Som & Poesia

 

oficina da palavra

 

Orientação do escritor João Barcellos

Espaço Mizar Cristal Cotia/SP, 1998

 

  

 

INTRODUÇÃO

 

O escritor e consultor cultural João Barcellos orientou, no Espaço Mizar Cristal, o evento Som & Poesia, do qual participaram

 

 

 

na parte musical:

 

 

Cristina Onove e Miriam Onove

c/ peças para piano a 4 mãos

Murilo Vieira e Arthur Wieczorek

c/ peças solo

 

(todos membros da "Opus XX - Ensino Livre de Música")

 

 

 

na parte literária:

 

 

Aparecida Manoela Costa

Georges Ohnet

Berenice Alves

Marluci Vaz

João Barcellos

Valdina de Souza (Walda)

 

 

 

Entre comentários construtivos sobre os textos produzidos foi feita uma experiência: sob o som de peças de música clássica e peças improvisadas, os Fazedores de Poesia produziram as suas sensações escritas, estabelecendo paralelos e combinações com o que ouviram.

 

 

 

 

 

Alguns dos poemas comentados:

 

 

 

 

 

 

TRISTEZA

Berenice Alves

 

 

Talvez passe a tristeza

Mas é certa a lembrança

A carícia, o afeto, a carência.

Tudo. Maior a tristeza

Eu digo agora,

nesta hora, neste momento.

Quem habita meus espaços

Sempre será a sua lembrança,

Por mais que passe a tristeza,

Por mais longe que vá a carência!

 

 

 

 

 

 

AMO VOCÊ

Aparecida Manoela Costa

 

 

Amo você,

o seu jeito de me tocar.

Amo o seu cheiro, o seu perfume.

Quero teu corpo, tua boca.

Sentir teus lábios

e o ar que respiras.

É assim que amo você...

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

QUASE UM JARDIM

Marluci Vaz

 

 

 

Junto à parede,

hirta,

a hera.

Nun verde aflito

de primavera.

 

 

Esguia,

colada ao muro.

Tons claros e escuros

de vegetal.

 

 

Úmida,

apegada ao musgo,

limitada ao muro.

Sempre podada...

 

 

Raízes ásperas

presas às pedras,

buscando

mínimos raios de sol.

 

 

Junto à parede,

hirta,

a hera.

Num verde aflito

de primavera.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

MUNDO

João Barcellos

 

 

Ai, o mundo em que vivemos

está perdido. É o que é

pelo que vale... um vale

de lágrimas!

 

Cristais d’almas

perdidas em vale

poluído. E este é

o mundo em que vivemos!

 

 

 

 

PÁGINA EM BRANCO

Georges Ohnet

 

 

Você é página em branco

no livro de minha vida...

Encheu-me a existência de pranto,

traçou-me sina dolorida!

 

Ontem,

você significava vida,

amor, carinho, ternura.

Uma paixão desmedida.

Um sonho de ternura...

 

Depois,

veio a maldade,

a traição e a melancolia:

acabou a felicidade.

Eu chorava, você sorria...

 

Hoje,

você é página em branco

no livro de minha vida.

Das recordações a arranco,

você é página perdida!

 

 

 

 

A importância de uma oficina da palavra e, particularmente, a dedicada à Poesia, está no jogo lúdico que essa criação possibilita. Para os novos poetas é tão importante a participação neste tipo de evento pedagógico-cultural quanto aprender a ler os textos de outros autores.

 

Ao realizar o evento Som & Poesia, o Espaço Mizar Cristal abriu as portas que tantos querem ( e precisam) abertas: é que só os Poetas e os Intelectuais sabem da importância da mente aberta, da liberdade do eu entre os outros.

 

 

 

Outros trabalhos:

 

 

 

 

POUCO

Venice

 

Eu tenho que me contentar

com o que me dizem, ou com o que ouço -

com a comida que você gosta,

o que você não gosta,

com o que você quer

ou não quer,

com o que faz você feliz, ou entristece,

com o que você sonha,

com o desejo real. Sim,

eu tenho que me contentar

com tão, tão pouco...

 

Outros podem tocar,

sentir você.

Beijar.

Dizer (baixinho) "te amo" -

e tudo o mais que eu queria de você.

E isso está longe, distante de mim

e, ao mesmo tempo, é pra mim

tão pouco...!

 

 

 

 

AMOR FALADO

Venice

 

Há tempo que te conheço,

que te vejo, te ouço.

E você, há muito tempo que me conhece, me vê -

mas, não me olha nem me ouve.

Há muito mais tempo, ainda

não me fala! Nem eu ouço você.

Nem o que sinto, penso, ou o que me atormenta!

Não devo nem posso falar o que me faz feliz...

Existe amor que se sente,

amor que se cala,

amor que se demonstra,

amor que se ama!

Existe amor falado...?!

Existe?... Era isto que eu queria falar!

Mas, não devo nem posso.

Resta-me sentir,

calar, demonstrar, amar

... mesmo sem poder falar!

