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SEXO
No Poder Colonial
Por
João Barcellos
1
e o mundo é maior
cruzada de sangues
povos mutantes
sexos em arraial maior
o império agonizante
é força maior
Do sexo e do social
A tradição do Poder familiar levou ao cruzamento de linhagens para fortalecer Clãs, uma práxis socio-sexual tornada política de interesses desde que a Humanidade se entende como Raça superior e dividida entre chefes e servos, Povos fortes e Povos periféricos.
Quando um Povo cercava e dominava outro Povo o saque era verdadeira libertinagem, mas, o troféu maior do conquistador estava em disseminar o seu sêmen no estupro emocional da vitória também, era a vergonha maior do Povo dominado porque impotente para defender a Matriz da sua Linhagem tribal ou nacional. As culturas celta, greco-romana e árabe, por ex., dominaram o mundo e estão no mundo até hoje porque o Sexo foi a arma mais poderosa utilizada no reforço do Poder imperial de césares e reis, como de clãs ocidentais e orientais.
Também o Reino de Portugal fundou-se no cruzamento de linhagens aristocráticas medievais européias, em meio à existência do celta, do lusitano, do árabe, do grego e do romano, entre outros povos que viviam no Condado Portucalense uma miscigenização espantosa que originou o Português dos brandos costumes mas, no entanto, de apetência expansionista porque a conquista lhe fervia no sangue de tantos guerreiros e mercadores!
A aventura marítima dos português, iniciada do Século 15, transformou o pequeno país no filho predileto do Vaticano imperial e na maior potência colonial da época.
2
amplidão de mercados
mar-de-longo
caravelas e assombro
escravos
pimenta e ouro
negreiros e cravos
Do apoio internacional
A guerra comercial entre as repúblicas italianas, principalmente entre Florença e Veneza, levou os poderosos clãs locais a financiar, junto com os banqueiros judeus sediados em Antuérpia, e depois com os cristãos-novos, uma grande parte do projeto marítimo de Portugal, que já contava com a herança fabulosa da destituida Ordem do Templo (transformada em Ordem de Cristo, e tendo o infante Dom Henrique como chefe-geral sob designação do Vaticano: sob o pavilhão da Ordem de Cristo a cruz de malta a Insulla Brasil foi tomada para a Coroa portuguesa). Todos queriam ter participação na passagem marítima para a Índia e acabar, sobretudo, acabar com o monopólio mercantil das especiarias que estava nas mãos dos turcos. Foram, pois, de grande importância, as iniciativas financeiras de instituições e de clãs na odisséia marítima de portugueses e de castelhanos. Mas coube a Portugal a descoberta da rota que levou a Europa às terras orientais e, a meio caminho, tomar posse da Insulla Brasil, mesmo tendo o castelhano Pinzón aportado primeiro em suas costas... Mas, aportou em terras já destinadas a Portugal em função da diplomacia registrada no Tratado de Tordesilhas e foi, à luz dessa diplomacia, que a Insulla Brasil foi tornada território português e da Ordem de Cristo!
3
e como são lindas as mulheres
que na floresta estão
oh farta paixão
graciosa procela de quereres
liberdade e sensação
outros poderes
Do reconhecimento do continente
Quando o português Pedro Álvares Cabral chegou à costa bahiana da Insulla Brasil, com indicações técnicas de Vasco da Gama, já Pinzón passára pela costa cearense. Franceses, holandeses, germânicos, portugueses, castelhanos, fiorentinos, genoveses, etc e etc, começaram a costear o grande continente no âmbito do trâfico do pau-brasil e de escravos, mas os portugueses sabiam que o Tratado de Tordesilhas lhes limitava a marinhagem entre a costa norte e a costa sudeste, como a espedição de Gonçalo Coelho, na qual estava Américo Vespúcio, veio a reconhecer no ano três do Século 16; e só depois deste reconhecimento veio a expedição de Martim Afonso para tomar o Rio da Prata. Os portugueses sabiam, primeiro, da existência de um continente ao qual chamavam ilha em diplomacia de ocultação, segundo, com a posse do território em 1500 descobriram outro arraial social.
4
ai e eis o paraíso diante de mim
entre a luxúria do prazer
todo o poder
de costa a costa em novo bargantim
que formoso este poder
cacique entre sexos na ilha jardim
Do poder pelo sexo
Entre os vários náufragos e degredados que fizeram arraial na Insulla Brasil deve registrar-se o que chamo de os os três guerreiros dos trôpicos, a saber: João Ramalho, na serra paulista, Diogo Álvares Correia (o Caramuru), na costa bahiana e Cosme Fernandes Pessoa (o Bacharel de Cananéia), na costa paulista.
