Breves Tons d'Espiritual Espectro

& Outros Poemas

 

  

1

 

escorre-me

um pranto

águas elevadas onde o pensar

é luz e nelas faz girar

as cores enquanto

quedo-me

 

 

 

2

 

vejo que

na liberdade que sou

outros ainda são erva d'estrada

eu cresci sou flor e sou mata

por isso me dou

assim que

 

 

 

3

 

há um som

algo em mim que diz

és o algo em si

não te percas ai de ti

não sei o que não fiz

ainda ouço o som

 

 

 

4

 

instante

oh química oh amor

quão breve é

estar e re-nascer

nesta fé caminho sem dor

estou caminhante

 

 

 

 

 

 

balada de nós

 

 

o cântico da Vida

é uma boléia

sempre que a partida

é um'Idéia

 

temos os mundos

nas mãos

oh riscos fundos

que nos guiam quais estrelas

e somos chãos

e viramundos

 

nest'Idéia

que é um'ida

somos até boléia

da Vida

 

canção doce-amarga e tola

mas bem parida

 

 

 

 

 

 

universo (um)

 

 

tudo

tudo é o que sou

quando abro

os olhos e me dou

 

sombra da minha sombra

 

sei o que sou

quando me acho

e vivo e a todos dou

tudo

 

 

 

universo (dois)

 

 

vórtice

dum'Alma que o é

sou pirâmide

nas linhas de uma Fé

 

tudo e nada eis-me Todo

 

meu nome não é Maomé

nem Jesus sou apenas Arte

de um Desejo que me é

vórtice

 

 

 

 

 

 

folclore

 

 

o prazer

é sair à rua e olhar o mundo

beijar a flor e dizer amor

 

o prazer

é saber que tem colibrí no brasil

e não tem no portugal do doutor

 

o prazer

está nas rendas dos açores

que se fazem no brasil com fervor

 

o prazerpenetra e vem d'outro corpo

águas muitas na posse do sonhador

 

o nascer

é esse prazer que do barro sai boneco

e das telas e da madeira é imagem d'amor

 

 

 

 

caminheiro

 

 

e mil tigres me saúdam na escuridão

enquanto o jacaré me dá o dorso

e pela amazônia chego ao mundo

 

e mil leões me aguardam na imensidão

do amanhecer quando lembro o tejo

refletido nas águas d'oriente e m'acostumo

 

à lição diária da descoberta sem rumo

que é saber d'áfrica também e me achar colosso

e mil fados ecoando por mim em oração

 

 

 

 

 

 

 

 

brasil

 

 

pés nús e um farrapo pelo corpo

lá vai a nação armando mais um terreiro

em busca do graal que os filhos do luso ensinaram

 

pés nús e uma idéia e pinga a gosto

lá vai a nação orando n'alquimia de juazeiro

e d'aparecida que alguns enfeitaram

 

muitos são os pobres e mais os que se fartaram

nesta vila rica que foi ilha e ora é das cobiças o terreiro

pús nús a nação é um farrapo quase sem corpo

 

 

 

 

 

 

viagem

 

 

levaram o cacau

da bahia

como levaram a nau

à índia

 

os da índia

já sabiam d'áfrica

além da china

e dos seus que costearam n'áfrica

e quase chegaram

na península ibérica

 

a índia

viajou na nau

virou bahia

e pisou o cacau

 

o mundo sempre viajando

debaixo de um pau

 

 

 

 

 

 

marujos

 

 

soube que os de lá

portugueses

oraram oxalá

entre fezes e vezes

 

que ratos

comeram

longe da firme terra

e fizeram

dos trapos

novas bandeiras

 

nos leves

ventos de lá

portugueses

içaram cantos a oxalá

 

as gentes são uma expedição

e a religião coisa vã

 

 

  

 

viver com o eu

 

 

h'dez grãos

de um Todo

nos vãos

de cada dedo

 

sei que bebo isso

dia após dia

e que nisso

vai se esgotando a mania

do Ser só

e um pouco d'alegria

 

por cada dedo

de minhas mãos

há um Todo

e mil chãos

 

na ponte entre os possíveis

sou um punhado de grãos