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Alguns Aspectos De Uma Viagem Psicológica Pegando Em D'Olivet (Prêmio "Pedro Álvares Cabral" - 1990, de Ensaio) A presença de um Povo nas costas do Mundo logo faz levantar a chama da Aventura, entre muitas interrogações e achados,
o que implica na tentativa de achar a corrente onírica que move esse Povo, uma
nação d'Alma grande. A fabulosa e lenta ascensão da Raça Branca sobre a Raça Negra, i.e., dos Bóreos (... no início de tudo os Brancos viviam pelo Pólo Boreal) e dos Negros (estes dominavam, então, o Mundo), segundo a visão d'olivetiana (01), e aqui, quando nos referimos a visão queremos dizer estudos, foi uma Aventura que, em suas oscilações, levaria ao "desmenbramento do Império Universal",
numa digressão bélica e social
sob aspectos mitológicos e religiosos, onde pode-se encontrar a raiz animal do Ser humano e os primórdios da sua expressão.
Ao falarmos aqui de Brancos e de Negros não o fazemos sob a perspectiva ideologicamente doentia do Racismo, mas sim da análise histórica. A verdade sobre tal assunto é uma verdade relativa, mas a Filosofia e a História não deixaram de registrar nos anais as questões cruciais do movimento humano quando girando em torno do eixo racial. Podemos e devemos discutir a
visão d'olivetiana
mas não devemos esconder que a ascensão da Humanidade deu-se pela Raça Negra até que, ainda em precária organização, a Raça Branca partíu rumo ao seu Destino, qual bandeira despontando num Universo terreno amplamente favorável. Poder-se-á dizer, inclusive, que os Brancos nasciam como uma
nação d'Alma grande!
Eu vi a luz em um país perdido.
(02)
Como um barco toscamente feito de pensamentos e d'escritos, vamos encontrar numa Idade mais avançada, um Povo que enfrentou heroicamente a fase final do apogéu da Raça Negra no sul europeu: o Povo português.
Ao derrotar os muçulmanos e impondo uma dinâmica de Liberdade humana e territorial, aqueles guerreiros celtiberos de sangue grego, árabe e romano fundaram Portugal.
Há no sangue português uma mistura d'almas e d'engenhos, que fez a Nação portuguesa nascer sob o signo da Firmeza e da Aventura... logo, esta característica não poderia ficar amordaçada por muito tempo. Do conquistador Afonso Henriques ao navegador Henrique a Nação confirmou-se, e em Henrique germinava aquele Mundo interior, aquela
psicose d'olhar bravo
que já não aguentava mais os contornos banhados por aquele Mar que beijava a imensa Esperança e fazia delirar nas velhas guitarras uma
Alma popular deliciada com a Nação.
E no entanto, ainda uma Nação algo melancólica, talvez até assustada com o sufoco territorial que sabia seu.
Que fazer?
Os bravos d'espada eram já uma lenda, apesar da época cavaleiresca e de as Cruzadas cantarem alto a saga de Jesus e da Cristandade. A essa imagem, historicamente ligada à edificação moral da Pátria portuguesa, faltava um Espaço e um Tempo de continuidade. Mas,
o quê?
as novas sobre o Oriente, as especulações sobre as Especiarias, fizeram das cabeças dos reis portugueses uma autêntica mercearia onde o sonho do Império d'Além-Mar transformou-se em mera mercadância - e, as cartas estavam lançadas... E na ponta de Sagres, o mago das marés e da navegação questionava:
como?
Com tanto Mar e tanta Quimera pela frente, o solitário de Sagres percebeu que havia um Império a cumprir, que não era só o aspecto mercantil: o que jogava-se ali, sob o murmurar sedutor do Mar, era sim a Alma cavaleiresca do Luso em busca das epopéias
Como as do novo rasto que começa... (03)
O Povo Português aprendeu cedo a ter no passado uma referência para o refazer histórico da Pátria,
e a Caravelas fizeram-se ao Mar!
A Alma celta e árabe deram ao sangue do Luso uma ponte que une confluências energéticas e psicológicas de onde toda uma estratégia êbria da Grandeza humana, em aventuras e descobertas, tendo um eixo chamado
Pátria.
O que iria trazer, num futuro próximo, frutos extraordinários - os quais, às vezes até inesperadamente, iriam estufar peitos valentes!
O percurso iniciático do delírio português começa na obsessão d'Aventura, mas esta não pode ter uma leitura tão simples, uma vez que podemos encontrar em Fernão Mendes Pinto aquela peregrinação d'Alma e, em Camões, o ponto do erudito Estar português - i.e., a vastidão do Império não se cumpria apelas pela Mitologia e a Religiosidade, à Nação grande incorporava-se também a Magia da travessia cultural.
