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COTIA
entre a história e duas figuras ímpares
1. Qualquer referência que alguém faça a Cotia, no plano histórico
brasileiro, duas figuras - cada uma com seu peso bem definido - se destacam: o escritor,
capitão e promotor público Baptista Cepellos, e o padre, maçon e político Diogo
Feijó. O primeiro, nascido em Cotia, e o segundo, nascido em São Paulo mas com
berço em Cotia. Dos grandes eventos cósmicos e geofísicos, ao tempo de uma Terra que tinha a África, a Lemúria, o Hiperbóreo, a Atlântida e a Ásia, como regiões continentalmente definidas, já a Hiléia - isto é: a Amazônia - era habitat dos povos florestais, perdidos ou distantes das grandes civilizações que floresciam na África e na Atlântida. Antes do Século 16 da nossa era, um desses povos deixou a Amazônia central e caminhou pela costa da Ilha Brazil (Brazil, na linguagem celto-fenícia, ou indo-européia, significa Terra Grande, nome que esses povos colocaram nos mapas com as suas rotas marítimas). Tendo como eixo tribal a Koty (que em tupi-guarani significa Casa/Ponto-d'Encontro) , o Povo Carijó se fixou - e usando sempre o nome Koty para as aldeias que ía erguendo - no Rio de Janeiro, no Paraná, em São Paulo e Santa Catarina; e foi em Santa Catarina, na hoje Florianópolis, que o alemão Hans Staden conheceu a Aldeia Carijó de nome Koty (ou Acutia, como ele registrou na gravura do seu livro - o primeiro sobre os povos da ilha brazil). Curiosamente, em São Paulo, fixaram a sua Koty entre Carapicuiba e Embu, na campina do Caiapiã, no dito sertão carapicuibano, fazendo dessa aldeia o ponto-d'encontro das vias nativas, hoje, importantes rodovias, como a que atravessa a atual Cotia: a Rodovia Raposo Tavares. Foi nessa Koty que os marujos, os padres e os bandeirantes, portugueses e castelhanos, vieram a encontrar os caminhos do sertão no Século 16, após subirem a Serra do Mar. Ainda no Ano 80 desse século, Koty foi integrada à Sesmaria dos Índios de Pinheiros, junto com Barueri, Embu, Santana de Parnaiba, Jandira e outras aldeias; entretanto, só no Século 17, pela ação principal do bandeirante Fernão Dias Paes - o famoso Governador das Esmeraldas e sobrinho do juiz Fernão Dias Paes (este, fundador de Embu) - passou aquela aldeia a constar como aldeia cristã; ou seja, aquele bandeirante mandou erguer, com outros donos de terras da região, uma Capela cujo altar-mor foi dedicado a Nossa Senhora do Monte Serrat, em homenagem à padroeira catalã dos monges beneditinos, dos quais ele era adepto e mantenedor. Lembrando ainda aquela Sesmaria de 12 de Outubro de 1580 - sem dúvida, a data verdadeira da fundação da Koty cristã -, é de se realçar que estando a Aldeia Carijó entre os redutos jesuíticos de Carapicuiba e Embu, a Sociedade de Jesus (SJ) não teve ou não criou espaço próprio naquele eixo das rotas nativas. Talvez porque, ali, mandavam os senhores de terras, fidalgos das repúblicas municipais ligadas às capitanias hereditárias, e muitos deles transformados depois em bandeirantes - e, fato importante, todos eles almejando já um outro Portugal na Ilha Brazil - isto é: o seu Portugal!... A bandeirante Koty foi berço de muitos nós sociopolíticos na dimensão florestal e mineral da nação que, das Bandeiras, viria a nascer... Já no Século 18, a Koty oriunda de povos florestais dos tempos imemoriais do Continente Gondvana, víu nascer Baptista Cepellos e a mãe de Diogo Feijó, cujo amante era um padre católico. Em meu livro Cotia / Da Odisséia Brasileira de São Paulo Nas Referências Do Povoado Carijó (Ediç. Esgotada - 1993), lembro que Os nomes que a Municipalidade novecentista aponta como povoadores cristãos da Acutia carijó pertenciam a famílias poderosas de entre os sertões de Itapecerica e de Carapicuiba (...) Encontraram-se naqueles sertões as famílias Pires, Camargos, Tavares, Pretos, Bicudos, Soares, Godóis, Barros, Quadros, Lemes, Andrades, Ribeiros, entre outras (...) A Fundação cristã (...) foi oficializada em 1662, no dia 