as casas da memória
a epopéia brasileira em cotia

Teatro de
joão barcellos

 

 

INTRODUÇÃO

 

 

A informação cultural sobre as raizes de cada Povo

é cada vez mais importante no contexto

globalizante (porque subtrai) da moderna Cidadania

imposta por uma Economia não embasada

na liberdade de cada Povo.

E desconhecer a raiz que somos/transportamos

é institucionalizar a Ignorância

como produto e até como conceito de Poder e de Estado.

 

AS CASAS DA MEMÓRIA é uma peça

que tem por fundo uma região importante no desenvolvimento

social do Ciclo Bandeirante: Cotia.

Uma peça que une Tempo e Espaço na vivência

de um instante socialmente histórico

surgido no Sítio do Mandú e no Sítio do Pe Ignácio,

ambos naquela região.

 

O Autor

 

 

 

Há um chão de terra batida.

Troncos de boa e compacta madeira

aguardam o início do restauro

da velha Casa Rural da época bandeirante.

Entre a madeira existe, ainda, restos das

janelas maciças e do alpendre. A umidade

levou a bela pintura que ornava o teto

da pequena Capela, um dos compartimentos

da Casa denominada Sítio do Mandú.

 

ALEX (artista plástico), AURÉLIO (escritor), CARLOS (professor), MARIA (professora) e MARTA (senhora de família tradicional), olham minuciosamente o que resta da Casa Rural erguida em meados do Século XVII no Sítio do Mandú.

Aos poucos, o grupo é invadido por uma energia telúrica que o dinamiza na busca da história local em meio a perturbação filosóficas que bailam no ambiente bucólico.

Por uma janela desnudada, ao fundo, entram raios de Sol que as tábuas de sustentação e precária preservação deixam passar como pequenos focos em palco de sombras.

Os cinco personagens

já estão em cena quando o pano

descobre o cenário e, lentamente,

mostra-os vasculhando o local.

Durante 30" ouve-se o som

de um piano solitário.

MARTA - (sentando-se num tronco e respirando fundo) Oh, que tempo aquele d’antanho! Que coisa (voltando-se para AURÉLIO, que baixara-se à sua D para pegar um pouco de terra). Há um Tempo que isto aqui virou pó, Aurélio. Eh, esse pó que você tem agora no olhar... sim, essa terra!, é o Tempo que passou. (levanta-se, esbelta, cincoentona em elegante saia-casaco) Sim, olhem vossos olhos: eles refletem o ambiente de uma Energia que saúde a todos.

ALEX - (vestindo um agasalho esportivo) Essa do pó é boa, ó Marta. Quando vivemos a magia da História (enquanto ele fala os outros continuam inspecionando os objetos da casa) transformamo-nos, de repente, no baú aberto daquilo que sempre ouvimos e guardamos no inconsciente...

AURÉLIO - (apoiando-se com um pé numa viga e sorrindo para MARTA; o paletó sobre os ombros) Ah, ah, ah, ah, deixa-me imterromper esse rosário de moço que fala pintando a virgem e que ao final descobre que ela não o era e corre queimando a tela!

CARLOS - (entre os objetos) Ôba, temos Arte!

AURÉLIO - (pulando de tábua em tábua) Bah!, vê se descobres nessa madeira o que a fez ser "de lei" (ironiza voltando-se para CARLOS, que veste camisa larga, calção e chinelos, à sua E)... Falemos sério, tá. (ele brinca com a terra que tem na palma da mão) Esta terra é "coisa" mas também é vestígio de um Tempo. Digo melhor: isto é a viva poesia da Humanidade perpetuada...

ALEX - (interrompendo, com ar pensativo) sim, que descobrimos ser tão perecível quanto o feijão. Eh, a Humanidade é como a Terra em pedaços, como esses grãos que você tem na mão, ou como esta casa velha (ergue as mãos, mostra-a aos outros girando sobre si mesmo) que se esfarela como a própria Humanidade!, embora esta se perpetue a cada geração através da Morte e do Nascimento.

MARIA - (que, havia sumido por instantes atrás de uma abertura sem que a tivessem visto, continua inspecionando o local sem deixar de prestar atenção à conversa) Eis o pó! (diz, mostrando a cabeça na abertura).

MARTA - Sempre e sempre o pó!