João, Diogo e Cosme, não apenas tornaram-se nativos como souberam (tornando-se esposos e amantes das filhas dos principais mandatários dos Povos da Floresta) inserir-se nas comunidades e, social e sexualmente, chegar ao Poder tribal. Os três obtiveram os favores de chefes guerreiros e de caciques e logo tiveram ao seu dispôs as suas filhas e, delas, muitos filhos. Foram tão astutos, porque a ousadia por si só não lhes garantiria a sobrevivência, que se intrometeram na administração política das contendas entre tribos inimigas, negociaram a prisão e venda de nativos como escravos; e, no caso de Bacharel de Cananéia, o domínio territorial estendeu-se de Cananéia a Laguna com poderes de mando absoluto que nem o rei de Portugal poderia impôr ali!
Desta miscigenização estabeleceu-se, não oficialmente, a primeira linhagem luso-brasileira que veio a abrir caminhos importantes para a Colonização floresta adentro.
Martim Afonso conheceu alguns dos históricos figurões desta página quase oculta da História luso-brasileira. Por eles, e principalmente pelo Bacharel de Cananéia, poderia ter chegado ao Povo Inca o lendário eldorado mas não era nem tão ousado nem tão político, por isso, a sua expedição para a tomada do Rio da Prata foi um fiasco.
A importância do Sexo na Colonização efetuada por aqueles ousados portugueses tinha muito a ver com a impossibilidade bélica de chegar ao Poder tribal: só o Sexo, particularmente o procriativo, inseríu-os socialmente entre os Povos da Floresta. Aprendida a língua e os costumes, aqueles homens brancos tornaram-se figuras de referência política entre os nativos. E, para um chefe nativo, ter a linhagem aumentada por netos gerados nas filhas pela relação com guerreiros destemidos vindos do mar-de-longo era, talvez, como abrir a tribo para um futuro glorioso... Este comportamento tribal, que Colombo também encontrou em ilhas sul-americanas, permitíu a disseminação do sangue português neste solo aliás, como já o fizera em solo africano; com a chegada dos navios negreiros a linhagem luso-afro-brasileira fez da região um continente multi-racial.
O rei português Dom João II indicára a Colombo a existência de um continente a Oeste das ilhas caboverdianas, o genovês engolíu a isca e fez-se ao mar com apoio de Castela... Já com Dom Manoel no trono, Portugal conquistava a rota do Este a caminho da Índia; como Dom Manoel não se interessou pela Insulla Brasil nem como porto seguro para descanso e abastecimento, arrendou o território a cistãos-novos (mercadores ricos como Fernando de Noronha) que, rapidamente, desenvolveram meios de comércio em meio aos interesses peculiares de franceses e holandeses. A terra dos brasileiros (carregadores de pau-brasil) foi, durante as primeiras décadas do Quinhentos, uma ilha de ninguém onde só os ousados e os favorecidos sexualmente pelos Povos da Floresta tiveram vez.
Se as experiências sociais e políticas de João, Diogo e Cosme, entre outros, foram um sucesso individual de norte a sul, o Brasil arrendado gerou outro ciclo de penetração e, logo, colonização e povoamento eliminaram o Tratado de Tordesilhas depois, com a formação das Bandeiras paulistas, os Povos da Floresta foram cercados, escravizados e trucidados, com a benção do Vaticano. Em meio a esta ação, de novo e sempre, o Sexo como arma fundamental de dominação na conquista.
Portugal repetia na Insulla Brasil a saga multi-racial que lhe dera origem: socio-sexualmente e sempre com a ajuda das armas, como no caso das Bandeiras e da Escravatura, nascia o outro Portugal além do Equador. Desta multidão racial fez-se o Brasil!
5
Concluindo
A miscigenização socio-sexual entre portugueses, africanos e sul-americanos, ajudou (a outra ajuda foi a catequese católica dos jesuitas...) a destruir a Língua Tupi-Guarani e a impôr a Língua portuguesa hoje, elo da unidade federativa do Brasil e, não fosse isso, teríamos um Brasil português, um castelhano, um francês e um holandês.
Por um lado, o desprezo de Dom Manoel (contrariando a sabedoria de Dom João II) em relação à Insulla Brasil contribuíu para um desenvolvimento anacrônico regional, por outro, a miscigenização gradativa possibilitou uma colonização cuja circunstância peculiar determinou o esquecimento da Insulla Brasil por muito tempo.
Aqui está a importância do Sexo na práxis colonial, em geral, e do português, em particular. Esta ação levou à branqueação da Sociedade como um todo no que ao eixo urbano diz respeito. Tanto foi assim que a Cultura africana desenvolvida pelos escravos no Brasil assimilou a Cultura católica, primeiro como véu de resistência, depois, como novo comportamento social!
O Sexo foi, é e será, a alavanca do Poder privado e público.
Brasil, 1500
(* João Barcellos escritor e consultor cultural, é autor dos livros Morgado de Matheus, De Costa a Costa Com a Casa Às Costas e Exuberância e Folia No Mar-De-Longo, entre outros.)
Atualizado em 18 September, 2000