou a natureza representam impecilhos para a obtenção do lucro, nada mais
lógico do que eliminar tais custos (5) - eis como o Ontem recente e o Hoje
são, socialmente. E, como no espírito da máquina,
levaram e levam ...a Ciência (...) a ser neutra por definição,
embora também isso faça parte da ideologia. Em sendo destituída de valores, também o
é de ética (6).
Da observação deste Todo social e político, tirou e tira o Escritor
uma lição valiosa: não adianta pensar em Futuro quando a Natureza está sendo
destruída no Hoje. Não adianta: o Tempo e o Verbo de muito Escritor no-lo mostram.
Então, aquela belíssima imagem de Octávio Paz, onde há sensação e reunião de
corpos, Natureza e mitos, é a imagem da contestação à destruição - à Morte que
acompanha a sociedade industrial, esta que nos rodeia e nos implode pelas ondas insanas da
futilidade; esta, para a qual o jogo do Erotismo e a presença da
Natureza não são uma escrita do deve/haver. Foi
percebendo esta corrente negativa que fernando Pessoa nos legou, por um heterônimo, os
versos
Circunda-te de rosas, ama, bebe
E cala. O mais é nada
tão certo que ele estava da precariedade que vem corroendo o eixo Ser
Humano-Terra. O equilíbrio necessário que, por outro lado, podemos retirar das
metâforas octavianas. Quem decide viver a Vida produz um novo Tempo e um novo Verbo.
A estratégia observacional - a natureza que se põe
diante
do escritor como um terreno a conquistar pela ação
política
e intelectual, que lhe daria como prêmio o saber que
ajudara a formar
e a formular a própria pátria - se opõe o que
chamaremos estratégia essencialista; a natureza é
una
com o homem que a lavra,
e do intelectual se exige que os apreenda em um
conjunto ativo,
que vá além do seu traço descritivo...
(7)
E se em Almeida Garrett e em Eça de Queiroz, ou ainda em Graciliano
Ramos e Guimarães Rosa, podemos estudar o intelectual face ao natural (mas, aquele que
não deixa viver a Natureza em sua escrita), já em Walt Whitman e em Alberto
Caeiro (heterônimo pessoano), como em Federico Garcia Lorca e em Rosalía de Castro, ou
Mário Quintana e Drummond de Andrade, Al Berto ou Augusto Abelaira e Sidônio Muralha,
ncontramos o intelectual umbilicalmente ligado à Natureza. Tornando a Quintana,
Antes havia os relógios d'água, antes havia
os relógios de areia. O Tempo fazia parte da
natureza.
Agora é uma abstração - unicamente denunciada por
um
tic-tac mecânico,
como o acionar contínuo de um gatilho nua espécie de
roleta-russa.
Por isso é que os antigos aceitavam mais
naturalmente a morte.
(8)
e ainda:
O criador - seja ele um romancista, um cineasta,
um pintor, um poeta - não cria coisa alguma.
E num mundo onde todas as coisas já existiam, o
verdadeiro criador
se limita apenas a mostrar tudo aquilo que
os outros olhavam sem ver.
(9)
colocando-nos ante aquela realidade que o querer sá-carneiriano (10)
quis provar e provou, em Paris: o poeta aceitou a hora da Morte como um dom natural e se
foi entre gargalhadas de veneno sob o efeito da memória. Ora, a realidade aqui
referida prende-se com o eixo Ser Humano-Terra e a filosofia grega da qual se extrai que
à Vida basta a Obra feita podendo a Alma se aquietar na sua essência cósmica...
Questão tão puramente natural que um técnico da virada do Séc XX para o XXI, como
José Lutzemberg, afirma que
A Ciência deve voltar a ser o que era
para os antigos Gregos -
percepção de harmonia, gozo estético, deleite
espiritual,
exercício intelectual
fazendo-nos retornar à linha estética de simbolistas e de românticos
mas, sobretudo, aos escribas que fizeram e fazem das Letras o jogo possível d'harmonias
entre o Ser Humano e a Natureza.