08 do mês 09, quando foi curada a Capela dedicada a Nossa Senhora o Monte Serrat (...) No ano de 1703 foi mudaa a Capela, e consequentemente a Povoação, para uma légua além Caiapiã, seno Matheus de Laya Leão o padre. Além de Laya Leão, a Municipalidade á relevo ao coronel Estevão Lopes de Camargo, a fernão Dias Paes e a Gaspar de Godói Moreira. Mas está errada a Municipalidade, já que apenas o bandeirante teve a ver com a iniciação cristã do povoado carijó... Sendo a Capela curada em 1662, sabe-se que teve doações importantes dos Paes e dos Pretos. Irmão beneditino, Fernão Dias Paes deve ter exigido, em troca (como já acontecera em relação ao Mosteiro de S. Bento), um altar dedicado à santa de sua devoção: Nossa Senhora do Monte Serrat. Quanto ao padre da Capela (...) o primeiro foi Salvador Garcia Pontes. Assim, quando a Municipalidade indica o nome de Pe Matheus de Laya Leão como um dos fundadores da Koty cristã está caindo em erro histórico. Pode-se unicamente citar o referido padre da Capela pós-mudança como continuador da saga evangelizadora. Este religioso, Laya Leão, era filho de Matheus de Laya Leão e de Leonor Domingos de Camargo, e esta, filha d'O Tigre ( o famoso Camargo envolvido nas sangrentas escaramuças entre Pires e Camargos. Eis aqui, por que, Os cotianos de hoje, legítimos representantes dessa odisséia povoadora e religiosa, devem tributo único a Fernão Dias Paes, o notável bandeirante (...) - um bravo, simplesmente. 2. E comecemos por Diogo Feijó: no Ano 84 do Século 18 nasceu Diogo António Feijó. Foi em São Paulo, perto da Sé. Filho de uma legítima Camargo cotiense (D. Joaquina Camargo) e do padre Manuel da Cruz Lima, o parto teve de ser feito bem longe de Cotia. Feijó, que mais tarde seria padre, beberia nos mistérios da Maçonaria os ideais libertários e do Poder Liberal; seria Regente do Império e Ministro da Justiça. Como professor, em Itu, publicou dois documentos muito importantes: Noções Gerais de Filosofia e Demonstração de Abolição do Celibato Sacerdotal. Em ambos, notamos a sua revolta contra todos os tipos de escravatura, particularmente a social e a ideológica... Foi esse padre, maçon e político, o grande arauto, nas Cortes lisboetas, da Independência das feitorias do Brasil, tendo, por isso, que fugir para Inglaterra. Era um homem livre, havia nascido de uma paixão tão louca quanto libertária, razão pela qual dedicou-se à luta contra o celibato sacerdotal: ele sabia, e como sabia... era filho de um padre católico!, que o celibato imposto pelo Vaticano aos padres da Cristandade não passava de uma máscara. Diogo Feijó foi um revolucionário até na hora da morte, que chegou no Ano 43 do Século 19. A importância de Feijó no cenário histórico luso-brasileiro e brasileiro, respeitando-se aqui os dois segmentos de ação sociopolítica Brasil-Colonial e Brasil-Nação, e lembrando também, aqui, as páginas d'O Poder Da Misericórdia escritas por Glauco Carneiro, dizia, a importância de Feijó residíu mais no fato de ele ser um dos grandes nomes da Maçonaria do que na Questão Política: naquele Séc 19 o Poder maçon ainda era o Brasil - aliás, a esse Poder se deve, na realidade, a Independência do Brasil... Veja-se que a Regência e Movimento Pela Maioridade teve em Feijó e na Maçonaria os seus elementos básicos. As sutilezas ideológicas de e entre maçons teve um episôdio que ficou na História, quer na do Brasil quer na da Maçonaria: foi na Revolução Liberal de 1842, quando o vitorioso Duque de Caxias esmagou os liberais paulistas, mas tratou com diplomacia fraternal o vencido Diogo Feijó... é que ambos eram maçons, mas de graus ideológicos diferentes... António Carlos Villaça, autor d'O Pensamento Católico No Brasil e um dos grandes pensadores do Brasil de hoje, e um amigo que me abríu as portas para o entendimento da Cultura brasileira, no Rio de Janeiro, falou-me do aspecto filosófico de Feijó: era um discípulo de Kant e distinguia muito bem as Atitudes crítica, céptica e dogmática, sendo um insatisfeito em