Acerca d'Exuberância
e Folia no mar-de-longo

breve história poética

Quando me debrucei sobre a História de 1500
e a Luso-Brasilidade que veio a surgir,
perguntei-me: como foi mesmo essa História?

Índice

1 - Primeira Parte
entre sagres a ilha brazil e a índia

2 - Segunda Parte
brazil - a ilha que não era ilha
mas terra grande

3 - Terceira Parte
entre a ignorância o paraíso e a morte

Das viagens e estudos, mas particularmente na vivência da brasilidade e de alguma, às vezes obtusa, luso-brasilidade, João Barcellos foi aos mares d'antes e sempres navegados - ao contrário da poética camoniana e de alguns favores pessoanos - para nos dar alguma luz histórica sobre as estórias fabulosas que deram origem à Ilha Brazil.

Através de 30 poemas, de 10 versos - dizem que o 10 é o número da perfeição -, divididos em 3 partes, João Barcellos canta a História desde os mapas céltico-fenícios à ponta de Sagres passando pelo retorno ao Velho Mundo que os ousados navegadores do Novo Mundo chamado Europa deram aos continentes achados.

A importância desta poética está, também, na linha traçada entre a Independência brasileira e toda a mercandância que fez de Portugal a primeira nação do mundo, durante o Século 16.

EXUBERÂNCIA E FOLIA NO MAR-DE-LONGO é a lírica de uma determinada Diáspora intelectual, que existe desde o Séc. 17, e a épica sempre presente na nebulosa histórica que une Portugal e o Brasil.

Às vezes, é preciso cantar algumas verdades para que a Memória não se vá, e o nosso jeito de ser não seja algo em vão. Este é o mérito desta poética de João Barcellos. (Tereza de Oliveira - poeta e crítica de arte)


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Atualizado em: 18 September, 2000

 

 

 

 

 

 

 

 

