Poética d'Inovação
Coletânea
organizada por João Barcellos - 1999

Conheça os autores

 

 

Algumas Palavras Em Torno De

Poética d’Inovação

 

 

O desafio que se põe a qualquer intelectual - e por mais livros e textos e análises que tenha produzido -, no instante em que fica só diante de algumas centenas de poemas de outros autores, é o de utilizar um conceito de verdade que nunca lhe será exclusivo: "eu gosto". É que depois dessa primeira leitura, outros - os leitores - também poderão gostar. Tanto melhor...

 

Foi assim com Poética d’Inovação. Para não se perder todo o projeto Poesia & Artes Rumo Ao Século XXI, resolvi responsabilizar-me quanto ao destino do Concurso de Poesia nele inserido. Foi feita uma seleção prévia, mas tudo ficou em arquivo aguardando que a turbulência econômica mostrasse alguma brecha. Não mostrou. Pela primeira vez, num certame deste tipo, senti-me sozinho e decidindo o destino de obras alheias. "É preciso fazer, não aguardar" como aprendi entre os árabes do Sahara Ocidental em meio a atividades de fotojornalismo. No entanto, com uma condição: sem problemas para editar na Internet mas com limites para editar um livro.

 

Mesmo assim, sozinho e em meio ao luxurioso verde da floresta tropical brasileira, selecionei o que poderia ser selecionado com a certeza de que a verdade não seria só minha, também dos autores e autoras que acreditaram nos seus méritos literários, e dos posteriores leitores.

 

É bom saber que existe uma Poética d’Inovação fermentando no cotidiano brasileiro. (João Barcellos - escritor, consultor cultural, Fev. 1999. - http://www.cotianet.com.br/joao_barcellos)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Lau Siqueira

Pseud: Aureliano Babilônia

João Pessoa/Pb

 

NÃO

 

nosso amor

não foi mais

que um gemido

 

bocas imãs

dentes ventre

suicídio

 

gozo imprimindo

na pele

o desejo contido

 

nada porém

dissimula

o riso perdido

 

 

 

 

Paulo Pandjiarjian

Pseud: Lancelote do Lago

São Paulo/SP

 

 

NÉCTAR

 

Que o néctar de nossa existência,

sorvido em três goles, seja

 

no primeiro, amargo como a morte;

no segundo, suave como a vida;

no terceiro, doce como o amor.

 

 

 

Marcelo Cardoso

Pseud: Juan do Serro

São Paulo/SP

 

CAUDAL DO VENTO

 

Momento galopante na campina

vergastando hastes de capim.

Sopro que assobia nos pinheiros

empurrando limites do horizonte.

 

Corpo ruflando asas, etéreo

nas sendas do mistério.

Ave noturna em busca do negrume.

Asas sem pouso projetadas no minguante,

derradeiro pedaço

estragulado da lua.

 

Andarilho dissipando poeiras

de estradas sem destino.

Vulto que assombra caminhos

 

e enlouquece cães

em noites de espanto

e lua.

 

Companheiro sem rosto,

segadeira ceifando em mim

açoite de saudade

látego que me perpassa

no tropel do tempo que escoa

esparzindo cinzas pela eternidade

 

- e passa.

 

 

 

PORTAL

 

Abre-se o portal do infinito.

Asas trovejam na tempestade,

vôo que supera escarpas,

êxtases de abismos,

névoas e nuvens de nevados montes.

 

Somos o fluxo,

vento que conduz,

vela que impele,

lâmina que corta

rasga caminhos na pele.

 

Para a frente é a marcha,

o movimento do passo

do rio,

tempo que passa.

 

Somos estrada que une,

devassa horizontes,

argila criadora,

embrião,

veia túmida de sêmen,

dia que nasce do útero da manhã,

fonte forja portas abertas.

 

 

 

Alba Christina Campos Netto

Pseud: Sibila

São Paulo/SP

 

TRAVES

 

foi sem limite

no ilimitado contratempo

no contra-espaço

as palavras

se trocaram

e se trovaram

nos versos cheios

de trovões

 

entraves para destravados

preconceitos

ficam em vão

mas a noite é linda

com seus cantos

de desvão

 

poucos podem prever

o que acontece

 

hoje não tem amanhã

 

meu pé se desloca sem caminho

 

 

 

 

 

CAMINHO E DESCAMINHO

 

 

Eu começo, tropeço

e recomeço

 

Luto e não reluto

em lutar

 

Vou indo, quase chego

 

Páro, reparo

olho e aparo

as aparas

que param

nas minhas mãos paradas

 

Continuo,

tenho e retenho

o caminho

 

Caminho pelo caminho

de não sei para onde

ando para onde

alguma onda

ronda

 

Um dia chego,

sem caminho

sem onda

sem mais recomeço

sem menos começo

sem reparar mais

nas aparas

desamparadas

da luta sem fim

por mim

 

 

 

Fernando Soares

Pseud: Menestrel

Belo Horizonte/MG

 

SONETO À TROVA

 

Grande requinte a quadra na poesia.