Quando um alguém apreende a globalidade do Belo que a Humanidade
carreia - isto é: nós mesmos - e da Estética que emana daquilo que lhe é exterior,
esse alguém está descobrindo o Todo cósmico; para si, que é o pólo sensível, e para
os outros a quem transmite por recreação o sublime desse Todo.
É como que
uma nova Carta do Cosmo
nascendo das entrelinhas do Ser e do não-Ser que os fazedores da
Literatura proporcionam sob a êgide do espírito ecológico. Sendo que o termo
Ecologia, aqui, é o do sentimento de um alguém (no caso: o poeta, o artista) que
encontra a violência e a Morte entre o sonho, quando diante da realidade anti-natural
onde gravita habitualmente. E poderá este alguém ser chamado de bucólico por ser
assim?, por agir assim?... O místico não deve recear o ridículo, se quiser ir até o
fim, até o fim da humildade, até o fim do gôzo, escreveu Mílan Kundera (12).
Quem é capaz de cantar a Vida no ambiente vário que esta dispõe, para todos, não só
bebe no bucolismo a essência da preservação do eixo Ser Humano-Terra como estabelece um
diálogo com o Cosmo, daí
aquele horizonte azul
que encontramos na Escrita de um Cepellos, de um Pessoa, de um
Novalis... O azul que é um infinito, o azul que é um limite: azul -
a cor do Ser e do não-Ser. A cor
da aventura
sempre possível de sustentar sobre a inépcia rotineira em que a
maioria dos mortais vai (co)existindo - e pior: operando, passiva ou ativamente, a
destruição a destruição do meio natural que lhe é suporte físico!
A importância da Literatura na esfera da Ecologia é de tão profunda
valorização humana que existiram, como existem, escribas de alta criatividade
intelectual sob a influência positiva dessa aliança dinamicamente natural; o que,
por outro lado, levou esses cêrebros ao encontro do misticismo tendo a Terra como chão
de uma passagem tida como de Alegria e de Amor, porque o Amor..., e tornando aqui
à Escrita kunderiana,
o amor é uma interrogação contínua...
Aqueles que na Literatura vivem a experiência fantástica
da Vida
são intérpretes extasiados do climax da aventura
que a Criação proporciona.
Por isso, quando se afirma que há hoje uma tendência dos seres para
uma observância mais cuidada dos aspectos inerentes à Terra e ao Cosmo... uma tendência
bucólica e ecológica, a afirmação é falsa; o que é verdadeiro é que a Humanidade
caminha para um precipício ao ignorar, desde sempre!... a co-existência pacífica e
ordenada que deveria haver entre ela e o Cosmo.
Veja-se, então, a importância da Literatura no âmbito da consciência
do valor dramático das coisas e de comos os seres (eles e elas, quer na poesia quer no
romance, ou no ensaio) têm sido uma Luz maior que vem abrindo espaços para uma ountra e
mais atuante observância do eixo Ser Humano-Terra.
O sonho, o ódio e a Morte, fazem parte do drama existencial que é
estar em-Vida; e, não nos enganemos estupidamente: a Verdade de nós e sobre nós tem um
Tempo que, se não o aceitarmos naturalmente, nos leva(rá) ao auto-sacrifício;
entretanto, se aceitarmos esse Tempo como o algo-da-construção do caminho entre nós e a
Natureza, aí há um algo-novo explodindo em harmonia - assim, como a poesia que nos
encanta!
Da mesma maneira que encontramos na Literatura vária exemplos da
Ecologia emocional - e, emocional porque verdadeira -, sejamos também exemplos de uma
Vida vivenciável
...naturalmente!
Notas
01- Lutzemberg, José A. - in Fim Do Futuro?/Manifesto Ecológico
Brasileiro, RS/1976
02- Pessoa, Fernando - in Odes (het. Ricardo Reis)
03- Alves, Castro - in Os Escravos, RJ/1988
04- Paz, Octávio - in O Mono Gramático, 1988/RJ
05- Cota, Raymundo Garcia - in Carajás, RJ/1984
06- Idem
07- Lima, Luiz da Costa - in Sociedade e Discurso Nacional, RJ/1986
08- Quintana, Mário - in Porta Giratória, RJ/1988
09- Idem
10- Sá-Carneiro, Mário de - suicidou-se em Paris (1916) com requintes
de modernista segurando
os remos de uma barca chamada Memória.