Após ter conquistado o direito de ser Portugal, o Luso assumíu o papel de
descobridor dos mundos que o Mundo tinha!
Na solidão do seu Todo e diluindo a sua Existência no Sonho maior, o navegador de Sagres deixou-se encantar: sucumbíu ao
chamamento do Mar,
despíu a pele d'Homem para se amantizar em Espírito com aquele Oceano tão imenso quanto ele. A imagem do Infante Henrique fez escola. Em breve, as gentes e o Mundo descobriam-no como
rota possível de uma Aventura marítima.
Qundo as primeiras Caravelas se fizeram ao Mar todo o Portugal bebeu no cálice da Fé, de o Ser e Estar, um Império feito à dimensão d'Alma grande!
Os portugueses, que o Luso eram, passaram a ser um Povo nas costas do Mundo. Marco Pólo múltiplo e não-romântico. E das novas narrativas e cartas nascia oficialmente um Universo ora já habitado ora apenas tocado. Nada mais seria igual. Entre a Mente precária de alguns navegadores, as fomes e as pestes, as tempestades e as idas a pique, os saques, os achamentos e as conquistas, a Utopia e a megalomania, o Caos e a Vontade de levantar um
Novo Mundo,
as costas começaram a receber o Padrão que sinalizava não só o triunfo da Raça Branca como a ascensão desta sobre a Raça Negra (04). O que séculos depois o francês D'Olivet escreveria tinha o seu sentido: se os sudeanos haviam enchido o Mundo com o seu organizado Estado Social, os bóreos tiveram de percorrer um caminho que foi de fuga, confusão, organização e ascensão. Esta foi a Época - mudam-se os tempos, mudam-se as vontades (cantaria Camões) - que deu a Portugal o papel de anfitrião da Modernidade e do Conhecimento universal...
O gênero humano descobría-se com ferro, fogo, sangue, saque e pompa. De cavaleirescos d'espada a caraveleiros e conquistadores, os filhos do Luso abriram a rota do Novo!
... E, mesmo deixando Colombo testemunhar, com arte e engenho, essa rota junto dos reis de Castela e Aragão, os de Portugal sabiam que tudo estava sob controle, porque
a Carta era feita!
Ainda o primeiro Padrão estava fresco e já os filhos do Luso iniciavam uma Diáspora pelos quatro cantos do Mundo.
Mas, o que era, ou, quem era aquele Ser Português marujo diante dos fantásticos Descobrimentos?, que Filosofia alquímica o movia?
Uma élite, antes de mais, que almejava dispôr de algumas das prateleiras daquela mercearia cobiçada e conseguida pela realeza
através da visão científica e poética do Infante solitário
mas, também um Povo que enchia os peitos com um Fado conquistado a duras penas - sim, e aí havia uma vã Filosofia... Vã Filosofia? Não. Cumprindo o seu império, o Ser Português deixava no Mundo uma abstração filosófica: ele
buscava o conceito de Substância para a psicose que lhe alimentava o lirismo d'Aventura,
da Conquista e d'Espaço, que o Tempo era o seu!...
"O filósofo deve abrir-se (...) aos dados científicos. As possibilidades filosóficas dos dados estão na proporção em que os dados são precisos, exatos, fiéis à natureza" (06).
Observando isto, e fazendo a junção da Fé à conquista do Império, temos que o Português marujo não só encontrou a mercearia como lhe provou a Substância re-iniciando, com outra amplidão marítima, o intercâmbio comercial e cultural e religioso. De peito cheio, o Povo português dilatava a Fé com um Império do tamanho do seu Sonho.
Há, então, nos Descobrimentos, uma visão teológica e messiânica que levou à Colonização das terras e dos povos achados, o que, por outro lado, gerou uma ação de moralização contra os desvios da essência teológica e científica que envolvia a Aventura portuguesa nas costas do Mundo. Principalmente, depois de colocado o Padrão nas vastas terras de Vera Cruz - ou, a velha Insulla Brazil (pois, as Cartas indicam-nos a Insulla Brazil quase meio século antes de ser achada)! Aqui veio a surgir a grande figura da Moral, aquele que dispôs-se a equilibrar a ânsia lusa entre o Poder material e os aspectos metafísicos dimensionando aí uma primeira ação ecológica em torno do gênero humano: o Pe. António Vieira. Este jesuita sobrepôs-se a Camões na dimensão cultural da Língua traduzindo-a para os comuns mortais como Instrumento e Oráculo da divinização dos esforços portugueses no Novo Mundo e na Insulla Brazil.
