JOÃO BARCELLOS

do Escritor e do Editor com Preocupações Educacionais

 

Entrevistado por Carlos Firmino

em Janeiro 2000

 

 

 

Conversar com intelectuais viajados, como o português João Barcellos,

cuja atividade lítero-cultural estende-se pelo Brasil

mas com base na Vargem Grande Paulista e em Cotia, cidades de São Paulo,

é viajar por opiniões diversas.

 

 

 

JOÃO BARCELLOS - É a tua primeira entrevista como jornalista diplomado, nê?

 

CARLOS FIRMINO - Exatamente. Mas, quem faz a perguntas sou eu. Tá?... E vamos lá. Desde quando você se interessa pela história da luso-brasilidade. Existe mesmo Lusofonia, ou o Acordo Ortográfico é uma farsa?

 

JB- Desde que, garoto ainda, li 'A Selva', do Ferreira de Castro.

 

CF- Qual foi a impressão?

 

JB- Até hoje, para mim, o melhor livro do Realismo sobre o Brasil. É que o Ferreira de Castro esteve na Amazônia como emigrante e viveu o Ciclo da Borracha na pele e sentiu a verdadeira dimensão do ser português no âmbito das relações mercantis do e com o Brasil, condições que persistem até hoje no inconsciente da grande maioria dos que compõem a Diáspora. No início dos Anos 90 escrevi 'O Outro Portugal', romance muito acessado na Cotianet, no qual estabeleço a ligação intelectual nesse quadro sociocultural através de uma relação com as obras de Francisco Igreja, Cunha de Leiradella e Dalila Teles Veras, portugueses do Rio, Belo Horizonte e São Paulo, respectivamente, além de outros. Ou seja: Luso-Brasilidade mesmo existe no âmbito histórico e psicológico, enquanto a Lusofonia é uma falsa questão e só funciona como neo-colonialismo intelectual no âmbito daquele saudosismo grotesco... tanto que o Governo português desconhece praticamente a atividade artístico-intelectual dos portugueses que, em Cultura, vivem no Brasil! Dentro desta perspectiva o Acordo Ortográfico foi e é uma farsa, uma questão tipicamente mercantil e diplomática que nada tem a ver com a Cultura de cada Povo que tem a Língua portuguesa como veículo oficial, pois, cada um tem a sua Raiz sociocultural. E, ainda hoje, ler 'A Selva' é ler a atualidade neo-colonial do pensamento que grassa no que resta da Diáspora geral fixada no Brasil.

 

CF- Você começou a sua carreira no Jornalismo e na Literatura aliando técnicas de escrita, de comunicação. Como foi?

 

JB- Eu passava as minhas férias escolares com os meus avós, ou fazendo campismo com a turma, e lia e lia, escrevia e escrevia. Entre outras coisas do prazer, claro. Nesse ler e ler apaixonei-me pelos contos do Sá-Carneiro e os romances do Hemingway, a poesia do Pessoa... no caso do Camões só o lírico, que o da epopéia é o escrivão da Corte, por isso alçado a pavilhão cultural nacional! Adiante. Um dia li trechos de Rosalía de Castro e de Joyce em meio a reuniões sobre a Cultura Minho-Galaica, primeiro em Vigo, depois em Braga e, por último, em Santiago de Compostela. Olha, meu caro, foi como estar à beira do abismo e buscar uma saída: se em Sá-Carneiro e Pessoa soube dos limites da emoção, e em Hemingway o prazer do cotidiano, com Joyce soube da reconstrução da palavra como metalinguagem, a par da leveza sutil e ao mesmo tempo rebelde de Rosalía. Ah, e em Santiago de Compostela (isso foi no início dos Anos 70) li um opúsculo intitulado 'A Derrubada', do brasileiro Baptista Cepellos – um hino poético bonito mas incompreendido por muitos... e, nos Anos 80, visitei Cotia, no Brasil!

 

CF- Onde fundou o Grupo Granja...

