Crônica Cinematográfica
joão barcellos

 

 

O Cineclubismo Como Escola

Sempre ouvi dizer, e vi alguns cineastas provarem isso, que o Cinema é uma Arte em tese. Eu mesmo, em minhas experiências com Filmes Super 8 e 16 mm (realizei 6 curtíssimos animando material para as minhas sessões cinéfilas com as crianças, ganhando até um prêmio no Festival Internacional do Cinema Amador), entrei nesse enquadramento de pôr a Arte como um Todo social. Era um conceito muito ligado à ação sociopolítica dos Cine-Clubes, organizações de carácter cívico-cultural que nasceram da necessidade de divulgar a Cinematografia como Arte, quer nos países de Cultura livre quer naqueles dominados pelas ditaduras nazi-fascistas e comunistas (que são, socialmente, a mesmísima coisa: fome e tortura). Hoje, em todo o mundo, o Cineclubismo é um escola onde a Arte, a Sociedade, e sobretudo a Criatividade, têm vez. Pensar em Arte no seu todo, não na Arte pela Arte, ou na Arte engajada aos regimes políticos, já era, nos Anos 60 e 70, ter a Arte como práxis de uma tese em contínua evolução. Tal como a Educação e a Cultura, em geral. Foi neste formigueiro intelectual que conheci as entranhas de uma Cinematografia que me veio pela Arte de um Chaplin (Charlot), de um Mário Moreno (Cantinflas), de um John Ford, de um Manuel de Oliveira, de um Pasolini, de um Truffaut, de um Eisenstein, de um Buñel, etc, etc, etc; uma cultura cinéfila que se ganha pela leitura atenta de muitos milhares de metros de película, do celulóide ao acetato. E só tem esse jeito. Não existe outro. O tratamento da Arte em cada Filme, a realizar ou em observação, era como uma lâmina entre e sobre planos: o Pensamento tinha de ser e de estar Arte!

Sobrevivendo de ajudas dos associados, os Cine-Clubes raramente tiveram oportunidade, com a excepção feita aos franceses, alemães e italianos, de produzirem Cinematografia; a maioria dessas corajosas associações produziram, sim, ótimos leitores, cinéfilos que tornaram-se, em alguns casos, bons críticos cinematográficos. Aqui fica, nesta crônica, o registro do outro lado da Sétima Arte.

 

 

Sétima Arte

 

 

Desde que os irmãos Lumière, na França, fizeram rodar a primeira película de celulóide num projetor de manivela, a Imagem ganhou movimento, o rosto da Humanidade vária ganhou um espelho fantástico.

Com uma frequência de 24 Imagens/Segundo, que na manivela perdia um pouco de ritmo, claro, a Cinematografia logo transformou-se em Indústria - aí, o espelho fantástico transformou, por sua vez, a Vida em um conto de fadas. Enquanto a Europa cochilava sobre o invento dos Lumière, os EUA preferiram dar uma olhada geral na Cinematografia nascente e dar largas à sua criatividade mercantil. Pronto, nascia Hollywood. Industrializada a Cinematografia, a Arte da imagem-em-movimento virou Sétima Arte.

Entre o final dos Anos 70 e o início dos Anos 80 representei, como cineclubista de carteirinha, a Ferderação Portuguesa de Cineclubes junto da Federação Internacional, o que me permitíu conhecer o cineasta Truffaut, a atriz Bardot, o ator Alain Delon, entre outros (eu já tinha conhecido o brasileiro Glauber, juntamente com o português Oliveira, durante os tortuosos caminhos que, logo após o golpe d'Estado de 25 de Abril de 1974, democratizaram Portugal). Dessa minha vivência (ou infância) Cinematográfica escrevi os meus primeiros textos sobre Cinema e de opinião crítica sobre Filmes. Foi uma escola paralela à da revista Cahièrs du Cinema, porque o Cineclubismo foi e é um ato intelectual dentro da Sétima Arte como já afirmei (em conferências realizadas em Londres/1978, Buenos Aires/1978, San Sebastian/1982, Cannes/1981, Figueira da Foz/1981, Liverpool/1983, etc). Na realidade, uma escola de vivências múltiplas entre Tecnologia e Humanidade.