11- Cepellos, Baptista - poeta brasileiro: suicidou-se no Rio de Janeiro
(1915).
12- Kundera, Mílan - in O Livro Do Riso E Do Esquecimento, Lisboa/1986 |
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A PERSPECTIVA
ECOLÓGICA
NO SENTIR PESSOANO
O canto d'O Quinto Império, recolocado no mundo pela pena suave (mas
atrevidamente guerreira) de Fernando Pessoa, poderá ser estudado como uma mera vertigem
onírica?...
Mesmo?
A visão vieiriana (1) pretendia encontrar o Graal nos confins da
Besta, no momento em que a transformava em Ser Humano; e esta visão transcendental havia
sido colhida entre as cores e a luz daquela paisagem tropical que, mais tarde (muito mais
tarde, já no final do Séc 19), o poeta Baptista Cepellos (2) haveria de definir,
em seu primeiro livro (3), como ...a côr da viçosa frescura (...) que sorri.
E aquele jesuita - o Pe António Vieira, na realidade sentia-se não sobre mas dentro das
correntes telúricas (essas, tão criativamente expostas por Umberto Eco n'O Pendulo de
Foucault) que fluíam no vasto império espiritual - essas: as mesmas que fizeram
chegar à Insulla de Brazil as caravelas portuguesas. Se os impérios babilônio, persa,
romano e grego não completavam o Todo humano, o português seria o instrumento mais do
que possível para serenar a Besta diversa colocando n'...a proibida azul distância
(4) o Tempo e o Verbo do Cristianismo histórico embora que embebido na mercantil
sobrevivência que misturava, e mistura, o mito com o místico.
Já não é, então, uma simples questão onírica ornamentando uma
época: é a virada!... A tempestade humana na luta continuada que os celtas haviam
experimentado outrora e deixaram no sangue que deu vida ao ser-português.
Fernando Pessoa (5), ao fazer-se ao mar e tornar-se emigrante -
portanto, fazendo parte da grande diáspora lusa, tinha na bagagema epopéia
camoniana e os aspectos gerais e cósmicos que orientaram os portugueses cantados pelo
poeta imortal d'Os Lusíadas. E como desvendar os mistérios que Camões não pôde
ou não soube cantar para lá das evidências históricas?, e os outros mitos?...Ao poeta
(o outro, de outra época, o que se desdobra para se interpretar e deixar a Literatura
pasma com tal alma), a dimensão d'Humanidade não está/estava perfeitamente disposta no
tocante à História de Portugal e, menos ainda, a razão psicológico-pátria do expansionismo.
Animando mais ainda a sua vocação para o esoterismo, Pessoa decidíu não preencher as
lacunas de Camões mas desvendar/traçar ele-mesmo as linhas mestras que decidiram do
ser-português na Distância. Aliando a sua leitura d'Os Lusíadas ao conhecimento
da ação vieiriana, o poeta galgou outros medonhos medos para se encontrar como um
ser-português diante da Verdade histórica e humaníssima
um Fernando Pessoa exótico
confrontando as variantes das aventuras cavaleirescas e marítimas com a
dinâmica de um mundo natural e exposto, como em
E víu-se a Terra inteira, de repente,
Surgir, redonda, do azul profundo
(6)
traduzindo, assim, a fantástica experiência do Homem e da Mulher ante
a grandiosidade e as sutilezas da mãe-Natureza.
Sabendo que, com as doutrinas antigas teve início a novíssima fase do
Ocidente, e que esta teve na ação vieiriana um dos mais importantes instrumentos
(salvaguardando, aqui, os tempos), Pessoa estudou o processo desse jesuíta para um
entendimento claro da força cósmica - e, o mais importante: o poeta, em sua viagem às
cores e à luz das paisagens tropicais e outras, mas particularmente àquelas, escreveu
Mais perto, abre-se a terra em sons e cores:
E, no desembarcar, há aves, flores,
Onde era só, de longe a abstrata linha.