Quanto cativa a tão singela trova!

Fina obra de arte, dá-nos alegria,

nobre sentir se expande e se renova.

 

Não bastando tão-só a fantasia

e amor ao Bom, ao Belo, é árdua prova!

Se a metrificação dá-lhe harmonia,

rima é importante: eternamente nova.

 

Como é iludido quem se crê liberto!

Julga poético algo distorcido

e, ensimesmado, ousa dizer-se aberto.

 

Com desespero na alma remoído

- tem livre arbítrio - o íntimo é um deserto.

O verso livre raro faz sentido.

 

 

Angelita Aparecida Ritter

Pseud: Angelita

Piracicaba/SP

 

DIAS VIRÃO

 

Dias virão em que a chuva

Encharcará nossos pés

Dias virão

Em que não haverá

Dúvida sem respostas

 

Dias

 

Em que apenas o soneto

De euforia

Ruminará nossos corações

 

Em que o xeque-mate

Das apostas

Será o preço da vida

E neste momento reinará

Apenas o castelo

Da suposta inocência

 

Dia virá

Em que o trago

Trará para fora

Dos labirintos da Existência

O volátil e esfumaçado

Dom da inquietude

 

E desabrochará da semente de um trigo

O arranjo celestial de minhas palavras de Amor

 

 

Adriana Saldanha

Pseud: Cosette

Cotia/SP

 

AMANTES

 

Lágrimas secas

cobrem meu rosto.

Choro por ti.

Não. Por mim.

São tuas mãos

Que estreitam soluços mudos

Da minha garganta.

 

É teu arfar

Que me treme as mãos,

Indecisas flâmulas.

 

São teus cabelos

Que queimam a pele

Entre meus dedos.

 

 

Hernán Gonzalo Murúa

Pseud: El Caballero de La Colina

Cotia/SP

 

PREDADORA

 

Lua

que te chamo,

 

Espreitas entre plúmbeas folhas

convidada pelo aroma fresco

de tua presa

 

Vem,

(fria,

Congela-me

(e leva-te

O coração.

 

 

MILAGRE

 

Hoje farei

O que nunca consegui.

Hoje minhas mãos

Forjarão

Da derrota

Vitória,

De minhas lágrimas

Alegria.

 

Eu sei que para Ela

Foi apenas a lembrança

Do que poderia ter sido.

Que reabriria a chaga

 

De onde libero esta vazão

 

Vermelho-salgada

De amor.

 

Contudo,

Hoje farei

Um milagre.

Não importará

O escuro passado,

Se dia, noite ou

Se mais alguém.

 

Hoje farei

Um milagre

E terminaremos

Juntos.

 

 

 

 

Marluci Vaz

Pseud: Rebecca Weiss

Cotia/SP

 

 

JARDIM TERMINAL

 

Flores sujas,

Mãos vazias,

Ironia

Do jardim oculto.

 

Nenhuma perspectiva

De borboletas,

Apenas incômodas vespas.

Nenhuma solenidade...

 

Sol árido

Sobre folhas ressequidas.

Nenhum perfume,

Apenas secos lírios.

 

Há lixo

Em torno da folhagem.

A hera asfixia

Agarrando-se aos escombros.

 

Poeira

Na frouxa claridade,

Raizes secas

Na triste paisagem.

 

O jardim não foi poupado.

Busca ainda a chuva

Que cai, ácida -

Um lamaçal!

 

 

 

 

 

 

Lu Vampré

Pseud: Doces Lágrimas De Rubi

São Paulo/SP

 

CIÚME

 

Depois que tu passate

a ser o único em minha vida

sinto-te em minhas mãos,

conheço teus nervos,

teus sonhos,

que se encaixam

em meus dedos

e teus sentidos - que, para mim

são como brinquedos

agora que não és mais

inédito.