Olhando, com olhar de dar opinião, em panorâmica sobre a Cinematografia que ocorre na Lusofonia (Portugal, Brasil, Angola, Guiné-Bissau, Angola, Moçambique, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe), acho justo destacar que essa Cinematografia é originária daquele ato intelectual: uma Imagem não-comportada para os padrões hollywoodescos, por tratar de assuntos bem localizados sob a ótica da Cultura própria -, e por essa razão, os dois últimos filmes brasileiros candidatos ao Óscar de Melhor Filme Estrangeiro, em Hollywood, não levaram a estatueta!... Eis a questão, que é ideológica e não artística. E no entanto, a pujança vive a Cinematografia na Lusofonia é algo admirável tendo-se em conta que até as élites dominantes demoraram para entender a Sétima Arte como meio de educação e até de propagandear a evolução cultural de cada país.

Sim, a Sétima Arte é um divertimento industrial e artístico que pode, e deve, ser assimilado como ato intelectual e social.

 

 

O Advogado Do Diabo

o filme

Aparecer sem Ser é como Estar sem existir. Uma farsa. Uma das maldades da Humanidade em seus existencialismo animalesco. Para aparecer, uma pessoa pode defender o Mal com tanta perseverança que aos olhos dos outros esse Mal surge como Bem... É o preço da Ambição, "Desta vaidade a que chamamos fama!", como canta(va) Camões, que viveu o inferno da Inveja.

A obsessão pela Vaidade de vencer obstáculos a troco do "ouro" que poderá "pagar" a fama e consumir os outros de Inveja, é o enfoque em The Devil's Advocate, um filme de Taylor Hackford com as participações de Al Pacino e Keanu Reeves. De uma plástica - imagem e som - estonteante conseguida por uma boa edição, The Devil's Advocate mostra em seu enredo uma reflexão sobre a advogacia que não conhece Ética transformando-se no elo diabólico que ensanguenta a Sociedade. O ser que para ganhar notoriedade afasta-se dos princípios básicos da Solidariedade é algo bestial, como demonstrou Dante. Nem todos os profissionais da Advogacia são anti-éticos, e o final desta obra cinematográfica é exemplar: aquele que poderia ser (mais um) filho da Bestialidade recusa-se a vestir essa pele, embora não resista àqueles minutinhos de fama televisiva... Só mesmo os "críticos" que não sabem o que é a Arte Cinematográfica podem opinar desfavoravelmente sobre O Advogado Do Diabo - um filme que se recomenda a todos os advogados...

A interpretação de Al Pacino, no papel de Diabo, é um espetáculo dentro do próprio filme, o que não o transforma em "filme de ator". Felizmente para nós, cinéfilos.

 

Filme de Ator

Que é isso, aí?, pergunta muita gente. Lembram-se daquele primeiro O Padrinho (The Godfather), o excelente filme de F. F. Coppola? Pois, Marlon Brando foi escolhido para interpretar o papel principal, mas o papel foi "escrito" para ele; trata-se, aqui, de um trabalho cinematográfico direcionado à figura carismática de um Ator. Lembram-se de As Sandálias Do Pescador (The Fisherman Shoes), aquele filme que tem Anthony Quinn no papel principal? O filme não foi escrito para ele mas a sua personalidade encaixou-se perfeitamente no papel... A tudo isto denominamos Filme de Ator. Mais: atores e atrizes de sucesso escolhem os filmes em que querem atuar. Anos 80 foram, neste contexto, o tempo dessa tendência. Continua, mas nem tanto.