O sonho é ver as formas invisíveis
Da distância imprecisa, e, com sensíveis
Movimentos da esp'rança e da vontade,
Buscar na linha fria do horizonte
A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte -
(7)
para logo descobrir, como naquela poesia cepelliana onde Aquella
triste árvore eleva/ Os galhos seccos para a treva,/ No desamparo de uma Cruz (8),
que há
um Fernando Pessoa ecológico,
aquele preocupado com o além-do-essencial à presença humana na Terra;
precisamente os aspectos que a Obra camoniana não trata mas que estão visíveis,
palpáveis, na Obra vieiriana.
Há como que um choque que arrepia a alma do poeta, como se pode
observar em
Violou a Terra. Mas eles não
O sabem, e dançam na solidão;
E sombras disformes e descompostas,
Indo perder-se nos horizontes,
Galgam do vale pelas encostas
Dos mudos montes
(9)
e achando, aqui, da mesma maneira que o jesuíta achou, o lado mau do
Ser Humano - aquele que a Besta ajuda(va) a desenvolver para baralhar o Destino e a
Vontade dos seres. Percebeu ele (e no-lo diz no poema Prece: Se ainda há vida ainda
não é finda) que às matérias Ser Humano e Terra haveria de se acrescentar um
pêndulo espiritual para a continuação da busca do Graal. A importância deste
equilíbrio está, não apenas no
ser uno e diverso
que sabe se encontrar na plenitude de um Destino maior (também uno e
diverso), mas, sobretudo, na importância da descoberta daquilo que é o natural - porque
assim deve ser...
naturalíssimo!
Esta outra face - ou, aquel'outro Fernando Pessoa, raramente achado quer
nas conversas de café quer entre os especialistas da dimensão pessoana, é um quadro
humano de força. De vitalidade emocional. O espírito de busca em Pessoa é idêntico ao
de Vieira; o poeta não conseguíu ver na Obra camoniana a grandiosidade d'O Quinto
Império - nem poderia, porque o épico foi um poeta-guerreiro e, ele, o poeta da
coisa oculta, foi guerreiro do transcendental e do invisível que se torna visível com um
toque d'arte sublime - magia poética, dentro dos próprios porões da História; e daí
aquel'outro Fernando Pessoa
capaz de uma pluralidade bem urdida para nos dizer Eu, da Raça dos
Descobridores desprezo o que seja menos que descobrir um Novo Mundo! e, no mesmo
Ultimatum, Eu, ao menos, sou
bastante para indicar o Caminho - ora, era ele, o poeta, e o
Outro (Álvaro de Campos) cantando já a determinação de um espírito diferente e
percursor de uma projeção humanista e natural que abriria a defesa d'a Terra inteira,
portanto
Que as forças cegas se domem
Pela visão que a alma tem!
porque no sentir do poeta está o Caminho que leva à vivência exótica
do Todo humano, entre A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte - isto é: entre
as cores e a luz de uma paisagem humana que deve(ria) ser preservada além do azul
profundo; naquele além que é metafórico e é real mas onde Fernando Pessoa achou
a paisagem da Vida!
Notas
01- Vieira, Pe António - SJ, homem de rara sensibilidade, viveu no
Brasil onde deixou uma
Obra hoje fundamental para o estudo da expansão cultural lusa, como
da ação de cristandade na formação do Brasil
02- Cepellos, Baptista - poeta brasileiro, da paulista Cotia (1872-1915)
03- A Derrubada (poemeto), 1896/SP
04- in Mensagem (Noite)
05- Pessoa, Fernando (1888-1935)
06- in O Infante (Mar Portuguez/Mensagem)
07- in Horizonte (Mar Portuguez/Mensagem)
08- in A Derrubada, op. cit.
09- in Fernão de Magalhães (Mar Portuguez/Mensagem)
10- in O Quinte Império (O Encoberto/Mensagem) |
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NATURALÍSSIMA
E POÉTICA ALEGRIA
da Poesia e do poeta que espreita a Vida
e se diz Oráculo do Todo
Nosso eco vagueia
no mesmo vento
Sempre!, e este sempre tem um sabor d'imortalidade, os poetas
souberam dizer dos espaços, souberam traçar um diálogo vivificante ao qual corresponde
a Liberdade.