Aquele Português dos Descobrimentos e da primeira fase da Diáspora , era então o marujo e o aventureiro dotado de uma Filosofia que poderemos chamar como filosofia-de-toque - i.e., após o Sonho realizado na Conquista ele dispunha-se, salvo os casos que foi forçado!, a diversificar o seu contato no Novo Mundo; não era uma Filosofia vã. Tanto que, à exceção do Oriente (embora haja resíduo da Língua corrente: Macau, China, Japão...), vamos encontrar O Português gerando Português n'África e no Brasil. Se a particularidade que já haviamos encontrado e operado na Fundação da Nacionalidade teve méritos, na Formação d'Alma Lusôfona esta filosofia-de-toque (humana e cultural, na essência, e apesar do Escravagismo...), ela encontra aqui um vasto campo de ação: a miscigenação. A fusão de sangues que gerara uma Nação d'Alma grande durante a primeira epopéia belicista deste povo da Raça Branca veio a facilitar a penetração do mesmo entre a Raça Negra e proporcionar uma lenta ascensão do Império sob condições particularíssimas (07).
E outra vez conquistemos a distância - Do mar ou outra, mas que seja nossa!
(08)
E isto não poderia acontecer em outra parte do Mundo: tinha que ser na Insulla Brazil das Cartas antigas. E então, a imensidão das Terras de Vera Cruz mexeu mais ainda com a essência psicológica do Português.
Que mais poderia ele querer?
Nem o arrojado e temido Afonso Henriques nem o glorioso Henrique poderiam supôr que Portugal alcançaria tão vasto Império e que, dentro desse mesmo Império, ainda pudesse desbravar mais Distância fazendo
um Império d'Alma grande!
Nos mares e terras d'Oriente conseguiram os filhos do Luso a tal mercearia que o bojo das Caravelas haveria de engrossar com a d'África e a d'América.
Fora esse aspecto material e mercantilista que fez o Poder da Realeza e renascer os vícios do imperiais do Vaticano, há que realçar aquele outro aspecto que se prende com a ação humana e cultural... A ação ecológica de primeira água exercida pelo Pe. Vieira transformou o Brasil numa banca de ensaios teológicos fazendo primar o respeito pelo Direito à Vida e à Liberdade - o que, entenda-se, assustou a Realeza e o Vaticano (e o Papa pôs-lhe a Santa Inquisição no calcanhar!). Contra tudo e todos, aquele jesuita lançou uma Obra pastoral de envergadura universal como nenhum Papa alcançou até hoje. Nascia com ele e a sua Obra uma nova Mentalidade,
ainda as Caravelas singravam o Mar.
Já o Império sofria as primeiras alterações e o canto de Camões, como o Teatro do mestre Gil Vicente, enchiam o Mundo lusôfono, e a Diáspora lusa dava à luz no Brasil (e entre o Português que gerava Português, também...)
uma nova Nação d'Alma grande, quiçã, Outro Portugal. E era feito o Brasileiro!
O que havia acontecido para formar a Nacionalidade portuguesa repetía-se na Distância alcançada no outro lado do Mar e
com a mesma veemência povoadora.
...a febre em mim de navegar Só encontrará de Deus na eterna calma O porto sempre por achar (09)
Na realidade, o Português dos Descobrimentos encontrou nas costas da Insulla Brazil um campo humano de "...vergonhas tão nuas e com tanta inocência descobertas, que nisso não havia vergonha alguma"(10).
Que mais poderia ele querer?
E que campo humano para a provação da sua filosofia-de-toque...!
O processo iniciático do delírio português achava, finalmente, um espelho na sua dimensão alquímica e um porto seguro.
A ponte do sangue português criou, no Novo Mundo, não uma guerra entre nativos e achadores mas uma
poesia notável d'Humanidade lírica
que, entre outras coisas, e messianismo e escravagismo à parte, fez nascer uma nova Raça: a Brasileira.
A questão d'olivetiana colocada filosoficamente, quanto aos mecanismos de dominação presentes entre os Bóreos e os Sudeanos terá que ser revista, uma vez que os Descobrimentos e a Diáspora lusa, embora não acabasse com tal estigma, propôs que as raças não se devorassem, sim, que se unissem sem perderem sua Cultura. E no entanto, com condições favoráveis no processo, os jesuitas, em geral, devoraram a Cultura linguística dos nativos da Insulla Brazil na tentativa de criarem um outro Império, ou, uma Casa teocrática entre as florestas amazônicas... E tudo isto aconteceu apesar da ação negreira da Escravidão desencadeada pelo mercantilismo que suportava a ociosidade intelectual da Coroa e dos conquistadores de Mentalidade precária! Tudo isto fez os filhos do Luso marcarem presença na África, no Oriente e na América - e, os africanos, os orientais e os americanos não perderam as suas características mais profundas,. mercê daquela
poesia notável d'Humanidade lírica!