Agora que te aceito

e te compreendo como nunca

tenho ciúmes.

Ciúmes da tua boca

que se entrega

e se esquiva.

Da mão que diz adeus

e faz um carinho.

Ciúme de ti

quando sinto meu coração

sair do peito.

Ciúme.

 

 

 

 

Francisco Fraber J. Penha

Pseud: Kochi

Piracicaba/SP

 

RACIOCÍNIO

 

É o fim da ciência?

A considerar a incompetência

da riqueza de Wall Street

da lógica monetária

dos burocratas da Paulista

 

não serve para nada

a revolução digital.

Enquanto a Somália morre

Bill Gates sorri como boçal

atrás de suas lentes

e idéias estrábicas.

 

O raciocínio é um vampiro moderno,

assédio inesquecível

sugando a nossa vida

 

e nos deixando multimídia

esterilizados pelo sexo, amor e

até tristeza virtual.

 

Sentimentos falsificados,

plastificados gentilmente

pelo domínio on-line.

 

A grande descoberta

é ensinar o homem a viver.

 

 

Beldia C. Balestra

Pseud: Linna

Mococa/SP

ABSTRATO

 

Pintar! Pintar! Pintar!

Pedras e asfalto roxos

nos ossos, nas vísceras.

Ondas petrificadas se voltam

reveladas das águas.

E os pincéis vão colorindo

a morte, a vida.

Lembranças recortadas em bronze

secam na tela negra

da saudade.

(A maturidade é um corpo

fervido pela pintura

abstrata.)

 

Pintar! Pintar! Pintar!

Dentro da moldura calam

memórias ausentes.

Algumas quimeras descansam

no pânico da espera.

Mas os pincéis vão contornando

o escuro de mim.

Até a tinta é uma frase

que a tela seca no intestino.

 

 

EPIGÊNESE DA INFÂNCIA

 

Eu, morsa do idealismo e aristocracia

Miolo da crueldade e agonia,

Grito, desde o primeiro livro da Escola,

A constituição da soberania!

 

Busco-lhe,

Entrego-lhe a tesoura...

Recorte das origens os atavismos

Da repugnância e singular desejo...

 

Já a infância - operária dos sonhos

Que a fluência do tempo apodrece,

Espreita no Saber a declaração da Guerra!

 

Que importa aos homens a sorte

Abstrata célula caída de um óvulo infecundo!

O sol bate-lhe na fenda encarcerada

Envelhecimento dos tecidos do novo mundo!

 

Na frialdade inorgânica do poder

Enterram-se últimas quimeras

O homem que, nesta ideologia miserável,

Aglomera ervas-daninhas na semeadura da espera!

 

É o voto indefeso repousando

Na cadeira da cada época...

 

Dissolva-se, portanto, a humanidade

Igualmente à epigênese da infância.

Há de deixar-se apenas os desejos

Na última lira que cantar o mundo!

 

 

Helena Cristina T. Garrido

Pseud: Aprendiz

Santos/SP

 

ENIGMA

 

Trago no rosto

as sentenças ocultas

de uma história mórbida

Reentrâncias maquiadas lentamente

Máscaras traduzidas

nas angústias da vida

isentas de lembranças francas

Moldei as indiferenças e as alegrias

nesta argila bruta

Meu sorriso cínico não revela

minha irreverente sabedoria

Sou um objeto sem forma aparente

misto de todas as sensações

que absorvo a cada dia

Minha opção

a dramatização destas dores

 

Não sei quem sou...

 

Objeto mutante

onde nunca nada é e tudo será

Máscara trincada

perdida... deteriorada... vadia...

de um um homem que nunca fui.

 

 

AMOR PROFANO

 

Toca-me a face com carícias brandas

Busca-me nas ondas mansas

Desvenda-me nos aromas mais sutis

Descobre com desvelo

Os meus sonhos de criança

Invade com astúcia

 

Meus desejos juvenis

Deixa escapar entre os dentes

Palavras deste amor profano

E embala-me como a um anjo

 

No sussurrar da brisa

Até que por encanto

Estejas eternamente

Aprisionado nos meus sonhos

 

 

Sérgio Bernardo

Pseud: Sam Byron

Nova Friburgo/RJ

 

PELA METADE

 

Morre metade de mim

quando vejo em meio à vida:

mendigos no meio-fio,

desemprego à meia-idade,

pivetes ao meio-dia

forçando a dar meia-volta

quando usam meios-termos

e dizem meias-verdades.