E neste sempre está o nosso Tempo.
Este, em que nos buscamos num abraçar d'esperanças e motivações
desencadeadas em vários pontos do nosso chão físico - e, no entanto, sob uma
mesmíssima corrente humana e natural.
Sabemos que a Natureza se reproduz como um Todo dentro da diversidade,
assim como os poetas atuam para serem não só um Todo mas, também, o lugar onde os
outros podem ser iniciados; porque nosso eco vagueia no mesmo vento (1),
como escreve(u) Francisco Igreja em seu poético abraço a um negro oprimido...e, no mesmo
Tempo, outro poeta andarilho (em outro lugar) - Carlos K. Couto, escrevia: À dor? Com
alegria afirmarei:/ dei banana cantando pela vida/ num bem sacana carnaval de amor (2);
a Humanidade tem este caprichoso fluxo que a Poesia, e só ela, movimenta, em prol do
encontro invisível que, mesmo assim, viabiliza a convivência e a força do Ser Humano
numa diversidade apaixonadamente total. Sabemos, também, que a Poesia não é um elemento
que possa ser manipulado - isto é: a Poesia não
aprende, ela vai ao Homem ou à Mulher insuflando-os desse dom, e a eles
só resta apreender desse dom a mágica que o intelecto irá disfrutar. Sendo una
enquanto dom, a Poesia renasce em cada Ser para tornar-se diversa... Então, entre a
Poesia, o Ser Humano e a Intelectualidade do mesmo, existe uma linha natural de vivência
que proporciona o abraço da Fraternidade sem barreiras no tempo e no Verbo, colocando do
mesmo jeito os Fazedores da Poesia como câmeras d'eco de um gritar imenso e
profundo: o respirar da Natureza
que é e está em nós
porque não cansamos de a dizer cantando isso mesmo
...nos ventos...
nas geleiras que cariam o granito
ou passeiam brancas nos cumes
(3)
sujeitando-nos, ou, sujeitando o poeta ao equilíbrio entre o estar e
o sentir que, dentro da linha natural da vivência, o leva a não esconder a
necessidade d'espreitar a Vida para ser o Oráculo onde os outros podem apreender os
sinais vitais da cósmica condição humana - , essa essência sem Tempo. Ningém é
intelectualmente válido se não estiver de acordo com a harmonia que emana da
mãe-Natureza. Somando tudo, podemos concluir que a Poesia é um importante instrumento
da Paz; que, dela podemos dizer, como o faz Dalila Teles Veras,
A poesia me procura
- carga por demais pesada
fustigando meus guardados
e o novo não mais espera
que o deixe amadurar
(4)
tendo-a, então, como um valiosíssimo meio capaz de fazer nascer
emoções iguais num Tempo que abrange a Terra, e não um único lugar; da mesma forma que
Francisco Igreja canta(va) seus versos fraternais e Carlos K. Couto o faz(ia) num cântico
à Vida; e como o poeta que, em igual Tempo mas não em lugar igual ao de Dalila Teles
Veras, escrevia
...na sombra pintou o poeta
pra cuidar de ti...
(5)
Enquanto a poeta se sentia tomada pela Poesia, ele - o poeta, entre a
natureza empobrecida que é a sociedade industrial, tentava o equilíbrio para salvar a
urbe do caos ao saudar o espectro em que a Luz se faz Cor e nos mostra a Vida. Ora, este
abraço é tão igual àquele outro que o poeta manda(ra) para um negro opimido, que logo
nos salta, entre as idéias, uma definição possível para a Poesia:
veículo motor da Unidade entre os seres e a Natureza.
E quando os poetas não encontram no mel da Natureza a força da
Alegria, aí podemos escutar a dor,
A realidade me mata
Me emudece o sofrimento
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E no fim nada é real
(6)
um canto de perplexidade que corrói o Ser em dado momento e o leva para
o estádio religioso onde diz
..eu nasci
Por obra do Santo Deus.
Vivo na terra, olho os céus
A quem tantas graças pedi
(7)
aliás, um estádio inerente à face mística do ser Humano que se
manifesta sem Hora marcada.