Volta ao início 1

Velhas eram as cartas

como velhos eram os marujos

oh lisboa

terreiro de passos mil

a ti chegaram os antigos as rotas

as cartas da sobrevivência

e do mundo tomaste ciência

oh lisboa

em tua mercantil essência

marujos riram à toa

II

peitos fartos d'esperança

desde que da espada d'o conquistador afonso

o lusíade estar se fez portugal

no embalo do novo reino

que os cruzados ajudaram a levantar

mandando pra áfrica os mouros

eis a europa na força dos célticos touros

do porto a portugal

raiaram ouros

no escarlate da morte feita arraial

III

terra nobre de pão e frutas

de mar à mão

eis que um príncipe

tomou as cartas e os saberes

e do restelo se fez

à ponta de sagres

pra lançar ao mundo outros olhares

era o tal d'henrique

o navegador dos mares

antes navegados por outra élite

IV

dos velhos povos celtas

que eram de mui e confusos nomes

teocratas pagãos

etruscos e vascos e vikings e fenícios

e outros nômadas e marujos

soube-se em lisboa de um mar-de-longo

d'amazonas e muito ouro

clãs

ousados no ousar o longo

caminho da terrível paz

V

tempo é aquilo que se faz

no desejo de preservar o estilo

do ser e do estar

um espaço de pensamento

arte e ação

e os sangues celta e romano e grego e lusitano

e outros mais fizeram do português um ousado bravo

ser e estar

português é viver o bravo

abraço do mar

VI

henrique navegou com o seu coração

de sonhador

as correntes d'água e sal

ventos e tempestades

fez um tempo

da madeira aos açores soube que embarcações chinesas

navegaram a costa d'áfrica sob estrelas

o príncipe de portugal

criou em sagres outras velas

para a cruz de cristo ir em correntes d'água e sal

VII

a fortuna dos templários

era da cavalaria da cruz de cristo

e o príncipe o geral

as cartas e as ordens eram mistérios

como pergaminhos escondidos nos desertos d'oriente

mas mistério maior era ser português

independente e ter o mundo como freguês

de cientista a pirata e tal

sorria o coração d'henrique como o do camponês

que da terra alimentava portugal

VIII

somos o tempo novo de um antigo mundo

que nas marés nos seduz à brava travessia

dizia o príncipe encantado

as naus e as velas novas com a cruz

diziam da ordem e não do pavilhão pátrio

que a ordem pagava

e portugal só navegava

pelo desejo do encantado

era preciso ir e vir na marítima jornada

que iria romper o místico quadrado

IX

um ir e vir

de penosas batalhas contra o mistério d'além-mar

que as cartas lidas em sagres e lisboa

dizem ser d'especiarias muitas

preciosas pedras e ouros

de peito aberto e bravo

o português dobrou mistérios e na esperança o cabo

oh lisboa

e tu choraste os idos em lágrimas de sal talhado

sob a tua estrela boa

X

se foi um dia o encantado príncipe

na mortalha doce da onírica presença em vida

ficaram naus e caravelas

a cruz de cristo

o povoamento da madeira e dos açores

os ouros da mina d'áfrica

e uma raça de titãs na busca da graça

ilhas belas

surgiram entre neblinas além d'áfrica

era chegado o velho mundo ao bojo das caravelas

XI

já a mercantil élite do clero dividira o mundo

descoberto e a descobrir

entre portugueses e castelhanos em tordesilhas

américo vespúcio e colombo viajaram depois

com uns e outros no mar-de-longo

todos queriam as índias das especiarias

quase todos caíram por ninharias

pois que em tordesilhas

só os portugueses sabiam d'índias e d'especiarias

como de outras ilhas

XII

amazonas e ouros queriam

todos e todos caíram na exuberância

que era toda aquela folia

de coisas antigas e raças e vegetações

outros reis e rainhas

deuses e mais deuses no redondo

mundo que havian visto no mar-de-longo

caíram na folia

d'escravizar nativos no abraço vergonhoso

da destruição que também os engolia

XIII

era cheio o velho sonho d'henrique

colombo e magalhães

e cabral

mudaram crenças e estórias

na conquista dos mares

mas eram prisioneiros de um outro querer

a vontade do poder

portugal

tomou posse enfim da ilha das antigas cartas

a ilha brazil que fez sorrir cabral

XIV

e a língua dos portugueses era a diplomacia

dos comércios de terra e raças

a conquista do sonho

fez um império que os jesuitas quiseram para si

na ilha brazil

nobres aventureiros e outros se fizeram bandeirantes

alargaram as terras e escravizaram um império d'antes

na maresia do sonho

chegou vieira pra cantar a bandeira d'antes

e alargar a língua do sonho

XV

entre a espada d'o conquistador afonso

e as cartas d'o navegador de sagres

um vero portugal

ficou em ruínas na sombra das conquistas

do restelo partiam desesperados e degredados

e até fidalgos pra ilha brazil

queriam outra pátria e um porto seguro no brasil

dizimaram jesuitas e nativos e fizeram arraial

na ilha brazil

nascia o outro portugal

XVI

em terras d'áfrica dominaram e escravizaram

mas não venceram nem convenceram

e em terras d'oriente

comerciaram os ouros que eram pimenta e eram cravo

como se sabia da ciumenta veneza

brazil era a terra grande escrita pelos povos celtas e outros

nas cartas que henrique lera como coisa de loucos

e eis que antes d'henrique

o mar-de-longo dera a terra grande aos loucos

ousados que não íam pra oriente

 

 

 