 

O Cinema Como Arte Total

É o que que se pode dizer/escrever quando observamos, tecnicamente, o desenvolvimento apresentado hoje pela Indústria Cinematográfica. Das formas clássicas do plano americano em filmes como O Carteiro e o Poeta, em que o tempo é definido pela palavra dos personagens, à sofisticada pulverização do espaço pela contracenação de efeitos especiais computadorizados representando um tempo dinâmico, como observamos em filmes como The Jackal e The Devil's Avocate, eis-nos diante de uma Arte que virou Indústria que virou Alta Tecnologia. Quando os pioneiros cineastas, como Fritz Lang, Eisenstein e John Ford, entre muitos outros, começaram a trabalhar o plano como instrumento último da linguagem fílmica, estavam muito longe de supôr que esse trabalho daria frutos fantásticos a partir de cineastas como Coppola e Spielberg, que alcançaram, em seus estudos e realizações, uma metalinguagem fílmica pela qual, suspeitam alguns, não há mais o que imaginar ou inventar para o Cinema. Puro engano. Vitrine fabulosa da alta tecnologia gerada pela Informática, o Cinema é tão estruturalmente acadêmico como não-acadêmico, tendências que se chocam desde a fotografia à montagem passando pelo elenco e a gravação, porque a digitalização passou a ser o processo vital desta moderna e globalizante Indústria de imagens e sons; ora, entre a câmera e o computador não há mais distâncias a percorrer, uma e outro são o mesmo instrumento - tudo o que há a esperar é que a cinematografia digital continue a proporcionar aquela dimensão imagética que no filme tradicional só os poetas conseguem "ver".

 

 

Um Novo Cinema Brasileiro?

Certo. É isso aí. Parece que a própria comunidade cinematográfica brasileira fez uma auto-análise e concluíu aquilo que os cinéfilos já haviam declarado: o sexo não esconde a insuficiência técnica de cineastas e roteiristas! É verdade que o Brasil já produzíu bons filmes, venceu até uma Palma de Ouro, no tradicionalíssimo Festival de Cannes, mas só agora, nestes Anos 90 é que os produtores estão apostando, com ajuda governamental e privada, na criação, de fato!, de um Cinema Brasileiro afinado com as tendências tecnológicas e culturais contemporâneas. É a própria História do Brasil quem está ganhando com este processo, porque eventos de ontem como Guerra Dos Farrapos, Tiradentes, Guerra De Canudos, além de temas sóciopolíticos de profundidade psicológica, estão sendo captados pelas câmeras. Incentivar é preciso. Incentivar, incentivar, porque criatividade é algo que o cineasta brasileiro esbanja!

 

O Carteiro e o Poeta

Cinema. Ah, a imagem que somos. Todas as imagens que somos estão na Arte Cinematográfica que nos vê como ela: uma metâfora. Sulimes poemas...

O visual é o Espaço que (nos) faz sentir intensamente. Algo, quer no Eu quer pelo toque daquilo que (nos) é exterior. Eis a Poesia. Pensar a imagética que é o nosso percurso sobre a Terra e entre o Cosmo é construir, também, o nosso Diálogo necessário com a alquimia do divino Estar enquanto temos a consciência do Ser. E isto tudo, imaginem só!, a propósito do filme O Carteiro e o Poeta, do diretor Michael Radford, rodado na Ilha de Capri em memória dos momentos inesquecíveis de Poesia e de Amor que ali viveu o exilado Pablo Neruda.

Um trabalho cinematográfico que classifico como cult. Mas devo dizer: porque situa o poeta chileno entre as naturezas - a telúrica e a humana, das quais não fugia nunca. Como sempre digo, a Poesia não se ensina: é do Poeta que nasce assim mesmo. Das "redes tristes" de um pescador soube Michael Radford estabelecer a visualidade poética com o texto "Inclinado nas tardes lanço as minhas tristes redes/ aos teus olhos oceânicos", do próprio Pablo Neruda (in Inclinado Nas Tardes...).

O premiado ensaista português Eduardo Lourenço, um dos grandes da Europa de hoje, afirma que "só há História do presente (...) O estudo do passado está sempre a ser objecto de reciclagem, mas, por outro lado, o que caracteriza o historiador é a capacidade quase onírica de sair do seu tempo para imaginar". Assim o fez o diretor d’O Carteiro e o Poeta - um filme de essências oníricas que o cinéfilo respira em cada fotograma; onde o passado jorra com tamanha atualidade o hoje... Eis a Poesia novamente, e sempre! Difícil é mostrar um poeta que é ao mesmo tempo Criação e Povo. Mito. O poeta é um Oráculo cuja Liberdade de ação está no exteriorizar o que o Eu burila enquanto Arte. Assim foi/é Pablo Neruda, e o é pelos livros que (nos) legou. Mostrar este poeta do Chile, e do mundo, não é mostrar o outrora, é desafiar o hoje a entender a luta social pela humanização.