 

JB- Isso foi em 1996. Fui convidado pela pedagoga e artista plástica Tereza de Oliveira, que morreu em Paris, no natal de 98. No início era ela, eu e a física Joane d'Almeida y Piñon, depois veio o ecólogo e psiquiatra Marc Cédron, que reside em Viena, na Áustria, e o Mário Castro, fotojornalista e professor e serígrafo, que conheci através da esposa, para quem escrevi os prefácios dos seus dois livros de poesia. Ah, e o Mário é de Vargem Grande Paulista, aqui perto de Cotia, embora resida no Rio de Janeiro...

 

CF- Mas é um grupo disperso?!

 

JB- Olha a exclamação... Meu caro Firmino, hoje não existe grupo disperso. Temos o Fax, temos o E-Mail e já tínhamos o Telefone. Só está disperso ou isolado quem quer. O Grupo Granja é um núcleo informal que discute idéias, particularmente Educação e Cultura. É a Cidadania interativa. Acaba de ser editado 'Amor', um livro de poemas com tiragem limitada, com painéis escritos na distância que não o é...! Cada um de nós escrevendo no rastro do outro...

 

CF- Como foi a sua inserção, primeiro no Rio de Janeiro, e depois em São Paulo?

 

JB- O Rio é o que chamo de 'bar cultural' onde só não se engaja quem não tem cultura, criatividade, ou é racista, o que escrevi no livro 'Estórias Poéticas' editado pelo saudoso Francisco Igreja. No caso de São Paulo é diferente, é a emoção da realidade concreta – como escrevi no poemeto 'Um Luso Na Ilha De Sampa' editado pela Edicon – por causa das distâncias quase continentais que separam um encontro de outro, mas não as idéias. Também, onde o umbigo é mais idolatrado em função daquele bandeirismo recalcado que faz de cada político um coronel ou um juiz-de-fora... Mas só soube melhor desta realidade concreta quando resolvi pesquisar a história sociocultural do Brasil a partir de núcleos como Cotia e figuras como o Morgado de Matheus. Nesta tarefa, e já como Coodenador Municipal da Imprensa, e depois da Cultura, na Prefeitura de Cotia, reeditei "A Derrubada', aquele livro primeiro de Baptista Cepellos – o que até hoje ninguém entendeu...

 

CF- Começava aí o seu esforço pessoal?

 

JB- Sim. Em 91 conheci o Waldemar Paioli. Com ele e a Wilma Frossard idealizamos o semanário Treze Listras, ao qual juntaram-se depois a Varda e o Dov Kruman. Foram quase dois anos de experiências em puro jornalismo cultural. Uma revolução. Mas, foi aí que descobri que ninguém quer saber da História do Brasil e muito menos a partir dos núcleos municipais... é como considerar verdadeira a estória que faz da mula de D. Pedro um puro sangue lusitano e do berro intestinal o grito libertário.... A minha colaboração com quase todos os jornais que foram aparecendo na região foi parte de uma estratégia pessoal para levar à Comunidade a mensagem da Cidadania Interativa, fazendo-a agir criticamente pela construção de um Municipalismo verdadeiro, combater os comportamentos estúpidos da política eleitoreira que faz da Educação palanque permanente, ou faz da Cultura mero serviço de eventos polítiqueiros e, no meio, tudo servindo como cabide de emprego para cabos eleitorais... Acho que quando o Intelectual age na Comunidade esta, de alguma forma, assimila outros caminhos. Quis mostrar que Cotia poderia ter em Caucaia do Alto um distrito ecológico-turístico com apoios internacionais, que os Sítios Históricos (o Padre Ignácio e o Mandú) poderiam ser ligados aos de Embu e São Roque para um corredor cultural, daí escrevi a História de Cotia – um livro geral, outro sobre as questões relacionadas à raiz carijó do nome Koty e, por último, uma sinopse para todos os jovens com desenhos do Ricardo Feher – sempre tendo o Brasil como abrangência. Entretanto, com o fim do Treze Listras, e sempre escrevendo no Gazeta de Cotia e no Letras Fluminenses, ingressei na idéia de editar um jornal técnico-educativo nacional com o Dov e o Claudilei de Sousa, e demos à luz O Serigráfico, que hoje é um êxito editorial na Imprensa Setorial. Em meio a isto, com o Afonso e a Cristina Oca, aprontei uma página na Cotianet muito acessada nacional e internacionalmente, além de duas edições do Jornal d'Artes...