Obviamente,
todo o percurso histórico-literário das navegações portuguesas inspira uma epopéia fabulosa - no entanto,
é o achamento da Insulla Brazil
a peça mais importante ou mais querida dos pesquisadores. Não só porque entre esse achamento e o da América existe uma vastíssima especulação histórica, mas também porque naquela insulla (e dentro do messianismo vieiriano) nascia um Outro Portugal,
aquel'Outro Portugal
que os filósofos em geral não souberam (ou não quiseram) explicar e que, mais tarde, haveria de conquistar a plenitude do seu umbigo ibérico sob o ímpeto d'Alma grande.
A pluralidade planetária alcançada pelo Povo português em suas andanças pelas costas do Mundo edificou uma aldeia ideológica cujo comportamento projetou a Língua e a Raça além das convenções culturais.
O conceito inter-racial como o conceito inter-nacional foram por um lado tão fortes e por outro tão banais - se se considerar que as navegações constituíram uma base científica dentro da base do mero mercantilismo -que a História não poderia fazer outra coisa que não fosse registrar o óbvio!
Quando a visão d'olivetiana do "desmembramento do Império Universal"foi tornada pública já Portugal era um edifício pátrio disperso por uma Diáspora obreira e, aqui e ali, intelectual. A tomada do Brasil como uma segunda e imensa Pátria fez do português um Povo novo: o Brasil tornou-se o bolsão que a psicose guerreira do velho Povo almejava. Com o achamento do Brasil iniciava-se não "o desmembramento do Império Universal" mas a mais fantástica ficção que um Povo pregrino e mágico poderia edificar:
a Pátria segunda!
Com a Aventura marítima portuguesa deu-se início à pluralidade planetária... nela, o valoroso Povo português encontrou a Paz psicológica, pois, pôde expôr-se livremente nos imensos territórios, soltar
a Alma grande
tão grande Alma que proporcionou a Unidade e não o Desmembramento Universal.
Embevecido com o Feito, os filhos do Luso deitaram-se sob a sombra da História por eles desencadeada numa viagem psicológica, e psicológica porque foi a busca de um Espaço contra o colete de forças que era o jardim ibérico: psicológica porque foi o Tempo português expandido! Ora, como poderia um Povo de conquistas ficar a olhar o Mar? A essa tortura que também tanto ferira o conquistador Afonso Henriques deu o navegador Henrique uma resposta solitária e solidária que haveria de mudar o Mundo e as filosofias que se burilavam entre o fim da Idade Média e o Renascimeno. A Alma portuguesa encontrara nos confins dos Descobrimentos um paraíso que só ela poderia ter: a Terra de Vera Cruz. A partir daí, dese paraíso do meio mundo, o Luso estava em suas quintas, e
que mais poderia ele querer?
A corrente onírica que detonou a heróica saga do Português nas costas do Mundo é, ainda, meio milênio depois,
aquela psicose d'olhar bravo
que podemos até testemunhar pelo Pensamento recíproco dos brasileiros e dos portugueses em relação ao umbigo ibérico e à Pátria segunda -
o Mundo somos nós, Bóreos e Sudeanos de mãos dadas pela Fraternidade universal!
01- FABRE D'OLIVET, Antoine - (1767-1825), in História Filosófica Do Gênero Humano (Ed. Ubyassara, RJ-1989, Trad. Edmond Jorge) 02- PESSANHA, Camilo - in Clepsidra (poema Inscrição), Ed. Princípio, SP-1989 03- Idem (poema Vënus) 04- Raça Negra, ou Sudeana, devido a sua origem equatorial (D'Olivet, op. cit.) 05- "...voltando da Guiné, consegui uma audiência com o Rei D. João II de Portugal e lhe expus meu plano de alcançar as Índias (...) E depois disseram-me que S. Majestade submetera meus planos à apreciação de uma comissão de sábios, que concluíram que tudo que eu propusera não passava de PURA ILUSÃO!"- in O Médico Que Descobríu A América, romance de Flerts Nebó, Ed. Edicon, SP-1990 (2º Ediç.) 06- VILLAÇA Antônio Carlos - in O Pensamento Católico No Brasil, Ed. Zahar, RJ-1975 07- Tanto mais que se estava para lá da Linha Equatorial, o que dava outro sabor histórico à presença lusa entre os Sudeanos (N. do A.) 08- PESSOA, Fernando - in Mensagem (poema Prece), Ed. Difel, SP-1986 09- Idem (poema Padrão) 10- CORTESÃO, Jaime - in A Carta De Pero Vaz De Caminha, Lisboa-1967 |
Atualizado em: 18 September, 2000