FRATERNALISMO

Cultura e Sobrevivência entre Nós e a Terra

 

Diante do esboço da mais nova doutrina ecopolítica encontro-me sob uma questão que é pedra-base da Ecologia, no quadro social e filosófico do Brasil e do mundo: Fim Do Futuro? Ora, este foi o título escolhido pelo cientista José Lutzenberger para o Manifesto Ecológico Brasileiro.

Ele sabia, como sabiam Mário Schenberg e Waldemar Paioli e Aziz Ab'Sáber, entre outros - sempre os mesmos poucos que fazem a força-motriz da Consciência Humana!, que a Humanidade não sobreviverá ao holocausto da anti-Cultura que fundamenta os crimes contra a Natureza.

Considerando que os processos civilizacionais mais não fazem que arrancar os seres humanos à Natureza para os projetar e implantar na cultura, como observa o português Manuel Reis, professor e pensador (no seu livro As Máscaras De Deus...), eis que, diz José Lutzenberger, ...a economia humana é um aspecto parcial da economia da Natureza.

Os governantes, e isso não é de agora!, gostam de brincar de esconde-esconde nos assuntos referentes ao berço que sustenta a Humanidade - isto é: a Terra. Por outro lado, a maioria dos intelectuais e artistas - e coisas como a fascização da Sociedade têm fonte aí, também - calçam pantufas diante e sob esta problemática tão ligada à Cultura quanto a fome à má administração dos recursos: julgam-se, tal como os governantes e demais políticos, acima da Natureza, porque a sobrevivência é-lhes mais forte do que a preservação da Terra. Esquecem que a Terra é berço e é estrada, condição sine qua non para aquela sobrevivência.

Atualíssima, a questão Fim Do Futuro? é tão socialmente uma questão de Cultura como a mais bela obra artística.

Por um lado, e já nos lembrava o cientista Mário Schenberg, a ciência não pode consertar o mundo; por outro lado, o ecologista e jornalista Waldemar Paioli sistematizou no Fraternalismo - uma doutrina social para a Eco-Democracia em gestação desde os tempo da Associação Paulista de Proteção à Natureza (APPN), que virou Associação Mundial de Ecologia (AME) - a Verdade nua e crua que o filósofo Matin Heidegger por várias vezes expôs: ninguém é sem saber estar. Assim, como afirma aquele ecologista, ...o escopo ( ) do Fraternalismo ( ) é o equilíbrio total, a paz, a justiça, o bem estar físico e espiritual dos povos, porque o desenvolvimento material é apenas parte do todo!

Nos finais dos Anos 60 o escritor e pensador latino-americano Silo (Mário Cobos) fundou o Movimento Humanista tendo por base o Ser Humano e suas possibilidades de mudança pessoal e de transformação da situação de sobrevivência dentro do conceito oriental da não violência ativa; era e é a luta contra a estupidez do salve-se quem puder. No caso do Fraternalismo, que nasceu dos ideais humanitários lançados nos Anos 70, está em jogo tudo o que o Movimento Humanista defende, mas vai mais longe: defende a conscientização social através do ato cultural ativo como forma mais eficaz de levar o Ser Humano a saber de si e do Todo numa correlação fraternal de conhecimentos que não deixa a Terra em segundo ou terceiro planos, sim, em plano de igualdade.

A disputa da supremacia territorial e humana é tão antiga que, dos Celtas, originou-se o herman (o chefe guerreiro). Mas, estamos no Brasil. Recordo, pois, a guerra secular, entre outros exemplos, que destrói os nativos Carajás e Caiapós - uma guerra de vida e de morte promovida por esses inimigos irreconciliáveis que propagam um ódio profundo e inextinguível ( ) de geração em geração, como comentou J. A. Leite Moraes no Apontamentos de Viagem - livro que retrata a sua expedição à Amazônia em 1880. Muito antes dele, em pleno Séc. 16, ainda as velas enfunadas nas caravelas quinhentistas..., o alemão Hans Staden descreve(u) esse ódio no livro primeiro sobre a Insulla de Brazil, ou Brasil, publicado em Essen, e tratando particularmente dos nativos Carijó que ajudaram os colonizadores brancos, assunto que eu recordo em meu ensaio e livro De Costa A Costa Com A Casa Às Costas. Por tais razões Waldemar Paioli diz, no Manifesto do Fraternalismo, que A morada Terra é o nosso lar transitório ( ) Organizados em grupos, tribos, povos e raças, somos compelidos a viver e a conviver de acordo com sistemas e convenções. Sem dúvida, a cidade-estado surgiu na África embasada nesse conceito, mas a Humanidade transporta em si algo da barbárie, da submissão ao egoísmo e à luta do poder pelo poder; daí que esta doutrina ecopolítica denominada Fraternalismo tenha no seu escopo uma vertente d'ação primordial: a Cultura!