O mérito do filme de Michael Radford está neste pormenor: o Cinema é como a Poesia que (re)inventa, uma metâfora...

 

A Essência Do Terrorismo No Cinema

A bomba que explode num local da Irlanda, ou do País Basco, ou de Israel, ou do Líbano, ou dos EUA, tem a mesmísima conotação ideológica: destruição. Nos últimos anos o Cinema tem buscado interpretar a essência do terrorismo. O último filme a que assisti foi Chacal. Uma impressionante engenharia plástica que me lembrou de imediato Canudos e O Advogado Do Diabo - que nos mostram as muitas facetas sociais do terrorismo revolucionário e institucional.

As sociedade locais fazem agora parte de uma aldeia global que desconhece culturas; algo muito diferente da sociedade hollywoodesca que, monopolizando a indústria cinematográfica internacionalmente não consegue, mesmo assim, acabar com a cinematografia de cada país. Ora, ora, terrorismo existe em qualquer lado. Assim, a trajetória da destruição - mesmo quando tem como objetivo levantar uma outra ordem social - chegou aos roteiristas da cinematografia como mais um filão de ouro.

No caso dos filmes Chacal, O Advogado Do Diabo e Canudos, lembrei-me de uma frase que ouvi em pleno Golpe de Estado (25 de Abril de 1974, Portugal): "Estamos a viver um filme!" Realmente, a arte cinematográfica mostra-nos o que somos. Naquele momento, em Portugal, caía um regime e levantava-se outro, mas, para uns caía o Bem e erguia-se o Mal, para outros, finalmente o Bem conquistava um espaço que parecia eternamete ocupado pelo Mal. Assim é também na Irlanda, em Israel, no País Basco, no Brasil, no Líbano, na Colômbia, etc, etc. Por isso, quer nas barras dos tribunais (O Advogado Do Diabo) quer nos esquemas de segurança do dia a dia (Chacal e Canudos), o terrorismo surge-nos como essência de nós mesmos. Os filmes a que me refiro nesta crônica falam por si e por nós: são fruto da sociedade que somos e ajudam-nos a formar opinião. É essa a função da Arte, e muito especialmente da Arte Cinematográfica, que chega a uma maioria popular.

Sempre lembro que assistir a um filme não é o mesmo que assistir a um jogo esportivo, embora a maioria das pessoas vá a uma sessão de cinema para "matar tempo" - o que eu considero uma outra forma de terrorismo (por ser um ato de lesa-Cultura).

Ir ao Cinema é buscar outras imagens extraidas da nossa cotidianeidade, dos nossos desejos. Ora, a indústria cinematográfica transformou-se em Arte precisamente por apostar em conteúdos socioculturais. Falta o público apostar também, que o Cinéfilo (o público mais familiarizado com o Cinema) há muito que é o pilar da cultura cinematográfica.

E aqui temos, para uma breve mas saudável reflexão, um tema que o Cinema nos deixa: a essência do terrorismo.

  

 

Hanna: A Predileta!

Sim. Hanna Schigulla. A formosa e competentíssima atriz de Orgulho e Preconceito, Casanova e a Revolução, Um Amor Na Alemanha, entre outros filmes. É difícil encontrarmos em sets de filmagem atrizes com a inteligência e a beleza formando uma mesma ação humana. É verdade. E um dos raros exemplos é Hanna.

Dirigida pelo polaco Andrzei Wadja e pelo alemão Fassbínder, pode-se dizer que Hanna foi a atriz predileta do alemão, mas que o polaco universalizou-a no trabalho cinematográfico Um Amor Na Alemanha. Para mim, como cinéfilo, a melhor interpretação - pela sutil austeridade daquele olhar que fala (um pouco como o Cinema em si: uma Imagem deve dizer quase tudo...) - está no trabalho Orgulho e Preconceito, em que ela foi magistralmente dirigida por Fassbínder.