 

Morre metade de mim

quando vejo em nosso meio:

estupros à meia-luz,

conchavos a meia-voz,

meninas de meia-calça

vendendo-se à meia-noite,

quando arrastam meias-águas

chuvas de meia-estação.

 

Morre metade de mim

nas vidas pela metade...

Num mundo partido ao meio

somos todos... meio-homens.

 

 

 

 

Maria Guilhermina Kolimbrowskey

Pseud: Style

São Paulo/SP

 

INSTÂNCIA

 

Busco o tema

o som prometido

a palavra revolta

 

Na paisagem mentira

folhas em branco sem história

enquanto o gesto perdido

percorre ausências

entre nuvens sem memória

 

Sonho frágil

de hoje

 

Insisto no poema

de repente o prêmio

de surpresa o tom

 

Antigo fantoche ferido

pelas mãos da musa algoz

libera o brilho proibido

explosão do mito em novo tempo

cada vez mais veloz

 

Milagre fértil

do amanhã

 

 

 

Valéria R. de Carballo

Pseud: Cristal

São Paulo/SP

 

LEMBRETE

 

Nunca esqueça que

para toda noite há um dia

Todo tema, uma poesia

Toda música, uma melodia

Todo caminho, uma porta

Toda ida, uma volta

Todo abandono, um abrigo

Toda partida, um regresso

Todo erro, uma chance

Todo morrer, um nascer

Todo passageiro, um trem

Todo limite, um além...

 

 

 

 

Candida M. Lima Papini

Pseud: Lira du Vale

Bragança Paulista/SP

 

VIVER

 

Viver é

adaptar-se lenta

mente.

 

Adaptar-se é

estar plena

mente.

 

Enquanto isso não acontece

vamos ficando so

mente.

 

Como se

mente!?

 

 

 

Evaldo B. da Silva

Pseud: Carlos Heitor Goes

Belo Horizonte/MG

 

PATOLOGIA DE FINS DE SÉCULO

 

Vou nua

no fim da tarde

atrás da lua

que não se erguerá.

Vou finita

na rua polissêmica,

derramada na nudez

deste meu corpo mortal.

Vou cantando

o mundo de hoje,

este cartão postal no computador.

- Que dor!

- Que escalada imortal, meu Deus,

nesta montanha cibernética!

Vou computada no elevador,

amputada sem dor,

porque já sou elétrica e lívida.

Vou sem nome,

porque não sei o que serei amanhã.

- Liquidificador de edifícios

ou ruinas de amor:

talvez, serei ainda humanidade.

 

 

 

 

 

Maria da Glória M. dos Reis

Pseud: Sophia de Albuquerque

São Paulo/SP

 

FILHO

 

Queria te mostrar um mundo só de alegrias.

Um mundo lindo, cheio de vida, com todos os dias de sol.

Mas não posso.

Como te poupar da dor se ela faz parte de mim?

 

Queria ter todas as respostas.

Saber todas as soluções para todos os problemas.

Mas não sei.

Às vezes fico confusa.

 

Queria te ensinar a simplificar as coisas,

as relações, as dificuldades do dia a dia.

Mas complico tudo,

deixo-me levar pela preocupação e pela melancolia.

 

Teriamos que aprender juntos.

Aceitas?

Não tens escolha,

terás de me aceitar como sou.

 

Só posso te garantir uma coisa:

vou te amar muito.

Te amo desde já!

 

E espero, espero durante os meses que vão passando.

Aguardo a hora em que poderei te pegar em meus braços

e, pela primeira vez, acariciar teu rosto!

 

 

 

 

Márcio D. C. da Cruz

Pseud: Brisa do Sul

Curitiba/PR

 

ABSINTO

 

A noite sobe à sela do dia

grilos pressagos cavalgam um poente

 

evoco pêndulos, cristais, incenso

calcinando horas no vidro da tarde

 

brancas noites turvas

parvo de vinho e fúria

 

torpe de lanho e chama

artilharia, corpo minado

 

mansinho coração estronda

víbora cúmplice sob lençóis

 

sibila o eco o eco o eco

do que é sombra

 

voraz o vértigo desata onda

estrela precária, fim de neon

 

luz, castiçal, derrama, cresce

de augúrios e galos, madrugada desce.

 

 

Márcio de S. Andrade

Pseud: Amis Frater

Belo Horizonte/MG

 

CANÇÃO DO SILÊNCIO

 

Sou silêncio me levando...