relação ao Empirismo - aliás, Feijó, enquanto homem de Cultura e professor de Filosofia, em Itu, interpretava a Crítica do Conhecimento no âmbito do Psicologismo. Ora, a imagética era a fonte d'inspiração daquele padre, maçon e político que, em menino, se passeava pela exuberância verdejante de Cotia. O intelectual Miguel Reale escreveu sobre ele um esboço sociopolítico que o colocou como adepto fervoroso da Organização do Trabalho Livre. Ora, foi ele - Feijó, enquanto Regente do Império, quem abolíu o Tráfico Negreiro declarando a Liberdade dos Escravos. E termino estas breves linhas sobre Diogo Feijó, fazendo minhas as palavras do meu amigo António Carlos Villaça: Diogo Feijó, a mais importante figura da vida religiosa brasileira... depois do Pe. Vieira, claro! 3. Já o poeta Baptista Cepellos, que nasceu no Ano 72 do Século 19, era o objeto humano feito prisma para receber a divina Luz que lhe irisava a Alma. No sertão itapecericano, pois que a Aldeia Carijó se mudou no início do Século 18 do sertão carapicuibano para aquele, Baptista Cepellos aprendeu a ler e a escrever numa escola situada na Vargem Grande, tendo como mestre de primeiras letras o próprio pai; e nessa mesma escola chegou ele a lecionar, também. A ousadia morava, então, no peito largo desse homem cujo olhar de cor azul refletia, como cores secundárias mas complementares àquela, um espírito êbrio de História nativa, da origem da Koty, e dos bandeirantes que por ela passaram e dela fizeram um ponto de referência do Brasil-a-nascer: a nova raça cantava já o seu hino -, como verificamos na lição de vida e de brasilidade dada por Feijó e, antes dele, pelo patriarca Ramalho. E isso entendeu Cepellos. Talvez tenha lido mesmo aquelas palavras de ouro ditas pelo padre e maçon em Lisboa: ...como nenhum povo tem o direito de impôr a outro as suas constituições, proponho o reconhecimento de independência das antigas capitanias... Talvez tenha lido, sim. Ou, ouvíu dizer. Porque, desde moço, era Baptista Cepellos um ser introspectivo. Lembrou-nos ele, no poema A Velha Escola Quantas vêzes alguém da minha aldeia Não me víu, pensativo, nas estradas ...e tanto o viram, e particularmente o delegado de polícia, que este se tornou inimigo público do jovem que então nascia como poeta; essa animosidade foi tanta que, anos depois, após a sua morte, nem a Câmara Municipal de Cotia se interessou em recolher, no Rio de Janeiro, os restos mortais do poeta! A figura maior da História cotiense contracenou com os grandes vultos da Literatura brasileira, enquanto se expandia profissionalmente como Promotor Público e como Capitão da Força Pública de São Paulo (ele chegou mesmo a estar no antigo Quartel de Cotia no posto de Tenente). Fundamentalmente romântico, no dizer do crítico Walter Nogueira da Silva (in Separata de Anhembi, Vol XLVII, 1962/SP), o poeta agitou-se, ansioso à procura da expressão. Essa inquietude explica as incursões (...) por tôdas as escolas literárias do seu tempo, ávido de originalidades. Já o poeta e crítico Olavo Bilac (in Prefácio para Os Bandeirantes, livro que teve também edição em francês, no ano de 1911, em Orléans), referíu-se assim ao poeta de Cotia: a estética, que hoje possuimos, já não satisfaz. E que elogio maior poderia receber Baptista Cepellos na sua febre de inovar as Letras de Língua portuguesa sob Cultura brasileira? Sem dúvida que o poeta d'Os Bandeirantes era já um nome grande da Literatura brasileira. O conferencista Francisco Lagreca confessou: Êle se tornara um companheiro de todos os dias, um mestre infatigável, um amigo bom e dedicado, um dêsses orientadores que sabem aparar as arestas crispantes da primitiva inexperiência dos neófitos literários. Um dos traços característicos de Cepêlos, continuou Lagreca, era o seu desmedido orgulho de homem que vivia intensamente a vida vibrátil do espírito. O grande momento de Baptista Cepellos não foi nem Cotia nem a Literatura: foi Sofia. A sua tão amada Sfia. Isso mesmo. Depois do Caso Feijó, eis