Aproveito o ensejo para esclarecer que uma coluna como esta Crônica Cinematográfica, por mais precária que seja (é somente uma modesta contribuição cultural e pessoal), expõe filmes, intérpretes, diretores, não apenas que este ou aquele filme é bom ou mau. Por exemplo, enquanto dirigente cineclubista pude observar de perto vários sets de filmagem conhecer diretores como Truffaut, Vadim, Oliveira, atrizes como Vanessa Redgrave, Bardot, aí aprendi que uma atriz belíssima como Brigit Bardot foi descoberta por Vadim por ser isso mesmo, não por ser atriz... Eu não conheço Hanna Schigulla, estive quase-quase indo num set onde ela estava, mas uma reunião de ecologistas foi mais importante no momento. Na verdade, artistas como Redgrave e Schigulla, pela sua inteligência, incomodam os manda-chuva de Hollywood, onde as atrizes têm de ser Bob’s (bonitinhas e bobas)! Hoje, tal característica mudou um pouco pela adequação da estrutura produtiva hollywoodesca ao politicamente correto, o que já facilita algo... No entanto, ainda é difícil ver atrizes belas e inteligentes atuarem no Cinema. Meu amigo Marc Cédron, que é de uma raiz teuto-árabe, disse-me, apaixonado, que assistir ao trabalho de Hanna é admirar a Arte pura. Bom, basta assistir aos filmes para se comprovar esta tese do meu amigo.

  

 

"escorpião"

Procurando Acabar Com o Exército Brasileiro

O filme, se não me engano, foi intitulado Procurando O Escorpião Dourado. Tem como pano de fundo, no enredo, a Amazônia brasileira (falando-se muito em Manaus) e, pelo menos, um ator brasileiro bem conhecido das telenovelas em papel de destaque. O filme passou em Julho na televisão brasileira, mas eu já o "peguei" rodando lá pelo milésimo fotograma...

Filme de aventuras, insuspeito. Um trabalho à lá Spielberg para brasileiro ver e, ôba!, norte-americano rir. Pelo que entendi, uma co-podução Brasil-EUA. É aqui que está o busílis da questão: como se fossem três rambinhos, dois homens e uma mulher derrotam e põem abaixo uma guarnição inteira do Exército brasileiro na Amazônia. O conhecido ator brasileiro interpreta a figura de um coronel do Exército. Até hoje eu só tinha visto, no Cinema, os exércitos americano e israelita rirem de alemães e palestinos, nunca o Exército brasileiro sob o riso do Cinema norte-americano.

Eu não sou brasileiro, falo a Língua comum no âmbito da Cultura lusófona, mas fiquei indignado: primeiro, pela impossibilidade da ação para-militar apresentada/escrita no roteiro, segundo, porque um brasileiro (no caso o ator) diz não ao seu próprio país. E, convenhamos: ser nacionalista berrando pelo êxito futebolístico é algo irrisório, difícil é ser e defender uma Pátria!

Diante deste Procurando O Escorpião Dourado, deixo uma questão simples: os EUA alguma vez autorizariam a produção de um filme como este em seu território?

 

  

CARNE TRÊMULA

Acerca d’Amor Em Desespero

o filme

 

O mais fassbinderiano dos cineastas de hoje prova, em Carne Trêmula, que a Arte Cinematográfica, quando tratada como tal, é uma lição de Vida.

Nas entrelinhas do roteiro uma Espanha em dois tempos: a do Fascismo franquista e a da Democracia neo-liberal tão do gosto dos pseudo-socialistas. Uma história, igual a muitas que ocorrem em Madrid, que atravessa a Espanha do mêdo (Anos 70) e a da Liberdade (Anos 90): o Amor que chega, desesperado, no embalo de uma vingança tortuosamente concebida sobre a tragêdia de uma batida policial - e, esta, já embasada num triângulo amoroso mal esclarecido. Somente energia, nascimento e renascimento, drogas e sexo, paixões entre a violenta frustração e a alegria.