MARIA - (interessada na questão, retorno para junto do grupo; ajeitando a saia larga e leve, senta-se perto de MARTA) Tem razão, querida. Estamos todos vivendo algo diferente, aqui.

CARLOS - Viemos ao Sítio em busca de algo. É verdade. E respiramos, agora, a verdadeira História, não o ultraje que lemos em muitos manuais escolares. (leva o dedo indicador D aos lábios) Psíu... Ouçam, ouçam neste silêncio a Arte que fez o Brasil colonial. Ouçam...

Durante 30" e em crescendo,

ouve-se o som de um celo que se mistura

com o som das aves e do vento e do mar.

AURÉLIO - (dando um passo para trás e pondo a mão D no ombro de CARLOS) ...Ouçam!, eis-me nesta terra do meio do Mundo depois de ter subido a íngreme Serra que o Mar beija. (a voz grave inunda os gestos da mão E) Fiz-me ao Mar e eis-me agora na boca do Sertam. Rocei mato, cacei nativos, mas aprendi com os da Nação Carijó a sobreviver aqui, e aqui levantei a minha Casa-de-Senhor-do-Mundo com este barro apiloado (abre a mão E e deixa cair o pó, suavemente). Eis-me aqui, sertanista a serviço d’El-Rey e de Nosso Senhor Jesus Cristo, com a benção da imaculada Nossa Senhora de Monte Serrat.

MARTA - (ironizando a situação criada) Oh, vinde a mim brasileirinhos...!

Riem todos. A espirituosa senhora levanta-se e continua dirigindo-se, em estilo maternalmente manso, à personagem anterior...

MARTA - Senhor meu, fidalgo d’El-Rey, a vossa vocação de conquistador há de levar-nos ao Absoluto Poder nestas ignoradas paragens que os de cá dizem Koty. E nesta capina que os da Nação Carijó chamam de Caiapiã (hum, ontem bebi uma água com ervas daqui... e gostei!), bah!, dizia eu, haveréis senhor de honrar com a vossa presença as bandeiras da Conquista. Se lá tinhamos os mouros d’Allah, por cá temos os ignorados d’Ele e de Cristo, mas a batalha é a mesma: conquistar para e por um Portugal cada vez maior e renovado. Ah, e na castidade santa abençoada pelos nobres jesuitas serei vossa pelo aguardo da Vitória. (MARIA bate palmas e CARLOS solta uma risada, mas logo fazem silêncio diante de um gesto imperial da "dama") Sim, casta a vós, senhor meu, porém entregue à Vida que o corpo exige! (de novo os risos e as palmas)

CARLOS - (sentando-se numa pilha de madeira empoeirada) E viréis vós aos meus roçados de simples agricultor agraciado com Sesmaria, bem de Vida, buscar os víveres e as gentes que farão vossa Bandeira. Ora pois, fidalguinho d’água salgada!, se queréis o Poder ide cavar a Terra e deixai os nativos em paz, que já bastam os padres de todas as laias por aí na demanda dos ouros! Ah, e eu também. Também eu sou um Conquistador, tal como João Ramalho o foi pela Amizade e o Amor telúricos!

ALEX - Vejo este Novo Mundo como uma escultura da heróica ascensão da Humanidade sobre a Animalidade que ainda carregamos...

MARIA - (com espanto na voz) Ani-ma-li-da-de. Geeennntee?!

CARLOS - (gozando o instante) Ôba, mais uma virgem!

AURÉLIO - Coisas do nosso existir, queridinha. (olhando para MARIA) Na verdade, como animais em busca de Espaço, de Liberdade e também de Poder. Os nossos velhos fizeram-se ao Mar-de-Longo possuidos pelo charme dos ancestrais do Restelo e magia do Santo Graal - sim, é que eles teriam ouvido dizer em ecos de Jerusalém que o cálice estaria na terra-do-meio-Mundo. Ora, devem ter confundido a Atlântida com a Insulla Brazil que os povos célticos já haviam grafado em velhas cartas de marujar.

MARTA - (repetindo o espanto de MARIA) Mas, como a-ni-mais?... Como?!