 

 

 

 

 

CARAVELAS ALADAS

Berenice Alves

 

 

 

caravelas ao vento

caravelas aladas

buscando mares serenos

velas irisadas

 

caravelas donzelas

das dores poupadas

das perdas douradas

 

carícias doadas

ao longo aos ventos

segredos guardados

nos íntimos mares

 

lampela o clarão nos mares

aurora despontando nas velas

 

caravelas ao vento

caravelas aladas

almas veladas

andanças seladas

 

 

 

 

ESTAR

Dayvison

 

Estar perto de você e não ver você.

Sinto o seu olhar, o seu andar.

Sei desse seu modo de beijar.

 

Por que você não vem?

 

Passe por aqui.

Nesta ou por aquela calçada.

 

Ah, como gostaria de ser passarinho

para lhe encontrar!

 

Se eu pudesse conjugar o verbo Estar

como "eu estou com você",

"estarei com você", "sempre estarei com você"...

 

Ah, mesmo a distância nos separando,

conjugar "estar", "estou" e "estarei" com você,

meu amor!

 

 

 

 

 

AUTO-DESTRUIÇÃO

João Barcellos

 

Nesta Terra que nos suporta o ego doido e idiota

poucos Seres suportam até a cor de que são feitos!

 

Oh, louca e bestial corrida...

 

Sentimo-nos amando e odiando, guerreiros

do Nada.Destruimos a Terra louvando o idiota!

 

 

 

 

 

MEU PAI AÇO

Walda

 

Com tanta grandeza

este amor de gente,

esta carência,

pureza.

 

Uma vontade de cair nos teus braços.

Este arrocho docemente aplicado pra lá da tristeza

- mas, para a data, de tanta alegria!

Embora sinta a tua falta, sorria,

dê-me aquele abraço,

estenda-me o sorriso pelo espaço que é só seu,

um espaço que eu quero meu!

 

Quero esse afago,

quero esse afago de Pai-aço.

Amor maior. Pai, você está aqui e eu te abraço

com Amor, meu Pai-aço!

 

 

 

PRECISO DO SEU AR

Aparecida Manoela Costa

 

 

Preciso do seu ar

para viver,

dormir, acordar -

ser eu mesma!

 

É perdendo

que conhecemos nossos sonhos, desejos d’amar.

Lutamos loucamente

por esse amar.

 

Você é para mim a Vida,

o Sol e as Estrelas.

Eterna razão para ser vivida!

 

Só você é a Luz.

Seu olhar provocante.

Sorriso d’encantar...

de amigo ou de amante?

 

Preciso do seu ar

para Viver, amar!

 

 

 

 

 

DESAFIO A DEUS

Georges Ohnet

 

Deus!

Sim, simplesmente ó Deus!

Se é que existes, escuta como te chamo: Deus!

Deus, sem meu senhor

ou senhor meu. Deus sem temor

sem cânticos de louvor...

Ecuta-me, ó Deus dos desgraçados!

Amarga é a Vida,

oh lágrimas e despedidas...

Por que, ó Deus, tenho de estar só?

Diz-me, Deus: sou Tão mau

que alguém não possa eu ter para amar

e viver sob o mesmo teto?

 

 

Deus, ó Deus dos desgraçados!,

se tu existes ajuda-me agora.

Faz voltar a criatura que tanto amo...

Se tu existes e és onipotente,

junta estes destinos novamente!

 

 

 

 

 

 

FÊMINA COR

João Barcellos

 

nos dedos que se cruzam

há um além Estar

chapéu trançado de desejos

um Ser cantado em vários

lírico seco

olhos d’água

colírio

 

florada em corpos desnudados

 

aves

suavíssimo adejo

marinhos olhares de sutis reentrâncias

bicam pétalas tímidas

fervendo cores

fragrância

gestos

 

o amor na alma d’enamorados

 

gostos

outros sabores

outra vida talvez

energia no sim transpirado

intimamente vulcânico

ah Mulher

Mulher

 

descoberta em olhos sempre amados

 

cor água

fogo

um Ser cantado em vários

um Estar de desejos

cântico

nos dedos que se cruzam

 

 

 

 

MEIO GENTE

Walda

 

não falo de partes iguais

de uma parte sem divisão

falo do meio

metade do meio

tudo são meios

meios inteiros

meios completos

meios cheios

ou meios vazios

meio inteiro

meio tempo

meio metro

meio incerto

meio salto

meio e meio

meio pequeno

de meia idade

a meio fio

meio certo

meia luz

meio triste

e meio ambiente

e meia pista

meia taça

meia lua

meio copo

meia fina

meio ano

meio quilo

meia calça

meia volta

e volta e meia

meio termo

meio gente

em meio a tudo

digo meio onde ficar

procura-se um meio

meio esquecido

meio desinteressada de tudo

e por esta porta meio aberta

vou sair meio escondida

para preencher as partes de um todo

talvez um meio de encontrar você

 

 

O cântico da Vida está em nós, carreámo-lo mesmo sem o querer - pois, vivemos a Vida em função do Nascer com destino à Morte. Mas, enquanto isso, aproveita a Vida quem sabe re-Criar esta existência telúrico-cósmica e enche a Alma com a poética ferramenta do Amor.

 

O evento Som & Poesia, produzido no Espaço Mizar Cristal, tinha exatamente como meta sentir isso: sentir a Alma, burilar a Palavra - esse gesto d’Alma.

 

Bem hajam, Poetas!