Uma paisagem humana cuja vertente psicológica nos faz descobrir
contemplativos, quais almas absorventes do todo natural e irreal, indagando-nos
positivamente para assegurar, dessa Natureza,
...o alimento
pra seguir cantando
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e deixar aflorar tuas entranhas
até que venhas, rendida, ofertar-me
(8)
esse tão sutil mel que adoça e alegra esta nossa Existência.
Também, pelo narrar das coisas e dos sentidos no ventre da Mãe
africaníssima (África.Adeus, Udesc,1979), encontramos a mitificação
contemporânea que enforma a ação social na Poesia, como neste exemplo de Helena
Noronha:
fome
pés nús
leitos de capim molhado
partos dionisíacos de batuque
chuvas turvas dinamitam mares
inocentes crianças cantam liberdade
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tuas mãos são carinho da enxada
acarinhava-te o rosto o sol das charnecas
eis aqui, de novo, a perplexidade do Ser Humano por estar diante de
si-mesmo e do Cosmo!
E sendo a Alegria o mel da Natureza, já é fácil aferir de um
alguém que se torna ...peregrinação: essa instável qualidade do alguém
comprometido com alguém - quase sempre ele próprio. A chama da Vida acesa (9),
como naquele primeiro exemplo do poeta Francisco Igreja em que ele abraça(va) um outro
alguém convidando a(s) natureza(s) para a cumplicidade da Liberdade sob o espírito do
Amor. Isto porque, ao estabelecermos uma linha de igualdade entre os seres vivos e o meio
natural (e considerando que a Poesia é um sinal da herança de Liberdade que renasce em
cada ser dotado desse qualidade) estamos usando uma linguagem de ruptura com o comodismo e
dizendo que a Natureza é um dado palpável porque nós somos a Vida e não existimos sem
ela, enquanto que ela - a Natureza, existe sem nós.
É urgente que nós apostemos numa correspondência leal com as leis que
regem o meio natural onde sobre-vivemos. Veja-se como aquele poeta abraça(va) um irmão
de outra raça, um irmão oprimido, agindo num gesto de Liberdade própria para tentar
assegurar a preservação da Humanidade. E, eis como essa linguagem simbólica, mas de
ruptura!, extrapola a questão fisicamente humana... porque uma Poesia d'emoção e de
política social. Já abrimos feridas terríveis que leva(ra)m ao desgaste dos meios de
reprodução da Natureza e, com isso, colocamos em perigo a nossa Existência, sendo agora
preciso deixar
...correr a imaginação,
Raio de luz que ilumina a terra
Até atingir o infinito, a razão
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A vida é o centro do meu mundo
(10)
como no-lo diz Rui Assis e Santos em sua escrita, que vai da nostalgia e
da decepção poético-espiritual ao equilíbrio necessário com todos os valores que nos
rodeiam.
O poeta, ao espreitar a Vida, ao apreender dela a essência do existir
no Cosmo, passa a ser o Oráculo que, interpretando os valores sensíveis da linha que une
a Humanidade com a Terra, tem por missão despertar a consciência do Todo humano para a
preservação integral dessa linha - isto é: das vidas, o Humano é e deve ter o
auto-conhecimento!
01- Igreja, Francisco - Procura-se Um Poema, OL&A/RJ, 1986
02- Couto, Carlos K. - in Poema De Agora, Ed. Zagorá/Niterói-RJ, 1986
03- Igreja, Francisco - Op. Cit.
04- Veras, Dalila Teles - in Elemento Em Fúria, Teresina/PI, 1989
05- Barcellos, João - in Um Luso Na Ilha De Sampa, SP/1989
06- Santos, Rui Assis e - Ofício De Viver, SP-1987
07- Idem - in Poesias De Improviso E Torna Viagem, SP-1983
08- Veras, Dalita Teles - in Madeira:Do Vinho À Saudade, Portugal/1989
09- Barcellos, João - in Poesia E Seis Contos Dum Baralho Só, SP-1988
10- Santos, Rui Assis e - in Palavras, SP-1989 |
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