AURÉLIO - Ora, Marta. Na vivência, que há pouco baixou em você, assistimos ao humano-em-estado-bruto: o Animal que vê somente o Sobre-Viver e nas carnes o Prazer d’Estar... em oposto sexo ou igual, quando não se comiam mesmo! Certo? É a isso que o Alex se refere. A conquista das Américas, que eles diziam ser as ïndias, foi feita por hordas fugindo da Ocidental Civilização já decadente pela ação das sanguinárias Cruzadas católicas e árabes. E o que foi isso? A expansão do Poder religioso em estratégia de pura conquista animalesca, o que aniquilou estruturas sociais e culturais aqui e na África. Eis a A-ni-ma-li-da-de...!

ALEX - (rindo e batendo palmas) Bravo! Bravo! Gente, oh minha gente!, ele acaba de fazer uma instalação artística com os materiais perecíveis no palco obscuro da Vida...

MARTA - (levanta-se e ergue as mãos na direção de CARLOS) Então vós, ó humilde lavrador, poeta-mano d’El-Rey Dom Diniz, fizeste a roda do Mundo em Caravela e em Nau e sois, ora, mais do que esses animais que se dizem Bandeirantes - esses, sim!, esses que prendem, matam, esfolam e fazem escravo o Povo Nativo desta Insulla Brazil. Vós sois o Homem-da-Terra, superior àqueles, pois estais aqui como cavaleiro do Progresso humano. Ah sim (súbito, volta-se para a platéia), como aquele Ramalho - o bravo João Ramalho que aculturou-se no sistema social dos nativos e fez disso a sua Bandeira: uma vera e legítima Bandeira. Fez-se Nativo. Foi, direi, O Primeiro Brasileiro! Casou com Bartira, filha de um cacique. Os outros não. Os outros, os ditos Bandeirantes, querem e fazem desta Insulla Brazil um outro Portugal no feudo do Vaticano. Mas vós, não. Vós sois a Poesia e o Amor, sois superior a essa desgraceira d’animais que matam, matam, matam...

O som de uma caixa de guerra

faz-se ouvir; tiros de canhão e gritos

enchem o ambiente

por 10’.

CARLOS - (ainda sob o som da histeria bélica) Sim, sou isso, senhora minha. E ficai sabendo mais uma coisinha: não sou Rei nem Poeta como Diniz, mas sou Senhor da Terra que partilho com os Outros (o som da caixa extingue-se e vai surgindo o de uma longinqua flauta), e sou Poeta por isso mesmo. Ora essa! Vive em Mim o Espírito do bravíssimo Ramalho!

ALEX - (pega um pedaço de madeira e ergue-a acima da cabeça, enquanto AURÉLIO tira o paletó dos ombros; no instante ouve-se de novo a caixa de guerra, forte, que vai perdendo volume logo no início da fala do personagem...) Ergo esta minha Espada em nome do Cristo, d’El-Rey e do Papa que nos guia. Sou cavaleiro dos valores que em Jerusalém foram esculpidos e uniram os bons da Humanidade. Eu sou a Cruzada cristã contra os infiéis Mouros que servem Allah, e também contra esses indígenas que nem de Deus tomam conhecimento. Coitados, pobres coitados. Eu sou um Bandeirantes de Deus, como Nóbrega e como Anchieta o foram, e desbravo estes sertões. Sabei, senhora minha (dirige o olhar para MARTA), sou como El-Rey Dom Afondo Henriques que fez Portugal sobre a morte dos Mouros e na exaltação dos sangues Celta, Romano, Grego, Godo, Lusitano e outros: os sangues de Portugal que correm em nossas veias, senhora minha!... Ah, um amigo meu uniu esforços para erguer uma Capela na Aldeia Koty, dos Carijós, aqui mesmo no Caiapiã... Foi o Fernão, sobrinho do velho Fernão Dias Paes que fundou Embu, e o fez em honra de Nossa Senhora do Monte Serrat porque era beneditino. É que às vezes o Português até se confunde com o Castelhano. E por tudo isso, esta Koty, que o alemão Hans Staden chamava de Acutia por semelhança com a aldeia que encontrou lá em Desterro, já não é nem pagã nem carijó: é terra d’El-Rey de Portugal e do Algarves sob a Cruz de Cristo (extingue-se por completo o som da caixa).

MARIA - E sois quem, meu nobre cavaleiro?