O escritor Balzac disse que a resignação é um suicídio cotidiano. Ora, é contra esta resignação que dá poderes aos medíocres que pululam nas políticas, nas culturas e nas igrejas, que o Manifesto do Fraternalismo expôe-se como advertência e como ferramenta de um novo ideal.

E retorno ao português Manuel Reis para vos dizer que Nunca, historicamente, tanto se terá falado de Democracia... nunca tanto o cidadão anônimo se víu afastado e repelido, pura e simplesmente ignorado pelos centros do poder instituido ( ) Pulverizou-se toda a espécie de transcendência. Quando consegue estar vigilante, dirá que Democracia, para si, não passa de ilusão, miragem e embuste!... Isto põe-nos diante do sistema ordem-desordem que edifica a nossa Civilização - um sistema anti-Fraternalismo. Por isso, defender e divulgar um ideal e uma ação como os propostos pelo Fraternalismo é, antes de tudo, exercer a Cidadania assumida sob uma conduta de Cultura consciente!

Se um ecossistema simples pode ser formado, por ex., pelo conjunto árvore-meio, já aí sabemos que a árvore assume a energia que recebe do sol e combina-a com os minerais do meio, isto é, do solo, produzindo a fotossíntese que lhe forma os tecidos da sobrevivência - e, deste conjunto, liberta-se no espaço, ou no meio, uma outra energia: a da respiração da própria árvore. Então, energia e fluxo de nutrientes são a plataforma de tudo o que vive e sobrevive na Terra. Ora, aqui nasce, vive, sobrevive e morre o Ser Humano... Nós!

A interação entre as espécies, o meio e o processamento da energia pelo ecossistema, é ainda algo muito obscuro para o Pensamento humano, em geral. Daí que o conservacionismo, enquanto práxis de uma Política mais avançada, não seja ainda a linha d'ação fundamental para a defesa da Terra.

É preciso que a esse precário esforço político junte-se uma ação de Cultura ideologicamente balizada entre a Ciência e o Desenvolvimento Sustentado, mas, a partir da microeconomia e não da macroeconomia, como vem sendo feito!

É preciso que os moradores de um bairro, em uma determinada cidade, saibam que os seus atos ecoam em outros bairros - na cidade como um todo - e daí até esferas mais altas da administração local e global; mas, isso só acontece se esses moradores souberem que deles depende, em ações conscientes, o Desenvolvimento Local Sustentado.

Que adianta falar de Ecologia entre ministros e universitários e cientistas se na escola do bairro nem os professores sabem que uma árvore também respira?...

É preciso que, no âmbito de uma Cultura desengajada dos sistemas politiqueiros, forme-se um sistema de Educação e um Professorado que realimentem a Ciência do sobreviver através do Desenvolvimento Local Sustentado.

Eis aqui a importância da cidade-ecológica (ou eco-cidade), talvez a grande bandeira do Pensamento e da Cultura que poucos souberam expressar até hoje...

É preciso dizer ao mundo o que somos, que ninguém conserva a Natureza quando não se sabe o que é a Natureza e que dela depende a Humanidade. Aqui, Fraternalismo é a palavra-chave. Se a árvore sobrevive do impacto harmonioso em determinado meio, Nós existimos em função dessa harmonia físico-química, porque temos todo esse ecossistema como berço e como alimento. Desiquilibrar agressivamente esta relação, como vem sendo feito, é aplaudir a morte lenta no seu efeito mais cruel: o fim da Humanidade!

É preciso que nesta ergonomia, isto é, neste desenvolvimento integrado de meio, seres e tecnologia, consigamos ser poetas o suficiente para sonharmos com o Futuro - e o sonho, essa quimérica essência da Humanidade, só é possível hohe, porque o ontem e o amanhã são estágios do que foi e do que será: e Nós estamos aqui, hoje, e somos!

É preciso dizer que outra Ecologia: a Ecologia Humana, porque das circunstâncias várias que formam os tecidos da nossa cotidianeidade resultam a Bestialidade da ação anti-Terra ou a Harmonia entre Nós e as condições (físico-química e biótica) do meio que respiramos.

E tudo isto é, antes de mais, Cultura!

Defendemos a ética da Terra pelo equilíbrio dos ecossistemas naturais e o equilíbrio social estável; o Fraternalismo é uma doutrina ecopolítica que deseja o eixo Terra-Humanidade como centro da partícula que somos no Todo cósmico.

Entender isto é entender, culturalmente, que só somos quando sabemos estar...!

(palestra proferida no auditório da Cetesb-SP,22.11.97)