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Quando escrevi o poema épico Exuberância e Folia no Mar de Longo,
digitalizado para a cotianet, onde tenho uma página para internautas na rota dos 500 Anos
de Brasil, por várias vezes um português do Setecentos visitou o meu raciocínio em
criatividade: um português do Porto, filho de português nascido na Distância que era
aquel'outro Portugal em construção na amplidão continental que já era sinalizada nos
mapas antigos como Insulla Brazil.
Já a insulla não era mais isso, como afirmo naquele poema épico, e
sim o continente onde a praia nova que os filhos do Luso fizeram sua e alargaram em
demonstração da sua Vontade única e universalista - e, depois, um punhado de valentes
ainda ajudou a transformar o território do Ultramar português em Nação!
E sempre que eu terminava um dos poemas de dez versos, ou, às vezes
somente um versículo, logo a mineira essência do brasileiro Estar e Ser refletia-se
historicamente.
Talvez não haja neste Mundo que habitamos um Povo no qual a essência
de outro tenha sido vertida com tanta e tamanha Verdade: as gentes das Minas Gerais como
que nasceram geminadas n'Alma portuguesa, em seus brandos costumes e valentia na defesa e
expansão da Vontade espiritualmente vivenciada.
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A recordação da poética gonzaganiana, pois trata-se do tripeiro
Tomás Antônio Gonzaga, que foi Ouvidor em Vila Rica, no Setecentos, época em que
envolveu-se na Inconfidência que lhe valeu o destêrro para Moçambique onde morreu, rico
e famoso, já no Oitocentos.
Às vezes perguntam-me, em cartas para jornais ou em telefonemas para
as rádios, por que a época gonzaganiana teve tanta importância nos destinos do
Brasil... Costumo dizer, e ainda há brasileiro que não acredita...!, que os poetas
mineiros estruturaram a cívica consciência pátria que levou à Inconfidência e, deste
levante social, político e cultural, à instauração da Nação. E muitos portugueses,
fartos da tirania da ideologia absolutista do Império luso comandado das e pelas
irrealidades patéticas do Terreiro do Paço
(basta lembrar que nesse mesmo Setecentos, o Marquês do Pombal
enviou para São Paulo o fidalgo D. Antônio - o Morgado de Matheus,
para preparar a possibilidade de transferir Portugal para o Brasil,
tendo-se construido Belém, no Pará, para ser a Capital imperial
substituindo Lisboa, como rezam documentos oficiais, e como eu escrevi
no livro "Morgado de Matheus")
ora, muitos portugueses, particularmente aqueles que vivenciaram a
potencialidade do Brasil independente, tomaram parte na Inconfidência e na instauração
da Nação! E isso não foi uma ação separatista: foi um ato de Independência
político-administrativa face à falta de habilidade diplomática da Corte portuguesa - a
mesma que operara o brilhante acordo de Tordesilhas e que, aqui, dormiu no ponto... Tanto
era Vontade de ser uma espécie de Outro Portugal que a Língua portuguesa continuou, como
é, elo que liga os vastos territórios do Brasil!
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Um outro poeta, o baiano Gregório de Matos - o mestre da lírica
satírica tropical, também jurista com formação em Coimbra, já cantava no Seiscentos
barroco e acompanhando a comêdia vicentina de costumes
Não é fácil viver entre os insanos,
Erra, quem presumir que sabe tudo,
Se o atalho não soube dos seus danos.
no seu Queixa-se o Poeta que o Mundo vai Errando e, Querendo
Emendá-lo, o Tem por Empresa Dificultosa.
Perseguido, preso, desterrado para Angola, o poeta de Salvador foi um
intelectual que incomodou o Poder imperial deixando para a História uma escola poética
que influenciaria toda a estrutura social pré-Raça brasileira, ou luso-brasileira. E
então, o Poeta que vive a Poesia na sua emergência ideológica e ideologizante é já,
em si, o contra-Poder...!
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Os poetas mineiros, tal como canta Tomás Antônio Gonzaga, sabiam dos
...mil inocentes / Nas cruzes pendentes, / Por falsos delitos, / Que os homens lhes dão
(in Marília de Dirceu, Lira XXII), e esses poetas viriam a sentir isso n'Alma quando os
juizes pagos para defenderem a Ordem imperial lusa os degredaram (e ao Alferes Tiradentes
mandaram enforcar, esquartejar e expôr seus restos salgados -, prática comum na Justiça
européia. Não se estranhe, pois, o fato penal português aplicado no Brasil...) Um outro
inconfidente, Alvarenga Peixoto, jurista como Gonzaga e Ouvidor em Rio das Mortes, também
estudado na Universidade de Coimbra e desterrado também para Angola, onde morreu em
presídio, sabia disso, e em dois versos de Jônia e Nise no-lo recorda cantando ...dia de
vitória / Sempre o mais triste fica para os vencidos!