CARLOS - (interferindo na conversa) Pelo que eu ouvi há dias lá no Sertam Itapecericano, na Casa do Moinho (essa que o Povo aprendeu a chamar de Sítio do Padre Ignácio), e ainda ontem me confirmaram aqui, neste Sertam Carapocuybano - ah, aqui mesmo, neste Sítio do Mandú onde os Carijós vigiavam nossos passos e urdiam as suas defesas... hum, vós sois o destemido amigo do sobrinho fazedor d’Embu, andais com Fernão Dias Paes, quele que está pensando na busca das Esmeraldas...

ALEX - Muito bem, meu bom lavrador. Também já percorri estes caminhos. E nesta banda carapocuybana que é a do velho caminho para o Peabiru (a rota do Ouro que levou os Jesuitas, mateiros e Bandeirantes até Guaiará), estou a pensar... v^de bem, ó bom lavrador, estou a pensar em ir também no rastro daquelas coisinhas verdes!

CARLOS - (sorrindo) E esperais o meu apoio, pois!

ALEX - Vossa senhoria tem razão. Sois ou não um homem temente a Deus?

CARLOS - E ele, o Deus, como existe ele?!

ALEX - Olhai esta Espada (ergue a madeira bem alto). Ela é o simbolo do Poder Eterno que brilha neste instante e neste novo Portugal. Eis como o nosso Deus, Nosso Senhor, existe e está em Nós!

MARIA - (levanta-se, pega e examina a "espada", em P para a platéia e de F para ALEX) Hum, uma Espada. Nesse vosso Reino de fantasias, ó meu nobre cavaleiro, esqueceis que também aqueles a que chamais de Infiéis, sejam eles Árabes, Africanos ou Nativos d’América, rezam a mesma ladaínha e vão à luta?... Então, que Deus é esse?

Bravo, excitadíssimo, o "cavaleiro"

tira a "espada" das mãos de MARIA

e ergue-a novamente

acima da cabeça. Ao finalizar este gesto

ouve-se uma súbita trompeta

como que anunciando algum

apocalipse...

ALEX - Oh, heresia! Oh, heresia! Como uma Dama d’El-Rey pode ousar falar dessa maneira?! Que estais a fazer aqui, senhora minha? Sois digna da fogueira do Santo Ofício...!

MARTA - Que horror! (levanta-se e abraça a cintura de Maria)

ALEX - (em surdina ouve-se novamente a Caixa) A fogueira é o vosso Destino. Vós sois o pecado neste Novo Mundo que conquistaste para a Civilização.

MARIA - (colérica, avança um passo na F de ALEX) Se o que dizéis é Deus ele é o Todo, não precisa de conquistas. Ora, que o fogo da vossa fogueira pseudo-religiosa vos aqueça o rabo. Sois um pobre Diabo. Blasfemais sobre a Terra que vos é chão...!

AURÉLIO - Bravo! Mui bem dito, querida. Esse boneco aí mais parece um Dom Quixote que sonhou moinhos em bananeiras sob a paisagem do vôo dos papagaios... Ai, ah, ah, coitado. Pobre coitado. Os padres de Portugal devem estar a querer agora erguer alguma basílica e precisam de ouro, muito ouro, que lhes pode chegar como doação d’El-Rey a Deus... (beijando a mão de MARIA, cortez) Muito bem, querida. Esquecem que o Mundo Humano está muito além da História: que nós, a-ni-mais..., aprendemos a pensar todos os dias e fazemos deste chão, que é a Terra, um berço que se renova e em que a História só é importante sob a dinâmica desse Pensamento. Os a-ni-mais, como ess’aí (altivo, aponta seu rosto para o de ALEX), pararam sob o jugo do Absolutismo feudal, e nem souberam do amor de um tal de João Ramalho - ora, desconhecem, por isso, a Terra como Casa de e para todos!

MARIA - (dobrando levemente os joelhos) Agradeço-vos o apoio, meu nobre e querido cavalheiro.

Imbuidos das correntes e contra-correntes dos finais do Séc. XVI, cinco visitantes dos finais do Séc. XX vêem-se numa encruzilhada filosófica porque Mística e Mítica, com leitura comparada na Quotidianeidade das suas próprias vidas. Entre a Cultura geral de todos e os fatos passados quatro séculos antes sob outra Cultura paira um ambiente intelectual sitiado, talvez que sempre igual ao Brasil de Ontem e de Hoje porque a Filosofia o é no Agora que reflete o Amanhã.