Volta ao início 2

XVII

ao tempo em que o espaço era nada

só o sobre-viver era de interesse

para os clãs

não era mais o umbigo e sim a pátria-império

o umbigo do todo humano

se fez desse todo um mistério maior

a cada um e cada uma cabia explorar com alegria e dor

na busca de poiso os clãs

dos navegadores fenícios que dos celtas era asiática flor

chegaram à ilha brazil em paz

XVIII

brazil que nome era céltico

e era assim terra grande

chegou como ilha às cartas rústicas

e de portugal partiram espiões

d'henrique e d'el-rei pra saberem que brazil não era ilha

mas ilha ficou

que a el-rei não interessava dizer a castela o que achou

e se castela já usava as mesmas políticas túnicas

pra não dizer o que tinha já portugal a burlou

em tordesilhas como que jogando pedras rúnicas

XIX

e eram as cores tão naturais

como as d'áfrica achada

assim a índia deveria ser

e no desespero da travessia d'água e sal

quiseram e ousaram muitos ficar

na índia-do-meio-caminho

e deram nome d'índio aos da ilha do limbo

que de outro jeito pois não haveria de ser

cabral e caminha chamaram a ilha de vera cruz e lido

foi isso por el-rei em risada d'enlouquecer

XX

os nautas de sagres souberam ler as cartas

tesouro vendido a judeus nos bancos d'europa

e outros mercadores fugindo de veneza

cantando o dilatado império nos mares d'antes navegados

os portugueses fizeram da pátria a fé

com nóbrega e anchieta e vieira

no encalço da coisa boa deram outra fala à nova eira

oh sagrada e pagã natureza

a ilha brazil acolhia também os sem beira

com as bandeiras se foi dali a delicadeza

XXI

tanta era a fartura de tudo

e índio dando índia pra cara branca

que um ramalho

iniciou na ilha brazil a nova raça

e um dia entre bacharéis e poetas e militares

um outro portugal se abrigou no brazil

um outro graal foi achado na ousadia varonil

do que foi achado

sonharam os novos com uma américa de nome brazil

só vive livre quem ousa e é bravo

XXII

mas se sabia na boêmia

dos novos ricos

que se fartavam em lisboa

do querer que enchia o peito dos novos do brazil

o mesmo que enchera d'esperança

aqueles que do restelo partiram para o mar-de-longo

e só faltava ao brazil um primeiro afonso

que chegou como tiradentes na proa

do sonho dos poetas que cantavam o dia longo

da separação de lisboa

XXIII

raça nova em português falado

na cultura outra entre os d'áfrica

e os já poucos nativos

e assim deram forma à bandeira

de uma pátria que do sonho era prenha

depois de fernão e de tavares e de feijó e outros mais

os poetas da fé ousaram mais

os do imperial umbigo eram cativos

da ignorância e queriam mais

eram já os próprios cativos

XXIV

era império novo a terra grande

e o de lisboa pagava a conta aos ingleses

após a odisséia napoleônica

e eis que nascia no brazil a américa nova

finda era a era dos navios negreiros

livres eram o sabiá e o beija-flor

o pau de tinta e a arara nesse tempo d'amor

e como era vergonhosa

a alma sem amor

dos que só queriam glória da terra grande e charmosa

XXV

sabido o mar-de-longo

sabido o redondo traço da terra

e o caminho sob o sol e o luar

caíu do vaticano o clero imperial

caíu a sombra e a miséria sobre os portugueses

e o brazil se fazia raça e nação

terreiro de fé muita e farta canção

quem sabia da exuberância e do amar

caíu na folia da revolução

que o entrudo e os terreiros trouxeram do mar

XXVI

se de gênova a flandres circulavam as especiarias

da mercandância portuguesa com cheiro de cravo pimenta e canela

assim como corriam os dinheiros entre bruges e antuérpia e as feitorias

foi na lisboa do mesquinho interesse que o império se foi

onde a casa da contratação atendia aos de fora e não aos de dentro

que o cabedal de uns e outros não tinha peso igual

e no brazil ninguém queria depois dos quintos coisa igual

afundou a barca portuguesa nas íntimas feitorias

e do outro lado do mar o sal

o ouro e as pedras faziam um novo império de folias

 

 

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XXVII

da sábia ciência d'henrique

plantaram da sicília a cana d'açucar na madeira

ilha nova que deu bom vinho

para a troca com o trigo das itálicas repúblicas

feitoria feita com a cruz de cristo

imitava na mercandância os velhos templários

na cruzada judeo-cristã da fé dinheiros e poderes vários

enfunadas as velas no caminho

da índia com trocas em bruges e antuérpia ficou o mundo cheio de donatários

tirando do esforço de muitos o melífluo limbo

XXVIII

desde a antiguidade céltica

reis eram de deuses o espelho

a força e a vontade

obedeçam todos a el-rei

na lei e na grei que no comércio do navegar

já ele criou almoçatarias

dando aos seus e aos ricos de fora nobre benfeitoria

ajoelhada diante da roma católica a idade

portuguesa foi do clero uma feitoria

mistérios e destruição saíram de lisboa para a nova idade

XXIX

e era assim derrubada a civilização

dos antigos d'áfrica e as da hiléia americana

em seu retorno ao umbigo do todo humano

os brancos derrubaram a paz dos negros

a destruição foi lei

em nome de deus dilatando a fé do ódio

entre os povos da floresta e era assim o ódio

tão grande que o querer humano

virou riso naquela folia e era assim um ódio

tão grande ódio que tudo virou farrapo

XXX

entenderam os que entenderam

os da chacina tudo perderam e como ratos

voltaram para a pobre-rica europa

os d'áfrica resistiram em nome da mãe áfrica

os da hiléia americana falando castelhano

e português resistiram para serem eles mesmos

os donos do velho mundo sacrificado aos novos tempos

o norte d'américa se fez contra a europa

e eram novos os tempos

na ilha brazil pela poesia e a espada da raça nova