Os brandos costumes d'Alma portuguesa, como se comprova pelos atos em
África, no Oriente e nas América, são inerentes mais ao Povo que ao Poder.
E foi esta Vontade de vivenciar a dilatação d'Alma amorosa e
aventureira que impregnou a vida em Minas Gerais a tal ponto de os poetas mineiros, ali
nascidos ou ali instalados, terem cultivado com excelência o bucólico ameno do pastoreio
espiritual - e, desse arcadismo, foi gradativamente elevado o Pensamento brasileiro
testemunhado na Língua portuguesa já sob Cultura diversa.
Foi isso que os poetas mineiros descobriram. Somos outro Portugal e
haveremos de ser Brasil!, deve ter sido o Pensamento pátrio de todos eles.
A lírica e a sátira gonzaganianas, quer em Marília de Dirceu quer em
Cartas Chilenas não existiriam sem esta plataforma sociopolítica...
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E então, neste enquadramento, a Sorte do Império luso na Insulla
Brazil foi modoficada pelo ódio à peraltice daqueles que, como escreveu o Morgado de
Matheus a um bispo seu amigo, faziam-se até padres para continuarem na vida boa que lhes
ensinaram em Lisboa...!
E, naquela Vontade libertadora que os poetas mineiros expressavam
publicamente, cantava-se da poética gonzaganiana (in Cartas Chilenas), o seguinte:
E pode, meu amigo, de um peralta
formar-se, de repente, um homem sério?
Certo que não. Se até o iluminista Morgado de Matheus, político e
fidalgo de visão universalista, combatia a peraltice de civis e de religiosos em São
Paulo, é óbvio que o Império luso vivia já o seu estertor dando lugar a uma Raça em
ascensão: a Brasileira.
Por isso, nunca é demais recordar:
a estrutura do Pensamento brasileiro teve sua raiz nos poetas mineiros
do Setecentos! Com eles, nascia uma Pátria de estética tropical
sob uma Língua portuguesa de Cultura afro-americana.
Se ...De cavaleiros d'espada a caraveleiros e conquistadores, / os
filhos do Luso abriram a rota do Novo..., como digo no meu ensaio Os Descobrimentos, os
arcâdicos poetas mineiros, herdando a ginga d'Alma portuguesa partiram e conquistaram a
História que fez do Brasil uma grande Pátria americana. E foi,
Insultando o fado e a sorte
E a fortuna desigual
como sentimentalmente declarou Alvarenga Peixoto no poema O Sonho, que
os poetas mineiros descobriram-se ainda, naquele Setecentos, sem palco político para
vivenciarem o canto pátrio brasileiro: e o souberam pela traição do abastado e jurista
Claudio Manuel da Costa - introdutor do Arcadismo entre os poetas mineiros. Um fado muito
triste, porque o poeta de ...Onde estou? Este sítio desconheço (in Sonetos, VII) reunia
o grupo e não aguentou a pressão da masmorra onde suicidou-se, ou foi morto, após
informar aos magistrados da Coroa quem eram os inconfidentes de Vila Rica!
Para um magistrado da têmpera de Tomás Antônio Gonzaga, que em
Coimbra havia experimentado os ecos libertários de franceses e de norte-americanos, as
vicissitudes políticas vividas no Brasil não lhe atormentaram o Pensamento pátrio,
..que não treme,
Não treme de susto
O meu coração!
pois, tratava ele o seu chão brasileiro como se de um poema em louvor
da bela amada.
A práxis da poética gonzaganiana tinha base em visão mundana,
porém, não de vã filosofia: Gonzaga era o espelho da emergente política dos
novos-ricos com os pés no chão que lhes era sustento -, os mesmos que, clandestinamente,
forjaram a estrada de apoio à Inconfidência... e esta, bloqueada, continuou avançando
no Império levando a Raça brasileira a descobrir e a instaurar a sua Pátria!
Conhecedor dos protocolos mercantis que obrigaram Portugal a fechar os
portos do Brasil ao mundo, a estagnar a economia local e a novíssima indústria
algodoeira, o jurista e poeta Tomás Antônio Gonzaga foi dos poucos que ousaram, braço
às armas feito, cantar e declarar a
Pátria brasileira!
JOÃO BARCELLOS, 44, é escritor, conferencista e
editor. Membro do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina (SC), da UBE (SP) e
da Associação Profissional dos Poetas do Estado do Rio de Janeiro (RJ). Fones de
contato: 011-7924.9751 e 493.5645 |