Cotia novamente envolvida em amores precários - mas belos, porque ousados na paixão de viver a Vida. A amorosa Sofia, filha do senador paulista Peixoto Gomide, era tão apaixonada quanto o poeta. Mas, a Família Gomide era quatrocentona, se é que isso queria ou quer dizer alguma coisa...!, e era família de posses. Já com o noivado publicamente anunciado, um dia, o senador matou a filha Sofia e suicidou-se em seguida. O drama estava instalado no coração do poeta de Cotia. A conselho de amigos, partíu para o Rio de Janeiro. De Cotia, nenhuma mão amiga se estendeu para ele. Homem de trabalho, sem posses, além de ser...poeta..., Baptista Cepellos foi apontado como o causador da tragêdia que abalou os alicerces da mui nobre e digna e ignorante sociedade paulistana. E em Cotia, também. Parada no tempo, Cotia não quis saber da paixão nem do sofrimento do seu poeta; e quando do seu suicídio, no Rio de Janeiro, em 1915, os cotienses não fizeram um único gesto de adeus àquele que cantou n'Os Bandeirantes a estirpe da raça brasileira que continha uma pequena semente de Cotia! O primeiro livro do poeta, A Derrubada, é um hino ecológico onde a divina chama cósmica lhe mostrou o outro caminho de Cotia: a terna mas não eterna Natureza. Um hino contra a destruição que já naquela época acontecia em Cotia. Em um verso do poema fundamental d'A Derrubada, ele canta(va) Tudo nasce de novo. Também ele..., após a perda da amada Sofia. Nas suas coletâneas de contos Os Corvos e Vaidades, assim como no romance Vil Metal, ele mostra-nos a força psicológica que o fez sobreviver às vicissitudes da vida. Homens de Letras como Olavo Bilac, Melo Nóbrega e Araripe Jr, entre muitos outros, viram em Baptista Cepellos não só o Escritor, viram nele o Homem da Cultura dado à Vida plena e à Fraternidade. Tinha um lema: tudo contra a Ignorância! Baptista Cepellos foi um homem capaz de olhar e sentir do Brasil a História real, e de São Paulo a gritante grandeza do Progresso mesclado à precária sobrevivência do Povo... Sendo brasileiro de São Paulo e paulista de Cotia, o poeta Baptista Cepellos era isso tudo e cidadão do mundo. Na quase miopez, enxergava o que lhe era exterior pela pince-nez e se auto-ajudava numa bengala que era mais um bastão para o contato imediato com as coisas... Em meu ensaio Baptista Cepellos/O Poeta Do Drama Brasileiro, falo dele como o... poeta de juventude desbarrancada que sentia já, não a sorte da luxúria dos corpos dados ao prazer, mas a ressurreição, em si mesmo, do lado místico da Vida; um retorno, não ao primitivo, não ao analfabeto social e político, mas à pujança da variante cósmica vivida por Jesus - o Cristo dos esotéricos Nazarenos -, e vertida pela Luz no íntimo de cada Ser. Se uns vivem essa Luz tão logo a percebem na ação do Bem e do Mal, Baptista Cepellos viveu-a sempre sob o prisma de um aprendizado crítico que repassava, com humildade e maestria, aos seus mais próximos amigos e companheiros de aventura cultural! Num espírito de religiosidade plenamente intimista, tornou-se dramaturgo pela visão que a cósmica essência da poesia possui e dá a quem de direito. Nesse momento, atingíu a glória nos palcos cariocas com a peça Maria Madalena. Com a glória, mas sem a mui amada Sofia, que mais poderia desejar o poeta de Cotia? Nada. Enquanto o Rio de Janeiro lhe preparava uma homenagem em grande estilo, Baptista Cepellos se foi pelo íntimo azul cósmico. 4. As trajetórias de Feijó e Cepellos, no difícil caminhar da Cidadania brasileira, foram muito idênticas na luta do filosófico Ser-estando, mais tarde sistematizado por Heidegger, embora que distintas no contexto social. Em ambos, o Amor e a Liberdade foram o altar-do-sacrifício que os projetou para a História, quer a de Cotia quer a do Brasil Tenho dito. |
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Cotia -
entra a história e duas figuras ímpares palestra de João Barcellos |
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Idealizado por: CRISTINA OKA & AFONSO ROPERTO© |