Pedro Almodóvar constrói um "cinema de autor" sob a base sólida da Arte em desenvolvimento nas plataformas Social e Política, mas sem deixar que ela fique engajada.

Depois de Mulheres à Beira de Um Ataque de Nervos, este Carne Trêmula coloca a Cinematografia novamente como ponte artística entre entre a Vida e o seu estudo sociológico: entre corpos no prazer pela busca desenfreada de um caminho (talvez) libertador da agonia cotidiana surge o burlesco felliniano e a fatalidade buñueliana unidas no fio cortante da sempre frágil marginalidade fassbinderiana. É o Cinema incorporando outras linguagens - uma ópera de emoções em imagens magistralmente concebidas por Almodóvar.

Nenhum cinéfilo fica indiferente à Arte almodovoriana, pois, ele é a Humanidade na sua circunstância. E, os seus filmes, incluindo Carne Trêmula, são peças do estudo do nosso viver!

 

 

CINATAL

As primeiras lições sobre Cinematografia que eu tive aconteceram há quase quarenta anos, sim, tinha eu cinco anos. "Vamos ver dois filmes, um com o Joselito e o outro com o Cantinflas" - e lá fui com meus tios, apaixonados e bons operadores de Fotografia e de Câmeras Super 8 e 16 mm. Véspera de Natal. "É o nosso presente, Jô" - disse um deles. Não me esqueço até hoje. Entrei no Cine-Teatro Gil Vicente, na cidade de Barcellos, norte de Portugal, e tive a minha estréia como espectador de Cinema. Foi um pacote de filmes, em velhas películas de celulóide - sim, aqueles filmes que volta e meia pegavam fogo! Hoje, as películas são de acetato e outros materiais. Vi um dos filmes com Joselito e uma boa parte do filme com Mário Moreno, o Cantinflas, que pegou fogo (por distração do projecionista, que o era nas horas vagas, pois, era barbeiro de ofício...) no início da quinta e penúltima bobine. Foi o meu cinema em natal ou, como disse um dos meus tios, o meu "cinatal". Um presente e tanto. A partir daí tornei-me Cinéfilo...

Passei tardes e tardes projetando filmes mudos de 8 e Super 8 mm, que os meus tios deixavam à minha disposição; com eles aprendi, também as técnicas básicas da Fotografia. Uma escola e tanto. Com meu pai, depois, entrei na Técnica Cinematográfica; e, por vasta e paciente leitura, em livros, revistas, filmes, e observação de sets de filmagem, conheci o Cinema - a imagem de um pensamento/história em milhares e milhares de fotogramas com ou sem fundo musical, com roteiro sujeito ou não a diálogos! Daqui a cineclubista de carteirinha foi um passo. Uma outra escola boa que tive foi a vivência cinematográfica como cineasta amador, em documentários e animações. Fiquei viciado em Cinema paralelamente aos meus estudos em Eletricidade Industrial e Comunicação Social. E foi o Cinema que me levou a entender e participar da Arte em geral. Pois é, aquele "cinatal" foi, relendo-o quase quarenta anos depois, o ponto de partida na minha formação cultural.

 

 

Brasil, Cinema & Cineclubismo

breve resenha

 

Foi em 1896, a 7 de Agosto, que realizou-se a primeira projeção de um Filme em território brasileiro. Aconteceu numa sala à Rua do Ouvidor, em São Paulo, sob patrocínio do paulista André Bourdelot. Iniciava-se a "arte da sala escura"... E logo surgiram os primeiros Cineastas locais com as maniveladas do português Aurélio da Paz dos Reis e do italiano Afonso Segreto: documentaristas sociais e paisagísticos.

A primeira Produção Cinematográfica Brasileira, já destinada às massas, foi "Rocca, Carletto e Pegotto Na Casa de Detenção" - de Pascoal Segreto, em 1906, tendo como trama os crimes daquela turma carioca. A título de curiosidade cinéfila, um dado mais: com mais de 100 Filmes realizados, o português Silvino Santos transformou Manaus em seu estúdio no início do Novecentos. Diga-se, então, que o Cinema Brasileiro iniciou-se com farta produção!