E ginga no espaço o som de uma guitarra portuguesa em louvor da Filosofia, da Fidalguia, da Alma universal...

AURÉLIO - (levas as mãos à cabeça enfiando os dedos nos cabelos) Não, não sou um profeta da desgraça mas pressinto a Morte no querer hediondo que leva à práxis do Poder bestializado - e esse (olha para ALEX e para CARLOS), caros personagens bandeirantes ou lá o que sois!, tem vertentes tão peculiares que uns confundem o simples exercício da Cidadania e da Aventura com o Poder do momento; e por isso temos religiões e igrejas a dar c’um pau, além de reis e presidentes e padres que se auto-intitulam "em permanente serviço a Deus"!

MARTA - (riscando um fósforo na lixa da pequena caixa) Eh, esgota-se e confirma-se em si mesma a Linguagem do Poder que não ousa o Diálogo com os Simples!

ALEX - (indo à boca de cena, senta-se com as pernas cruzadas assumindo o Bandeirante) Sois, deixai-me dizer-vos, cães cagões. Ides no toque do mais forte... Neste chão de barro em que me sento, rodeado por paredes de taipa de pilão, nuas e fortes como a Vida que se respira nesta campina do Caiapiã, vos digo: (fala com gestos largos de mãos) A Utopia de uma Humanidade livre só existe na essência das conquistas, por isso, uns poucos são livres, pois têm o Poder na ponta da espada para glória d’El-Rey e Deus Nosso Senhor!

AURÉLIO - Estais sentado, ó cavaleiro, sobre o finzinho da Linha de Tordesilhas...

ALEX - Ah, e desta glória não abro mão. Podeis escrever em vossos pergaminhos, ó digno bacharel: neste chão de barro em que me sento, e irmanado na força destas paredes (com a mão D faz um gesto largo, indicando-as), inicio a Cruzada por Portugal e me vou Sertam adentro destruindo essa Linha. E outros como eu, sim, lembrai-vos do nobre e valente Raposo Tavares, irão mais longe - sim, farão uma nova Pátria neste chão que esconde e protege o Santo Graal!

MARIA - Oh, nobre cavaleiro! Que valente sois vós! Alguém haverá por bem lembrar, lá no futuro que há de vir, que por aqui passaste o traseiro na Linha abençoada de Tordesilhas! Mas que ousadia...

MARTA - (com solenidade na voz, interrompe) E casas como a do Padre Ignácio, lá no sertam itapecericano, e esta do Mandú, nesta campina do sertam carapocuybano, serão tidas como Casas da Memória!

Vindo de longe, som da caixa de guerra desperta o "bandeirante" em ALEX. Eufôrico, ele levanta-se, pega novamente no pedaço de madeira e ergue-o tal qual uma Espada.

ALEX - Vêde, ó vós, reles mortais. Essas Casas da Memória lembrarão quem? Ora, Os Bandeirantes e a coragem única que os fez simbolos do Império de Deus sobre estas Terra!

MARIA - (súbita, como lembrando-se de algo) Ah, vejam só: viemos ao Sítio do Mandú para vermos uma Casa Rural e saber como preservar a sua História, que é Arquitetura e é Cultura. Ufa, viajamos no Tempo...

CARLOS - É verdade, gente. Estabelecemos um Diálogo com o Tempo histórico no sempre feêrico corte do Espaço. Mas (olha para a Platéia, decidido), teremos nós forças para preservar e dinamizar essas Casas? Sim, eles - Os Bandeirantes, sertanistas e padres - tiveram forças para as construir e iniciar aqui, abençoando as telhas de barro moldadas nas coxas das escravas negras, o grande continente da Língua portuguesa. E nós? E nós?

MARTA - (estende os braços para a Platéia) Eh, nós e vocês, vamos todos viver a nossa História aprendendo a preservá-la na raiz!...

Alto, imponente, o som da caixa de guerra faz-se presente enquanto atores e atrizes imobilizam-se. Durante 10" o som domina a cena. Aos poucos, a luz ambiente do Palco desaparece.

Desce o Pano.