Sou silêncio no vôo do pássaro,

na madrugada,

onda sem remanso.

Sou silêncio no corpo nu

na noite amando.

 

Sou silêncio no navio fantasma,

no vazio noturno entre virilhas,

ancas e coxas ressonando.

Sou silêncio no chão humilhado,

estéril...

 

Sou silêncio na face do Cristo

no altar das lamentações.

Sou silêncio no abraço amigo

e na carícia da lágrima caindo.

Sou silêncio dos caminhos,

das ondas, do vento, do encanto.

 

Sou silêncio do poema

na alma poética parido.

Sou silêncio no beijo da mãe

no filho ausente:

sou, em tudo, o profundo silêncio

que o próprio silêncio guarda!

 

 

 

 

Ivan Santtana

Pseud: Télius

Salvador/BA

 

O POEMA

 

O pomo,

o poema.

Qual mais doce,

não sei.

 

O pombo,

o poema.

Qual mais livre,

não sei.

 

O peixe,

o poema.

Qual mais submerso,

não sei.

 

O mar,

o poema.

Qual mais profundo,

não sei.

 

A ferida,

o poema.

Qual mais inflamado,

não sei.

 

O poeta,

o poema.

Quem é quem,

não sei.

 

 

Maria Elizabeth Candio

Pseud: Berta Calazans

São Paulo/SP

 

TRATADO DAS PEQUENAS PERFEIÇÕES

À LUZ DA UTOPIA

 

Aberta em asa a pomba de Picasso

acusa o chão de grades que alimenta

a pedra de Drummond das intenções.

 

A heteronímia viva de Pessoa

asfalta faces múltiplas escolhas

em solidão-nos cheias de entrelinhas.

 

Mistérios Mona Lisa de sorrisos

soçobram ante flechas matadeiras

de sonhos peregrinos viscerais.

 

Camões em mãos de águas lusitanas

ousou cantar conquistas patriotas

em rotas naufragadas de ilusões.

 

Beethoven filarmônico harmoniza

os sons surdinos urros sibilantes

de agudos egoísticos irmãos.

 

Veredas são sertões de Guimarães

"Rosa do Povo" sonha nuvens claras

da "Banda" que apesar de "Vai Passar".

 

Imagine John Lennon num filme

apoteótico e futurista e libertário

na "Paulicéia Desvairada" de Mário.

 

Os galos João Cabrais unem as cristas

cristais de gelo quente na utopia

humana e sã que aponta e que reluz.

 

Na "Hora da Estrela" o ocaso ascende

e a epifania lúdica Clarice

estoura n’alma tímpanos de luz!

 

 

 

Valmir Soares Marinho

Pseud: Rimlav

Niterói/RJ

 

A CRIANÇA

 

Sem ver olhava.

Uma criança.

Pote vazio de água.

Simbolo filosófico

Da dialética perdida.

Palavras tortas

No seu certo pensar.

Beijos, no seu puro gostar.

Choro, eterno reclamar.

Mãe, sempre a curar

Amor. Isso é amar.

 

 

Amador Ribeiro Neto

Pseud: Manfredo A.

São Paulo/SP

 

O velho cuida dum menino

dentro de si.

Sabe-se outro. Sabe-se rico. Sabe-se estrangeiro.

Viu flores e guerras. Tiros de guerras

frequentou.

Praças e pracinhas

tombados

sob estrelas, sob estralos e estampidos

de uma fogueira abissal

- o escarcéu do fogo de um canavial, lembra-se.

 

O velho move-se no banco da praça.

Atrás, bem distante,

vê um canarinho a gorjear

nas asas do cafezal ventando em flor.

Volta-se no banco e o caule tosco da árvore à frente

lhe traz os galopes de um cavalo

frente a frente com os obstáculos do jogo da vida.

Puro suor, pleno sangue, avança o animal com sua força.

Mais uma vez o velho se move. Reclina a cabeça.

O encardido dos ladrilhos do chão da praça

esculpem um cágado de passos incompreensivelmente

calmos num mundo-violência.

O cágado leva nas costas um menino trinando,

um homem suando, e um velho entregando,

de peito aberto,

o segredo da Vida,

o segredo da Poesia.

 


Volta para João Barcellos Idealizado por:
C
RISTINA OKA & AFONSO ROPERTO©
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Atualizado em 18 September, 2000