E o primeiro Cine-Clube (Cine Club ou Cineclube) Brasileiro foi organizado entre cariocas intelectuais - o Chaplin Club -, turma que deslocou-se a Sampa, em Abril de 1929, para assistir o primeiro Filme Sonoro aqui exibido.

A conhecida Semana de Arte Moderna - SAM 22 ajudou pouco, mais pela virtude de introduzir a discussão artística do que pela Manifestação Cinéfila propriamente dita - mas, ajudou...

Em menos de meio século de Atividade Cinematográfica, o Brasil conseguiu um produção invejável dando chance para o aparecimento do Cineclubismo e já em disseminação pelo país! Um feito cultural.

Entre os livros publicados sobre este assunto destaco "História do Cinema Brasileiro" (1990, de Fernão Ramos), "Introdução ao Cinema Brasileiro" (1959, de Alex Viani), "Cem Anos de Cinema Brasileiro" (1997, de Guido Bilharinho) e "A Experiência Brasileira no Cinema de Animação" (1978, de Antônio Moreno), entre outros.

Os brasileiros, porque as instituições oficiais não se interessam, continuam desconhecendo que O BRASIL PRODUZ CINEMA!... Ultimamente, a Iniciativa Privada, através da Lei do Mecenato, vem apoiando a Cinematografia no âmbito dos incentivos fiscais que tal ação lhe proporciona. O que é bom. Mas é ainda é pouco.

Os prêmios internacionais e as indicações que vêm recebendo os Filmes Brasileiros em vários festivais internacionais mostram-nos a pujança cinéfica que campeia por aqui. O que falta? Simplesmente incentivar, incentivar, incentivar... e deixar que os Cineclubes façam o seu papel de mediador cultural entre os cineastas e os cine-espetadores, particularmente entre o cine-espetador estudantil!

 

 

O Brasil Em Dois Tempos

No Mesmo Espaço

A leitura possível sobre o Ser-brasileiro pode ser feita através da Cinematografia da Geração’90. Escolhi dois filmes: "O Que É Isso, Companheiro?", de Bruno Barreto, e "Carlota Joaquina - Princesa do Brasil", de Carla Camurati. E, antes de mais, um alerta (talvez filosófico): espaço e tempo são conceitos somente inerentes à existência do Ser Humano em suas tendências para o próprio Sobre-Viver!... E adiante. No início era um D. João - o hilário rei luso, fruto da miserabilidade mental surgida com a entrega das riquezas de Portugal à pirataria com base na Inglaterra - e era a princesa Carlota Joaquina, ou, a política surrealista dos conquistadores que viraram conquistados. E depois, muitas gerações depois, é o Brasil já Nação amordaçada pelos mesmos laços colonialistas e subserviência aos Estados Unidos da América, seus satélites e seus opositores. Isto é: dois tempos históricos desenvolvidos no mesmo espaço.

No filme "O Que É Isso, Companheiro?" temos a linguagem corrente da filosofia da não-dependência, da vivência do Ser-brasileiro pela própria identidade e com os sinais psico-sociais da trama ideológica; e, em "Carlota Joaquina", eis-nos debruçados sobre nós mesmos contabilizando os efeitos da idiotice do Poder monárquico (= Poder eternizado pela Plutocracia civil e religiosa). Nos dois filmes a mesma linguagem de sinalização para um estética de opostos: o Brasil. O espaço concreto. A um tempo, a estupidez monárquica na sua loucura sanguinária pelo Poder promovendo a Linhagem familiar e não o Estado; e, noutro tempo, a continuidade da luta contra a mesma dependência cultivada na República pelas mesmas forças plutocráticas.

"O Que É Isso, Companheiro?", de Bruno Barreto, e "Carlota Joaquina", de Carla Camurati, são fruto do Pensamento já embasado no Ser-brasileiro culturalmente assumido. Um discurso e não uma plástica cinematograficamente trabalhada. São filmes que devem ser vistos pela virtude de comportarem a revelação histórica através da Arte. E, por outro lado, são também uma leitura possível do que foi e é o Brasil!