 

CF- Como foi ser Coordenador Municipal da Cultura?

 

JB- Ah, vivi a Utopia... É verdade. Foi a primeira vez que na região um intelectual ocupou tal cargo. Para os políticos, em geral, foi engraçado. E eu ria e chorava com isso, porque quando eu falava em projeto cultural e participação empresarial logo alguém imaginava lucro financeiro ou votos! Mas consegui uma Lei Municipal de Incentivos, logo engavetada por motivos óbvios quando viram o que ela significava, e o projeto de Centro Cultural Cotia, até hoje engavetado... não interessa uma população ilustrada... Apesar das dificuldades, e com ajuda dos empresários, fizemos da Cultura uma ação para a reciclagem pedagógica do Professorado Municipal, criamos a Biblioteca Zeneca de Incentivo ao Professorado (desativada em 98 pela estúpida ignorância de quem dirige a Educação e a Cultura e a ação obsoleta do Conselho Municipal da Educação), estabelecemos dezenas de encontros artísticos entre outras municipalidades, palestras e exposições, etc e etc.

 

CF- Daí que a sua escrita é mais virada para o Jornalismo Cultural e Educacional?

 

JB- Sempre foi... Desde que foi publicado 'Cinéfilo', ainda na Europa, um livro de poemas que escrevi como apaixonado pela Cinematografia e como Cineclubista, a minha escrita tem essa engenharia plástica: escrevendo sobre políticos ou fatos técnicos, educacionais, etc, eu o faço como se estivesse a escrever um romance, um conto, um poema. Bom, e a Sociedade ainda tem muito medo do Jornalismo Cultural, porque ele disseca qualquer assunto. O fato da notícia em si não me interessa, só me interessa se envolve o todo que a gerou.

 

CF- Mas você escreve muito sobre Educação, seja na Gazeta de Cotia seja Cotianet ou no Jornal Revista (da Granja Viana) e no Linguagem Viva (de São Paulo)... Aliás, as suas palestras sobre Os Celtas, sobre Pedagogia Aberta e sobre Mário Schenberg são disso um espelho, creio.

 

JB- É verdade. É um tema apaixonante e uma forma de se combater os abusos anti-pedagógicos que fazem com que, por exemplo, instituições de educação especial deixem de o ser transformando-se em obras de caridade, porque deixam de contratar docentes especializados em favor da ação falsamente socializante da dita educação-que-inclui, mas... não integra! Ou como a Municipalização do Ensino que veio para não tratar da Educação Inserida Na Raiz Cultural Do Aluno e sim com uma base de parâmetros nacionais que distorcem a realidade social e, ainda, permitem o abuso eleitoral. Na verdade, o Jornalismo Cultural pôe o Cidadão Comum como Observador privilegiado do Sistema como um todo. É disto que os falsos políticos têm medo e a dita 'grande' Imprensa não trata. Tinham medo do Mário Schenberg porque ele utilizava esta escrita... Eh, li os textos dele alguns meses depois da sua morte, em 90, e gostei. Era uma espécie de Mário Quintana, ou de Pessoa, das ciências: na sua escrita estava inserida a idéia holística do Cosmo.

 

CF- O que faz você continuar por aqui?

 

JB- Ora, o Brasil! Acho que só o brasileiro desconhece que o Brasil é o melhor país do mundo! Bom, também porque O Serigráfico é um projeto que se renova editorialmente e o Grupo Granja mantém-me plug@do (isso mesmo, com aquele arroba no meio), eh, mantém-me plug@do no mundo. De resto, sou poeta: só preciso de amor para viver, e isso eu tenho. E quanto a ti, Carlos Firmino, sê bem-vindo ao mundo fantástico do Jornalismo Cultural!

 

CF- Obrigado.

 

(João Barcellos me estendeu a mão sugerindo leituras e cedendo textos próprios para os meus afazeres acadêmicos. Prometi a mim mesmo que pagaria tão grande generosidade com a minha primeira entrevista como Jornalista 'de carteirinha', embora ele prefira os 'da praça'. Espero ter deslocado da sombra o editor João Barcellos e mostrado a sua personalidade abrangente. Os textos de JB podem ser encontrados no site www.cotianet.com.br/joao_barcellos)